As estratégias da Renner para manter a liderança diante da concorrência de H&M, C&A e Riachuelo
Mesmo com a chegada da sueca H&M ao mercado brasileiro, atraindo muita atenção nas redes sociais e gerando filas nas inaugurações das primeiras lojas, e os bons resultados recentes de C&A e Riachuelo, o setor de moda varejista tem se destacado mais do que nunca desde a pandemia. Neste cenário competitivo, a líder Renner encara um desafio crescente, mas, segundo seu CEO Fabio Faccio, está mais bem preparada do que em qualquer momento anterior para enfrentar essa disputa.
A Renner enfrentou alguns obstáculos nos últimos anos, como os impactos da pandemia sobre o consumo de roupas, o aumento das taxas de juros e a concorrência dos produtos asiáticos mais baratos. Além desses fatores macroeconômicos, a empresa teve que lidar com o ceticismo do mercado em relação a um grande ciclo de investimentos iniciado logo após 2020. Entre 2021 e 2024, a Renner aplicou entre 10% e 12% da sua receita líquida anualmente, o maior volume de investimento de sua história.
O objetivo dessa apuração financeira foi digitalizar processos, implementar um centro de distribuição automatizado em Cabreúva (SP) para atender tanto as operações físicas quanto as online, além de estabelecer um modelo de reabastecimento personalizado para cada item em cada loja. Porém, a jornada não foi simples e exigiu aprendizado constante, especialmente sob a gestão do CEO Fabio Faccio, que assumiu o comando em 2019, substituindo José Galló, figura marcante que colocou a varejista gaúcha em destaque nacional.
Aprendizados com os desafios recentes
Um dos momentos mais difíceis aconteceu no segundo trimestre de 2023, quando a coleção de inverno teve problemas de vendas e ocasionou necessidade de liquidações. O lucro líquido despencou 76% nesse período inicial do ano. Contudo, com o avanço dos projetos de tecnologia, incluindo inteligência artificial, a Renner aprimorou a previsão de demanda das peças, buscando evitar falhas similares.
A estratégia passou a apostar em uma produção e reposição mais ágeis. Conforme Faccio, atualmente entre 20% e 35% da coleção pode ir do desenho à prateleira em cerca de 25 dias, em contraste com os 45 dias que levavam para 5% a 10% da coleção anteriormente. Essa aceleração melhora a margem bruta, o giro de estoques e o ciclo financeiro.
Um aprendizado importante veio da ascensão da plataforma asiática Shein, que impactou o mercado nacional de comércio eletrônico, mesmo gerando conflitos sobre impostos nas importações. A Renner incorporou várias estratégias inspiradas na Shein, como a oferta permanente de peças básicas com preços de entrada mais baixos e maior agilidade para incorporar tendências de moda diretamente vindas das redes sociais, incluindo coleções temáticas de cultura pop, séries, memes e bandas.
O centro de distribuição em Cabreúva, já totalmente operacional em 2025, foi peça fundamental para alcançar uma margem bruta histórica de 57,1%. As vendas em lojas comparáveis, ou seja, aquelas com pelo menos um ano em operação, tiveram crescimento superior a 17%, e, especificamente para vestuário, o incremento foi de 18,5%, superando concorrentes como C&A e Riachuelo.
Embora esses resultados tenham sido considerados “um pouco acima da normalidade” por Faccio, eles confirmam a evolução operacional da empresa. Espera-se para o terceiro trimestre um crescimento mais moderado, que já está refletido no preço das ações, as quais caíram dos R$ 19 registrados em junho para cerca de R$ 17. No entanto, avaliações de bancos como Itaú BBA e Santander indicam que a Renner está voltando a apresentar números regulares e rumo a resultados mais sólidos.
O sucesso recente decorre da combinação entre logística eficiente e melhor adequação da coleção, resultando em menos remarcações e maior volume de vendas a preços integrais – o que elevou o tíquete médio em 6,3%, para R$ 226,90. No cartão Renner, o tíquete médio aumentou 6,4%, atingindo R$ 318,80, reforçando a importância da Realize, braço financeiro da companhia, que é mais uma alavanca para o varejo.
