A ética do lucro

A existência de regras não garante uma conduta empresarial adequada, assim como não assegura a ética de governantes e funcionários públicos, porém, o debate constante sobre a ética nos negócios não deve tratar a geração e distribuição de lucros como incompatível com a função social das empresas.

Na semana passada, a ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleise Hoffmann, criticou o que chamou de “manobra indecente” realizada por empresas de capital aberto ao anteciparem a distribuição de dividendos para escapar da cobrança do imposto de renda, ainda não vigente sobre esse tipo de rendimento. No entanto, ela não destacou que essa possibilidade foi criada por uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente, permitindo que as empresas – e não apenas as de capital aberto – realizem a antecipação de dividendos referentes a este ano para os exercícios de 2026, 2027 e 2028.

A ministra relacionou essa prática a uma questão ética, afirmando que o comportamento dessas companhias reflete a elite econômica brasileira, que estaria mais preocupada com seus próprios interesses do que com o progresso do país.

Esse tipo de crítica não se restringe a setores políticos mais à esquerda. Há um entendimento pouco claro de que as empresas privadas executam sua função social ao gerar e distribuir lucros, desde que todas as medidas legais sejam respeitadas, inclusive o pagamento dos impostos correspondentes pelas próprias empresas.

De modo geral, a população brasileira aparenta acreditar que a maneira mais eficaz de garantir a contribuição dos mais ricos – que inclui os acionistas controladores – para o bem coletivo é por meio da tributação adequada, de forma progressiva, para que quem ganha mais, pague mais. Essa conclusão decorre de pesquisa realizada por Felipe Nunes, descrita em seu livro Brasil no Espelho, baseada em entrevistas com quase 10 mil brasileiros feitas entre novembro e dezembro de 2023. Os dados indicam que os brasileiros preferem a cobrança tributária progressiva aos mais ricos em comparação a programas de assistência social, como o Bolsa Família.

Vale destacar um aspecto legislativo pouco conhecido: o direito de propriedade no Brasil está condicionado ao cumprimento de sua função social, princípio vigente desde a Constituição de 1946, que permitia desapropriações por utilidade pública ou interesse social, além de outras normas correlatas.

A Constituição de 1988 reforça esse entendimento ao estabelecer que a propriedade deve atender a sua função social (artigo 5º, inciso XXIII), consagrar esse princípio como parte da ordem econômica (artigo 170) e determinar a possibilidade de desapropriações no caso de imóveis rurais que não cumpram sua função social (artigo 184). Além disso, o Código Civil aborda a “função social do contrato” (artigo 421).

A Lei 6.404/1976, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas, que regula as companhias abertas criticadas pela ministra Gleise Hoffmann, foi além ao definir que o interesse das comunidades e a função social das empresas devem ser considerados quando as mesmas desenvolvem suas atividades. Essa lei estabelece que administradores e acionistas controladores devem conduzir a companhia de forma a garantir o cumprimento dessa função social.

Consequentemente, as empresas brasileiras enfrentam uma série de exigências legais, muitas vezes burocráticas, além de custos trabalhistas elevados, que podem dificultar a capacidade das companhias de exercerem sua função social principal, como a geração de empregos.

É importante compreender que a existência de normas não assegura uma conduta ética, seja no âmbito empresarial ou no público. Apesar do arcabouço legal extenso, o país tem vivenciado diversos escândalos, demonstrando que regras não necessariamente garantem um comportamento moral correto.

Porém, o debate permanente sobre ética empresarial não deve fazer parecer que a busca e a distribuição do lucro são incompatíveis com o cumprimento da função social das empresas. É incontestável que a principal finalidade das companhias é gerar ganhos para seus acionistas e distribuí-los na forma de dividendos, algo que pode e deve coexistir com os interesses da sociedade e do país.

Marcelo Trindade — Foto: Arte sobre foto Divulgação

Marcelo Trindade — Foto: Arte sobre foto Divulgação

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