Investidor Internacional Sustenta Recordes da Bolsa Brasileira, Mas Análise Revela Cenário Mais Complexo
Nas últimas semanas, acompanhar notícias sobre a bolsa brasileira alcançando novos recordes de fechamento tornou-se algo habitual para os investidores. O índice Ibovespa, atualmente por volta dos 146 mil pontos, tem superado até mesmo as estimativas mais otimistas.
Com uma valorização acumulada de 20,83% em 2025 — dos quais 5,21% ocorreram nos últimos dias —, o principal índice do mercado brasileiro ultrapassa o desempenho de índices americanos igualmente em patamares históricos. Considerando os dados do fechamento do dia 22, o S&P 500 avançou 14%, enquanto o Nasdaq registrou alta de 18,20%.
À primeira vista, poderia parecer que tanto a B3 quanto as bolsas americanas retornaram a períodos de grande efervescência, porém o quadro exige uma análise mais detalhada.
Contexto dos recordes nos Estados Unidos
Os recordes nos Estados Unidos são mais facilmente justificados. A retomada do ciclo de cortes de juros pelo Federal Reserve, aliada ao forte interesse dos investidores por ações ligadas à inteligência artificial, renovou o apetite pelo mercado acionário americano, que vinha enfrentando incertezas devido à política tarifária da administração Trump.
Realidade brasileira: desafios e particularidades
No Brasil, porém, o panorama é diferente. Ao contrário dos EUA, espera-se que a taxa Selic permaneça em níveis elevados por um período prolongado, com os bancos de investimento prevendo o início do ciclo de cortes apenas para dezembro ou início de 2026. Isso leva investidores locais a continuarem se desfazendo de ações para aproveitar os altos rendimentos da renda fixa.
Além disso, o panorama fiscal brasileiro ainda não mostrou avanços significativos desde o começo do ano. Com as eleições de 2026 se aproximando, as preocupações relacionadas às contas públicas — que pressionaram negativamente a bolsa entre setembro de 2024 e janeiro — foram postergadas até que haja clareza sobre o cenário político futuro.
Diante dessas circunstâncias, surge uma questão importante: como a bolsa brasileira consegue sustentar seu nível atual, apesar dos fatores tradicionalmente negativos?
Impacto do fluxo estrangeiro e comportamento do investidor local
Segundo Mário Avelar, gestor da Paramis Avantgarde Asset, e Matheus Amaral, especialista em renda variável do Banco Inter, o Brasil tem se beneficiado do interesse internacional por ativos emergentes, atraídos pelo diferencial de juros. Com os cortes do Fed e os elevados patamares da Selic brasileira, cerca de R$ 30 bilhões de capital estrangeiro entraram recentemente, impulsionando o Ibovespa até a marca dos recordes. Esse volume, embora significativo, corresponde a uma pequena parcela dos investimentos estrangeiros no mercado brasileiro.
“Parece que estamos vivendo uma sequência de recordes em um ambiente de otimismo, mas a sensação para o investidor local é diferente”, destaca Amaral. Ele ressalta a ausência de novas ofertas públicas iniciais (IPOs) e grandes emissões de ações — ao contrário, várias companhias têm adotado a estratégia de fechar o capital. “O ingresso do capital estrangeiro mascara fraquezas internas, mas enquanto essa entrada persistir, a bolsa tende a se manter em níveis elevados”, complementa.
Isso evidencia que, apesar do suporte estrangeiro, o investidor doméstico permanece cauteloso, continuando a vender ações para realocar recursos em produtos de renda fixa atrelados à Selic, motivado pelos elevados rendimentos atuais.
Qualidade das empresas brasileiras surpreende positivamente
Sob a perspectiva qualitativa, a situação é mais favorável do que aparenta. Diferentemente de ciclos anteriores de juros altos, as empresas brasileiras estão atravessando este período de forma mais saudável, com balanços menos endividados, margens resistentes e disciplina maior na gestão financeira.
“Elas não estão em grande expansão, mas aprenderam a administrar melhor os ciclos de aperto monetário”, observa o especialista do Banco Inter. Embora o custo da dívida ainda impacte os resultados, o nível de investimentos das empresas permanece em crescimento — reflexo do aprendizado ocorrido após a pandemia, mesmo com o aumento das despesas financeiras.
Mário Avelar destaca que “há uma evolução clara: as companhias brasileiras enfrentam este ciclo de juros altos de modo muito mais sólido do que antes, com menos ativos problemáticos, margens de lucro resilientes e mais controle financeiro”.
Essa evolução reforça a ideia de que, apesar da bolsa não ser barata, há oportunidades atraentes. Atualmente, o Ibovespa está negociado a cerca de oito vezes o lucro, inferior à média histórica e também menor que os múltiplos de mercados emergentes como Colômbia e Peru, que giram em torno de dez vezes. O lucro por ação (earnings yield) próximo de 12% confirma a robustez obtida, mesmo com preços descontados — indicando, em suma, que a bolsa está relativamente barata.
Setorialmente, o cenário é equilibrado: utilities e bancos — tradicionalmente setores defensivos — mantêm-se fortes, enquanto indústrias e empresas de logística apresentam múltiplos abaixo da média, mas preservam a rentabilidade. Em contraste, setores mais vulneráveis à competição global, como o varejo, continuam sob pressão, especialmente pela concorrência de players estrangeiros, notadamente chineses.
Essa combinação de valuations comprimidos e fundamentos sólidos cria uma assimetria positiva, capaz de gerar ganhos expressivos nos ativos locais. Não por acaso, em dias de notícias favoráveis, algumas ações chegam a valorizar dois dígitos em poucas horas.
Ricardo Campos, CIO e CEO da Reach Capital, destaca que a retomada consistente do investidor local depende de maior previsibilidade sobre o processo eleitoral do próximo ano.
“Três fatores serão determinantes para a volta do investidor brasileiro: a continuidade da curva americana indicando cortes, a confirmação dos cortes da Selic no final do ano e um ambiente de negócios menos incerto no Brasil. Atualmente, qualquer notícia positiva provoca fortes reações, pois os preços estão bastante pressionados”, conclui Amaral.



