Frete grátis, robôs e farmácia: como o Mercado Livre responde ao avanço da concorrência

O cenário do comércio eletrônico no Brasil tornou-se mais competitivo, fazendo com que até o líder de mercado precisasse inovar e sair da sua zona de conforto.

Centro de distribuição do Mercado Livre

Por Raquel Brandão

26 set. 2025 | 06h00 | 9 min

No contexto global, quando se pergunta a um estrangeiro onde ele costuma fazer compras online, a resposta mais frequente provavelmente será a Amazon, e talvez também plataformas asiáticas. Entretanto, para um latino-americano, em especial um brasileiro, o nome Mercado Livre certamente estará entre os primeiros lembrados.

Fundado em agosto de 1999 na Argentina por Marcos Galperin, o Mercado Livre iniciou suas operações naquele mesmo ano no Brasil e em outros países da América Latina. Desde então, enfrentou a desconfiança de parte dos consumidores, que associavam o site a produtos falsificados, venda sem nota fiscal ou até mesmo a anúncios inexistentes. A pandemia foi o impulso decisivo: com o fechamento das lojas físicas, o brasileiro começou a comprar pela internet e essa prática se consolidou.

De acordo com estudo do Morgan Stanley, a participação do varejo online no Brasil era em 2019 por volta de 7%. Atualmente, ultrapassa os 14%, ainda distante da média global de 21% e dos mercados mais consolidados, como os EUA (25,6%) e a China (29,5%). Conforme projeção do próprio Mercado Livre, esta taxa deve alcançar 21,5% até 2028. É uma estimativa a ser levada a sério, considerando que a empresa controla cerca de 40% das vendas no comércio eletrônico brasileiro.

Mesmo com essa liderança, o mercado não garante tranquilidade. Nos últimos dois anos, a rivalidade se intensificou especialmente pela entrada agressiva de plataformas asiáticas e da Amazon, que ainda não conseguiu refletir no Brasil o domínio mundial que possui. Diante disso, foram inaugurados diversos centros de distribuição da Shopee e da Amazon, além de muitas promoções da Temu, que está chegando ao país.

Para enfrentar esse desafio, o Mercado Livre precisou reagir, investindo mais em logística, tecnologia, inteligência de dados e marketing, adotando celebridades como Ronaldo Fenômeno e Neymar como embaixadores da marca. Trata-se de um mercado onde cada centavo no frete e minutos a menos na entrega influenciam diretamente a decisão de compra.

Da liderança à resposta estratégica

A trajetória do Mercado Livre se baseia em um ecossistema formado por quatro pilares: marketplace, logística, fintech e publicidade, que se alimentam e fortalecem mutuamente. Pesquisa da Euromonitor, encomendada pelo próprio Mercado Livre, aponta que 5,8 milhões de pequenas e médias empresas utilizam a plataforma, movimentando quase R$ 400 bilhões anualmente, equivalente a 3,2% do PIB brasileiro.

Conforme analistas do BTG Pactual, o Mercado Livre é um agente fundamental na digitalização do Brasil, gerando inclusão produtiva, empregos e oferecendo crédito para milhões de negócios.

A fintech do grupo, Mercado Pago, é peça essencial para fidelizar consumidores e aumentar o tempo de uso do ecossistema. No último trimestre, registrou mais de US$ 64 bilhões em volume de transações, englobando pagamentos dentro e fora do marketplace. Além de processar compras, fornece crédito — muitas vezes o primeiro para pequenos empreendedores — cartões, contas digitais e maquininha de pagamento. Quanto mais o consumidor utiliza o Mercado Pago, maior a probabilidade de permanecer ativo na plataforma.

Essa força se traduz na operação brasileira: o país é responsável por 52% da receita global e teve um crescimento de 29% no GMV (vendas brutas totais) no segundo trimestre. O Mercado Livre estruturou uma vasta rede logística na América Latina, com 26 centros de distribuição (previsto chegar a 27 até o final do ano), oito aviões, centenas de hubs e cross-dockings, além de quase 5 mil pontos de coleta. Os clientes podem devolver produtos em mais de 15 mil locais, incluindo papelarias e agências dos Correios, recebendo o reembolso. Tudo isso sem possuir lojas físicas próprias, uma vantagem destacada por muitos varejistas brasileiros.

O resultado é uma experiência difícil de ser igualada: 56% dos pedidos chegam em até 24 horas e, especificamente no estado de São Paulo, esse índice atinge 73%. Em certas regiões, a entrega ocorre no mesmo dia, estendendo o prazo para fechar pedidos até o fim da tarde.

Medidas agressivas contra a concorrência

Para proteger essa estrutura, o Mercado Livre adotou uma postura agressiva em 2025. A concorrência — Shopee, Amazon, TikTok Shop e Temu — intensificou a disputa: a Shopee cresceu entre 60% e 70% anualmente e aumentou o ticket médio; a Amazon investiu US$ 25 milhões na Rappi para integrar logística e serviços Prime; o TikTok Shop já comercializa diariamente mais de US$ 1 milhão no Brasil, especialmente em beleza e moda; e a Temu inicia seu teste de mercado com preços subsidiados.

