O investidor minoritário e a falta de proteção no mercado brasileiro

Ao aplicar recursos na Bolsa de Valores, uma das principais preocupações dos pequenos investidores está nas oscilações das ações. Porém, além das variações do mercado, decisões internas das companhias impactam diretamente aqueles que possuem participações minoritárias, que ainda enfrentam pouca proteção no Brasil.

Ao longo de 2025, diversas companhias listadas realizaram aumentos de capital para fortalecer suas finanças. Nesses processos, os acionistas têm a opção de exercer o direito de preferência para adquirir novas ações ou podem ser diluídos em suas participações acionárias.

Um exemplo notório foi a capitalização da Gol (GOLL54), que somou R$ 12 bilhões. Essa operação resultou em uma diluição de 99,8% para os acionistas que não participaram, ou seja, um investidor que detinha integralmente a empresa passaria a possuir apenas 0,2% após a conclusão do processo.

Essa capitalização esteve vinculada a um plano de recuperação judicial nos Estados Unidos chamado Chapter 11. No fim, a maioria das novas ações não foi adquirida pelos acionistas minoritários, mas sim pela Gol Investment Brasil, entidade ligada ao grupo controlador e aos credores, que subscreveu praticamente todas as ações ordinárias e quase a totalidade das preferenciais disponíveis.

Outro caso recente envolve a Cosan (CSAN3), que recebeu um aporte de R$ 10 bilhões por meio do BTG Pactual e da Perfin, para reduzir seu endividamento, que atingia R$ 23,5 bilhões no final de 2024. Investidores que não participarem desse aumento de capital podem enfrentar diluição de até 17,3%.

Também em outubro, a Oncoclínicas (ONCO3) obteve aprovação para captar até R$ 2 bilhões visando aumentar sua liquidez e diminuir dívidas. Os acionistas que não aderirem à oferta podem sofrer diluição de 33,5% se o montante mínimo de R$ 1 bilhão for atingido, e até 50,2% se for captado o total de R$ 2 bilhões.

Marcelo Godke, advogado especialista em direito empresarial e mercado de capitais, destaca que essas medidas fazem parte das regras do mercado, desde que a diluição não seja desproporcional. Ele ressalta que salvar a empresa evita riscos maiores, como uma falência, que causaria prejuízos ainda mais expressivos aos acionistas.

Além disso, a situação recente da Ambipar (AMBP3) chamou atenção quando a empresa conseguiu uma tutela cautelar na Justiça do Rio de Janeiro, bloqueando por 30 dias (prorrogáveis) exigências de credores. Essa ação concede prazo para que a empresa negocie acordos ou ingresse com pedido de recuperação judicial, medida considerada essencial para preservar a companhia, empregos, contratos ambientais e sua contribuição à economia nacional.

Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito coletivo e empresarial e diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci), comenta que a recuperação judicial, originalmente vista como uma medida excepcional, está sendo usada com frequência como uma estratégia para contornar crises, o que compromete a credibilidade necessária ao setor.

Aspectos a analisar antes de aplicar em uma empresa

Mais do que considerar apenas o comportamento do preço das ações, é fundamental estudar o histórico da empresa para mitigar riscos decorrentes de governança ou fragilidades operacionais.

Itens relevantes incluem a regularidade da distribuição de dividendos, as demonstrações financeiras e o nível de endividamento, frequentemente avaliado pelo indicador Dívida Líquida/Ebitda, que mostra quantos anos do fluxo de caixa a empresa precisa para quitar suas dívidas.

Também é importante que o investidor conheça a diferença entre ações ordinárias e preferenciais: as ordinárias conferem direito a voto, enquanto as preferenciais dão prioridade no recebimento de dividendos e no reembolso em casos de falência, porém sem direito a voto.

Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, destaca que o núcleo do mercado de capitais reside na informação para tomar decisões. Ele ressalta que as empresas têm responsabilidade pelo conteúdo que divulgam e que auditorias deveriam certificar a veracidade dos dados apresentados.

Porém, recentes escândalos colocaram em xeque a confiança nessas informações. O direito básico do investidor seria não sofrer danos por informações incorretas, mas podem ocorrer fraudes graves, seguidas por alegações de inconsistências involuntárias.

Um dos casos mais emblemáticos foi o da Americanas (AMER3), que revelou em janeiro de 2023 um rombo financeiro superior a R$ 20 bilhões, impactando negativamente a percepção dos investidores sobre a integridade do mercado acionário, conforme levantamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A fragilidade da proteção para minoritários no Brasil

Especialistas jurídicos afirmam que é incomum a existência de ações judiciais movidas por investidores minoritários inconformados com prejuízos no mercado acionário. Por isso, não há precedentes claros e consistentes nas decisões judiciais sobre o tema.

Além disso, eles destacam que processar companhias por irregularidades em suas demonstrações financeiras é um caminho complexo e pouco acessível, o que evidencia um déficit de proteção para os pequenos investidores no país.

Gabriel de Britto Silva lamenta que, com facilidade proporcionada pela tecnologia, investidores adquiram ações de empresas que aparentam ser sólidas, mas eventualmente veem seu capital desaparecer sem mecanismos eficazes para resguardar seus direitos.

Em 2020, um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já alertava para a necessidade de aprimoramento das ferramentas de proteção dos investidores no Brasil, principalmente quanto à reparação de danos.

Com base nessas preocupações, o governo apresentou o Projeto de Lei (PL) 2925/2023, em tramitação na Câmara dos Deputados, cujo objetivo inicial era fortalecer a defesa dos acionistas minoritários. No entanto, alterações no texto são vistas com críticas e o apelido de “PL da Impunidade” surgiu devido a pontos polêmicos.

O destaque controverso está no artigo que repassa a responsabilidade pelos prejuízos dos investidores diretamente aos administradores da empresa, afastando a companhia de tal obrigação. Eduardo Silva alerta que essa mudança pode desestimular o mercado de capitais no Brasil.

Embora o texto original do projeto facilitasse a adoção de ações coletivas por acionistas — instrumento comum nos Estados Unidos chamado class action — versões recentes tornaram esse processo mais rígido. Cabe lembrar que essa ferramenta resultou em 2018 no pagamento de US$ 2,95 bilhões pela Petrobras a investidores americanos, em acordo que encerrou uma ação coletiva.

Marcelo Godke observa que, para os investidores minoritários, a proteção pode ser mais efetiva ao adquirir ações brasileiras negociadas no exterior, por meio de instrumentos como o American Depositary Receipt (ADR).

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