Bolha dos carros chineses? Análise sobre a presença crescente de marcas chinesas no Brasil

O Brasil já conta com a presença de 19 marcas chinesas de automóveis, muitas delas estrearam no mercado nacional recentemente. No entanto, essas montadoras enfrentam grandes desafios para conquistar espaço no país. A seguir, examinamos esse cenário.

Avatar 11, da Changan, que acaba de aportar no Brasil. Foto: Divulgação

Durante o Salão do Automóvel em São Paulo, das 22 fabricantes presentes, 11 eram chinesas, representando cerca de 50% do evento. Essa participação não está muito distante da realidade do Salão de Xangai, onde as montadoras chinesas ocupavam 70% dos estandes.

Essa expansão é compreensível, pois quase um em cada dez veículos zero quilômetro vendidos no Brasil é de origem chinesa. A participação desses automóveis subiu de 2,3% em 2023 para 6,6% em 2024, alcançando 9,1% atualmente, impulsionada por fabricantes como BYD, GWM e Chery.

Nos últimos meses, chegaram novas empresas ao mercado brasileiro, como GAC, Geely e Leapmotor, com entradas recentes da SAIC e Changan. Considerando as marcas já atuantes e as que ficarão disponíveis em 2026, o total chega a 19 fabricantes chinesas no país.

MG Cyberster, da SAIC – chega por R$ 500 mil para competir com o Porsche Boxster, de R$ 550 mil. Foto: Divulgação

É natural surgirem dúvidas se essa quantidade representa uma bolha e se o mercado nacional é capaz de absorver tantos concorrentes. Vamos aprofundar essa questão.

Desafios dos carros chineses em outros mercados

A China é o maior mercado automobilístico do mundo e naturalmente possui forte presença local. Na União Europeia, a atuação das montadoras chinesas também cresce, similar ao Brasil. Contudo, em outras grandes economias, a situação é diferente: Estados Unidos, Índia e Japão praticamente não contam com carros chineses.

Nos Estados Unidos, a principal barreira é o protecionismo comercial. Sob a administração Biden, as tarifas para veículos elétricos e híbridos chineses atingiram 102,5%. No governo Trump, o imposto chegou a 127,5%. Como os carros exportados da China são quase exclusivamente elétricos e híbridos, essas taxas tornam inviável a entrada dos modelos chineses no mercado americano.

No caso da Índia, também há forte protecionismo, mas voltado contra todos os importados. As taxas de importação variam entre 70% e 100%, dependendo do tamanho do carro. Isso favorece as montadoras locais, como Maruti, Tata e Mahindra, e também as estrangeiras que montam veículos no país, como Hyundai e Toyota. A presença de veículos importados é praticamente inexistente e quase restrita a superesportivos.

Já no Japão, as tarifas de importação para veículos estrangeiros são zero, mas a lealdade dos consumidores às marcas nacionais é enorme, com 95% do mercado dominado por fabricantes locais. Por isso, não há fábricas de montadoras estrangeiras e as poucas vendas internacionais concentram-se em marcas premium alemãs.

Assim, dos seis maiores mercados mundiais, as montadoras chinesas só expandem de forma significativa na China, na União Europeia e no Brasil. Isso explica o grande interesse das marcas chinesas em marcar presença no mercado brasileiro e competir entre si por espaço.

Concessionária da BYD em frente à Catedral de Milão, grande ponto turístico da Itália. Uma amostra do apetite chinês por novos mercados. Foto: Divulgação

Stella Li, vice-presidente global da BYD, ressalta que atualmente há mais de 100 montadoras na China, não incluindo as submarcas, e acredita que muitas delas serão forçadas a sair do mercado. Ela comenta que mesmo 20 fabricantes já seria um número excessivo.

O processo de seleção natural já está em curso, com várias montadoras menores chinesas desaparecendo recentemente, como Singulato, Enovate, Bordrin e Levdeo.

Importante destacar que quase todas as novas montadoras que entraram no Brasil pertencem a grandes grupos chineses e detêm forte posicionamento. Um exemplo é a Leapmotor, que, apesar de não pertencer diretamente a essas corporações, faz parte do Grupo Stellantis, gigante global que também possui Fiat e Jeep.

C10, da Leapmotor, uma marca chinesa lançada pela Stellantis no Brasil. Foto: Divulgação

Uma exceção no cenário brasileiro é a pequena Neta, que atualmente passa por reestruturação após a falência da controladora chinesa Hozon New Energy, confirmando a tese de Stella Li.

Para avaliar se há realmente espaço para todas essas marcas no Brasil e em outros mercados fora da China, é fundamental analisar o potencial de crescimento dos veículos 100% elétricos, que ainda possuem limitações expressivas.