Diante desse cenário competitivo, o Mercado Livre reduziu o valor mínimo necessário para obter frete grátis de R$ 79 para R$ 19, uma estratégia ousada que reforçou o crescimento das vendas. Comparando o segundo trimestre de 2024 com o de 2025, as vendas cresceram 26%. Quando se analisa especificamente os meses de junho, o aumento é ainda maior, chegando a 34%, evidenciando o impacto da oferta de frete gratuito com menor valor mínimo.

Segundo Fernando Yunes, responsável pela operação do grupo no Brasil, essa atitude não visou apenas o aumento da participação no mercado, mas também trouxe ganhos de eficiência. Com o volume maior de pedidos, os centros de distribuição passaram a operar com menor ociosidade — especialmente nas sextas-feiras, que antes tinham menor movimento —, enquanto os veículos de transporte rodam mais cheios, diluindo o custo por pacote e tornando a operação mais produtiva.

“Estamos sacrificando margem para expandir o crescimento. Acreditamos que o aumento de escala e o engajamento de novos clientes resultarão em um negócio mais saudável a longo prazo”, afirmou Pedro Arnt, CFO da empresa, durante a teleconferência de resultados do segundo trimestre.

Expansão, automação e investimentos estratégicos

Para suportar esse volume elevado, o Mercado Livre acelerou sua transformação logística. Inicialmente implantou robôs que movimentam estantes levando as prateleiras até os operadores reduzindo deslocamentos. Recentemente, lançou uma segunda geração de automação: robôs de separação que consolidam pedidos com múltiplos itens. Embora a empresa não divulgue o valor investido, esse avanço faz parte do pacote de R$ 34 bilhões comprometidos para o ano.

Essa tecnologia diminui em até 25% o tempo de processamento, economiza cerca de uma hora por pedido e processa diariamente mais de 105 mil itens em uma área de apenas 670 m². Luiz Vergueiro, diretor sênior de Logística, destaca que estão elevando o nível da automação no Brasil, mantendo o Mercado Livre como referência em inovação logística na América Latina. A novidade foi apresentada no MeliExperience, evento anual dirigido a parceiros e vendedores.

Tecnologia e automação no Mercado Livre

Recentemente, a empresa lançou a unidade Mercado Livre Empresas, focada em clientes corporativos — varejistas e distribuidores que compram em maior escala. Esse segmento B2B formaliza um canal já usado de modo difuso, permitindo margens superiores ao atender negócios de maior volume, integrando marketplace, logística e crédito.

Além disso, a compra de uma farmácia marca a entrada do Mercado Livre em um setor estratégico com alto potencial. Fernando Yunes explica que essa aquisição facilitará a comercialização de medicamentos pela plataforma, prática comum em mercados desenvolvidos, mas que no Brasil ainda encontra barreiras regulatórias.

A visão do mercado e perspectivas futuras

No mercado financeiro, a estratégia inicialmente causou dúvidas, como a reação negativa das ações após a divulgação do segundo trimestre, mas logo a recuperação se deu. Uma gestor ouvido pela imprensa avaliou que a resposta do Mercado Livre à Shopee demorou, mas agora está correta, estabelecendo uma boa equação econômica para os vendedores atuarem em segmentos de tíquetes mais baixos, dificultando as jogadas da concorrente.

Hoje, o Mercado Livre comercializa de tudo, desde supermercados até televisores. Mesmo os segmentos com menores margens são valiosos, pois promovem frequência e fidelidade das compras — aspectos essenciais para um ecossistema de tal magnitude.

Fernando Yunes reconhece a pressão sobre a lucratividade no curto prazo, mas ressalta o foco no longo prazo: “Estamos ampliando o tamanho do e-commerce no Brasil e formando uma base de clientes que será rentável futuramente.” Com o sucesso na condução da operação brasileira, ele será transferido a partir de janeiro para liderar a operação global de e-commerce do grupo.

Os analistas do BTG Pactual mantém otimismo em relação ao Mercado Livre, projetando que a receita global subirá de US$ 28 bilhões em 2025 para US$ 42,8 bilhões em 2027, com margem Ebitda estável entre 15% e 16%. Para o banco, o Mercado Livre está cumprindo o papel de líder: crescer acima do mercado mesmo que isso demande abrir mão da rentabilidade no curto prazo.

Considerando que a penetração do comércio eletrônico no Brasil ainda está abaixo da média mundial e que o Mercado Livre entrega mais da metade das compras em até 24 horas, fica claro o recado: aqueles que desejam conquistar a liderança no e-commerce brasileiro precisarão se movimentar rápido e com determinação.

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