Atualização Da Inflação Na Argentina: Impacto Para Milei E A Economia

Atualização Da Inflação Na Argentina: Impacto Para Milei E A Economia

Na Argentina, jornal impresso e DVD têm maior peso que streaming na inflação; entenda o impacto para Milei

O Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), que cumpre papel semelhante ao IBGE no Brasil, está promovendo uma atualização no índice oficial de preços do país, que não passa por reformulação desde meados dos anos 2000. Economistas acreditam que a revisão da cesta de produtos utilizada para medir a inflação pode levar a um aumento nos índices oficiais, dado que os atuais hábitos de consumo dos argentinos não estão plenamente refletidos.

O índice que calcula a inflação na Argentina ainda possui como base uma pesquisa realizada entre 2004 e 2005. Apesar de ajustes pontuais feitos em 2016, a estrutura principal permanece defasada, o que faz com que itens como jornais impressos e DVDs tenham um peso maior do que produtos e serviços modernos, como smartphones, streaming de vídeo e aplicativos de mobilidade urbana.

Essa distância entre o índice oficial e o padrão real de consumo é destacada por Analía Calero, professora da Universidade Católica Argentina (UCA), que ressalta que o modelo atual reflete um consumidor dos anos 2000 que ainda aluga DVDs e utiliza aparelhos ultrapassados, como MP3 players, ignorando serviços digitais amplamente usados hoje.

Projeções apontam que, com a atualização da cesta de itens e o ajuste dos pesos relativos de cada grupo no cálculo, os números da inflação oficial provavelmente vão subir. Dados recentes do Indec revelam que, embora a inflação tenha recuado para seu menor nível mensal em cinco anos — ficando em 1,9% em agosto de 2025 e com taxa acumulada de 33,6% nos últimos 12 meses —, a revisão da metodologia deve refletir melhor os custos atuais das famílias argentinas.

A modernização do índice é uma exigência técnica importante, sobretudo em um cenário em que Argentina firmou acordo bilionário com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para restaurar sua economia. A expectativa é de que o Indec anuncie a nova fórmula até o fim do ano, incorporando a Pesquisa de Despesas Familiares de 2017-2018 como referência para o cálculo do Índice de Preços ao Consumidor (IPC).

Detalhes da atualização do Índice de Preços ao Consumidor (IPC)

Atualmente, o IPC da Argentina monitora 609 itens de bens e serviços organizados em 12 grupos principais, como alimentos e bebidas, bebidas alcoólicas e tabaco, vestuário, saúde, transporte, educação, além de habitação, água, eletricidade e combustíveis. Com as mudanças previstas, o número de preços acompanhados saltará de 320 mil para 500 mil, enquanto os estabelecimentos consultados para a pesquisa passarão de 16,7 mil para 24 mil. Além disso, o processo terá mais digitalização para maior eficiência e abrangência.

A atualização também contempla a exclusão de produtos obsoletos, como reprodutores de MP3 e câmeras digitais, e a inclusão de bens e serviços recentes, entre eles serviços de streaming de vídeo e áudio, smartphones e aplicativos modernos. A evolução dos hábitos de consumo mostra que, desde 2004/2005, houve uma redução no peso dos bens físicos e um aumento significativo na importância dos serviços, refletindo mudanças estruturais nos custos das famílias.

Repercussão política e econômica para o governo de Javier Milei

Reduzir a inflação é uma das prioridades do presidente argentino Javier Milei, que busca fortalecer a economia com o suporte do acordo de financiamento firmado com o FMI. No começo do seu mandato, após retirada de subsídios públicos, os preços tiveram forte elevação, mas recentemente o ritmo de aumento desacelerou.

Milei pretende usar essa desaceleração da inflação como argumento para melhorar a popularidade política antes das eleições de meio de mandato previstas para outubro de 2025. Contudo, a divulgação oficial da metodologia atualizada do IPC deve ocorrer somente após esse pleito, para evitar impactos políticos diretos.

Alguns especialistas indicam que, caso a inflação de 2024 fosse calculada com uma cesta atualizada, o índice teria sido aproximadamente 15 pontos percentuais maior que o número oficial divulgado, o que influencia negociações salariais e diversas políticas econômicas. Apesar disso, Marco Lavagna, diretor do Indec, afirmou recentemente que a variação provocada pela atualização deve ficar entre 0,1% e 0,2%, diferença considerada estatisticamente pequena.

Analía Calero observa que o efeito da revisão depende da dinâmica econômica, mas diante do aumento das tarifas e da eliminação de subsídios, a nova cesta deverá refletir uma inflação oficial maior, especialmente com o papel contínuo dos alimentos no orçamento das famílias.

O IPC é essencial para uma série de indicadores econômicos e sociais, como o cálculo do PIB em termos reais, reajustes salariais e definição da linha de pobreza. Desta forma, se o índice estiver distorcido, outros dados importantes também serão afetados. Por isso, existe um consenso técnico amplo sobre a necessidade da atualização, embora haja cautela quanto ao momento político para implementá-la, já que mudanças podem ser interpretadas de formas divergentes.

Comparação com o Brasil: atualização contínua recomendada

Organizações internacionais, como FMI e Banco Mundial, recomendam que as pesquisas de orçamentos familiares sejam feitas regularmente para captar mudanças rápidas nos padrões de consumo. No Brasil, a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) ocorreu entre 2017 e 2018, e os resultados atualizados deverão ser divulgados após a conclusão da pesquisa de 2024/2025.

O economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV Ibre), explica que, apesar de o índice brasileiro também poder ser visto como defasado, ele é muito mais moderno e ajustado que o argentino. O Brasil já inclui no cálculo itens como streaming, pacotes de TV por assinatura, transporte por aplicativo e serviços bancários com maior peso, e há expectativa para inclusão de serviços compartilhados, como aluguel de bicicletas, coworking e mototáxi por aplicativo.

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