A trajetória dos veículos elétricos no Brasil e internacionalmente

A BYD e a GWM foram responsáveis por introduzir veículos elétricos no mercado brasileiro. Contudo, os modelos mais vendidos dessas marcas possuem motores a combustão. Por exemplo, o híbrido Haval H6 representa 82% das vendas da GWM no país, e a picape a diesel Poer está disponível no portfólio da marca. Os carros 100% elétricos da GWM, como o Ora, equivalem a apenas 7,7% do total vendido, segundo dados da ABVE de janeiro a novembro de 2025.

Na BYD, apesar da predominância dos elétricos puros (seis em cada dez modelos), o carro com maior volume de vendas é híbrido: o Song, que responde por 32% do total da fabricante no Brasil. O Dolphin Mini, que tem quase metade do mercado nacional de elétricos puros, fica atrás, com 27%, mesmo custando R$ 119 mil, valor inferior aos R$ 176 mil do Song Pro.

Geely EX2, o carro mais vendido na China. Esse pequeno elétrico chega por R$ 120 mil para disputar mercado com o Dolphin Mini. Foto: Divulgação

Essa discrepância ocorre porque os carros elétricos representam apenas 3% do mercado automotivo brasileiro, enquanto os híbridos somam 10%. Apesar disso, essa fatia tem potencial para crescer: na China, 34% dos veículos novos são elétricos e, mantendo o ritmo atual, a eletrificação dominará mais da metade do mercado em 2027.

Entretanto, a China é um caso singular. Nos Estados Unidos, o mercado de elétricos puros representa 7,6% — uma queda em relação a 8,1% no ano anterior. No Japão, a participação diminuiu de 2,2% em 2023 para 1,3% agora. Essa redução ocorre mesmo em economias com alta renda per capita, como Canadá e Austrália, onde a presença de carros elétricos é modesta e pouco crescente.

O dilema dos veículos elétricos

Na década de 1980, um comercial famoso da marca Tostines questionava se o biscoito era fresco porque vendia muito, ou vendia porque era fresco, ilustrando um ciclo virtuoso. No universo dos carros elétricos, contudo, o ciclo é vicioso: a baixa quantidade de veículos elétricos reduz a demanda por pontos de recarga, e a escassez desses pontos desestimula a compra dos carros elétricos.

Na China, esse problema é contornado pelo governo, que financia a instalação de carregadores públicos. Atualmente, existem 4,5 milhões de pontos de recarga, 1,2 milhão a mais que no ano anterior. Para efeito de comparação, a China possui 108 mil postos de gasolina, que, com uma média estimada de 6 bombas por posto, somam 648 mil bombas, ou seja, há sete carregadores elétricos para cada bomba de combustível.

China: sete carregadores elétricos para cada bomba de gasolina. Foto: Sinology/Getty Images

Nos Estados Unidos, há 218 mil pontos de recarga, o que equivale a apenas um quarto de carregador por bomba de combustível, número insuficiente para tornar o uso de carros elétricos tão confortável quanto os veículos a gasolina, especialmente considerando o tempo maior para recarga.

No Brasil, existem apenas 17 mil pontos de recarga, o que representa 0,16 carregador para cada bomba de combustível, dificultando a popularização dos veículos elétricos puros.

Na União Europeia, a infraestrutura é mais robusta, com 1,1 milhão de pontos de recarga, correspondendo a 1,6 carregador para cada bomba, refletindo em maior, embora ainda tímido, avanço nas vendas de carros elétricos — que estavam em 14,6% do mercado em 2023, caiu para 14,0% em 2024 e subiu para 16,4% em 2025.

Híbridos: caminho para o futuro do automóvel

Quando o assunto envolve carros híbridos, o panorama muda. Existe uma tendência de que todos os automóveis futuramente tenham algum grau de propulsão elétrica, que pode variar dos híbridos plug-in (PHEV), com uma boa autonomia elétrica, aos micro-híbridos (MHEV), que apenas auxiliam o motor a combustão momentaneamente.

Por enquanto, os veículos totalmente elétricos ainda constituem um segmento de nicho na maioria dos grandes mercados, com exceção da China. As fabricantes chinesas, porém, operam focadas na realidade de sua terra natal, onde os carros elétricos puros estão rapidamente se tornando predominantes.

No Brasil, BYD e GWM já perceberam que uma aposta exclusiva em carros elétricos não é a melhor estratégia. Entre os novos entrantes, a situação é diferente: na linha da GAC, por exemplo, 80% dos modelos são 100% elétricos. As marcas Geely, Zeekr, Avatr e MG apresentam portfólios totalmente elétricos.

Assim, há vários concorrentes disputando um segmento reduzido, de aproximadamente 3% do mercado nacional, com projeção para chegar no máximo a 9% ou 10%. Isso, a menos que a China decida investir pesadamente na expansão da rede de carregadores no Brasil, eliminando de vez o dilema da infraestrutura e viabilizando a comercialização em larga escala de veículos elétricos no país.

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