A estratégia financeira não é transformar a Realize em um negócio independente, mas sim alavancar as vendas da varejista. Em um contexto de juros altos e risco elevado de inadimplência, a empresa mantém uma postura conservadora na concessão de crédito. No primeiro semestre, a carteira de crédito chegou a R$ 6,5 bilhões, aumento de 12% em relação ao mesmo período do ano anterior, com melhoria no perfil de risco.
Além disso, a Renner tem conseguido reduzir a participação das despesas em relação à receita, um tema que preocupava alguns investidores. No segundo trimestre, essa relação caiu 0,8 ponto percentual, mesmo com o elevado volume de investimentos ainda em curso. Faccio destaca que esse processo é gradual e que a perspectiva é manter esse ritmo de diluição pelas despesas nos próximos dois ou três anos.
Analistas demonstram otimismo diante dessas mudanças: o Itaú BBA projeta intensificação da redução das despesas conforme o ciclo pesado de investimentos fica para trás e as lojas e sistemas ganhem escala, o que pode elevar a margem EBITDA mesmo em um cenário de crescimento modesto. O Santander, por sua vez, acredita que o controle das despesas somado à margem bruta ascendente oferece potencial para expansão do EBITDA acima de dois dígitos anualmente nos próximos exercícios.
Novos investimentos com foco na eficiência e expansão
Embora o maior ciclo de investimentos esteja encerrado, a Renner planeja manter investimentos de cerca de R$ 850 milhões em 2025, que representam 30% a mais que em 2024. Nesse momento, os aportes são menores em relação à receita, situando-se entre 6% e 8%, mas com foco no retorno mais rápido.
O investimento emblemático do passado foi o centro de distribuição em Cabreúva, uma estrutura transformadora para abastecimento e redução do ciclo financeiro. Agora, os recursos destinam-se a reformas, como o novo formato da loja inaugurada no Shopping Morumbi, abertura entre 30 e 37 novas unidades e tecnologias para melhorar a conversão no canal digital.
Essas ações devem gerar valor de curto e médio prazo, seja por meio de novas vendas ou por aumento da produtividade das lojas. A maior parte das inaugurações está prevista para o último trimestre de 2025.
O planejamento inclui a expansão da presença da Renner e da marca jovem Youcom em localidades onde ainda não atuam, especialmente em cidades com população igual ou superior a 50 mil habitantes. Cerca de 90 municípios foram mapeados para essa estratégia, considerando que atualmente o grupo tem pouco mais de 30% de cobertura nesse segmento.
Essas lojas menores apresentam retorno de capital mais alto e rápido, além de impulsionar as vendas online em cerca de 20% nesses mercados, conforme ressaltam os analistas do Itaú BBA. O canal digital já responde por aproximadamente 15% do total de vendas do grupo.
Atualmente, o grupo Renner conta com 691 lojas, sendo cerca de 430 delas lojas de departamento.
Oportunidades de aprimoramento da eficiência
Para o CEO Fabio Faccio, a continuidade da abertura de lojas é importante, pois a companhia ainda não atingiu limites máximos de eficiência operacional, embora seja a mais produtiva do setor quando comparada às concorrentes nacionais. Cálculos indicam que a Renner gera vendas de R$ 13,2 mil por metro quadrado anualmente, número 59% superior ao da Riachuelo e 24% maior do que o da C&A.
Faccio acredita que, com os investimentos realizados, a empresa iniciou um novo ciclo que possibilitará manter essa vantagem competitiva por um longo período. A meta é recuperar os níveis de rentabilidade que precederam a pandemia, porém agora numa escala significativamente maior, em um horizonte de dois a três anos.
Os analistas também compartilham dessa visão e esperam que esse percurso permita uma geração relevante de caixa. O Santander projeta crescimento do EBITDA e do lucro líquido acima de dois dígitos ao ano até 2027, além de prever a retomada de dividendos mais robustos a partir desse período.



