Light aguarda renovação da concessão para anunciar investimento de R$ 12 bilhões no Rio de Janeiro
Com mais de um século de atuação no Rio de Janeiro, a companhia elétrica Light atravessa uma fase decisiva em sua trajetória. Responsável pelo fornecimento de energia em 31 municípios do estado, onde atende mais de 11 milhões de habitantes, a empresa está na contagem regressiva para a renovação de sua concessão estadual, que expira em junho de 2026. Esse passo é essencial para viabilizar um aumento de capital estimado em R$ 1,5 bilhão e iniciar uma rodada de investimentos da ordem de R$ 12 bilhões nos próximos cinco anos, conforme apurado.
Em recuperação judicial desde maio de 2023, quando revelou dívidas superiores a R$ 11 bilhões, a Light conta com o apoio das administrações municipais para avançar nas negociações junto à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em busca da renovação do contrato de concessão. No final de setembro, prefeitos dos municípios atendidos assinaram um documento coletivo requerendo celeridade na análise da renovação pela agência reguladora.
O mercado deposita esperança na mudança de rumo da Light em função do perfil dos investidores que atualmente compõem o quadro societário da empresa: o fundo Samambaia, ligado ao empresário Ronaldo Cezar Coelho, é o maior acionista, com 20% do capital; seguido pela WNT, do empresário Nelson Tanure, com 18,9%; e pelos bancos BTG Pactual (14,8%) e Santander (10,2%).
Ronaldo Cezar Coelho, principal investidor da Light, teve papel de destaque no processo que levou à pulverização do controle acionário. Ao adquirir suas ações em 2020, os papéis da empresa eram cotados acima dos R$ 20, enquanto atualmente estão por volta dos R$ 5. “Fui o responsável pela privatização da Light. Comprei essas ações a R$ 20 da Cemig e a R$ 23 do BNDES. Depois ocorreram os fatos que todos sabem. Estou presente e pensando no horizonte dos próximos cinco anos”, declarou em entrevista.
Entusiasta histórico da companhia, Cezar Coelho projeta uma saída da recuperação judicial e aposta em novas oportunidades de negócio. Ele destaca que o relacionamento político e com a Aneel está melhor do que nunca e acredita na aprovação da renovação antes do início de 2026. Um dos pontos que devem ser abordados na renovação é o combate às perdas não técnicas, popularmente conhecidas como “gatos”. Um relatório de 2024 apontou que aproximadamente 35% dos consumidores da Light realizam ligações clandestinas no estado.
“Na prestação de contas de 2026, vai emergir uma nova Light, com passivos menores e um contrato renovado por 30 anos, com cláusulas aprimoradas, especialmente relacionadas ao ICMS que incide sobre a energia desviada”, comentou o investidor.
Segundo fontes próximas à companhia, a Light pretende aplicar cerca de R$ 12 bilhões no Rio de Janeiro nos próximos cinco anos. Parte desse montante será captada através de debêntures incentivadas, voltadas a modernizar as linhas de distribuição e reduzir as perdas decorrentes de desvios na rede. “A rede da Light é bastante antiga e áreas atendidas demandarão intensa renovação nos equipamentos”, contou uma fonte ligada à empresa.
Com a perspectiva do fim do regime de recuperação, a distribuidora planeja captar recursos de financiamento a custos mais baixos e com prazos estendidos.
Investidores e perspectivas de mercado
Ativo nas negociações, Cezar Coelho elogia os parceiros dessa nova fase, destacando a atuação de Nelson Tanure e a entrada do BTG Pactual. Este último firmou posição relevante após adquirir ativos do banqueiro Daniel Vorcaro, do fundo Master. “O BTG tem ambições claras no setor energético, mostrando isso com movimentos recentes envolvendo Cosan e Eneva, formando uma grande holding do setor”, afirmou o investidor.
Ele ainda prevê que, com a Light saneada e com investidores fortes como o BTG, a companhia poderá despertar interesse de grupos como Equatorial, Energisa ou Iberdrola para eventuais aquisições. “A Equatorial conhece bem a Light, tendo sido acionista e membro do conselho.”
A trajetória da Light e desafios financeiros
Devido ao elevado endividamento, a Light adotou uma estratégia inovadora para ingressar com o pedido de recuperação judicial em 2023, já que as concessionárias de energia são proibidas por lei de interromper pagamentos e negociar dívidas dessa forma.
A manobra foi realizada pela holding Light S.A., e não pela concessionária diretamente, sob liderança do então CEO Octavio Lopes, que assumiu para conduzir a reorganização da empresa. Este passo gerou intenso confronto com credores, culminando em um acordo assinado em abril de 2024. Para Cezar Coelho, a ação foi “corajosa” e essencial para a sobrevivência da empresa. “Quando Lopes percebeu a mudança na legislação do ICMS, entendeu que o caixa teria grande pressão, o que poderia significar a falência da empresa”, explicou.
A lei mencionada, nº 14.385, sancionada em junho de 2022, determinou que distribuidoras devolvessem créditos tributários obtidos judicialmente após decisão do STF sobre a base de cálculo do PIS, o que impactou negativamente o fluxo de caixa da Light.
Na época do pedido de recuperação judicial, a medida recebeu críticas de autoridades locais, como o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, que cobrou investimentos em modernização e combate aos “gatos”, sugerindo que a Light se espelhasse em concessionárias de saneamento que apresentaram avanços nessa área. “A Light precisa se modernizar para aumentar receitas através da recuperação de perdas, agregando valor à operação”, destacou o governador em 2023.
Antes da recuperação judicial, a empresa havia perdido participação de estatais relevantes: em 2020, o BNDESPar saiu da operação, e em 2021, a Cemig vendeu suas ações na Light, da qual foi acionista majoritária, via oferta subsequente de ações.
Novos horizontes e diversificação de negócios
Como maior acionista da Light, Ronaldo Cezar Coelho traça planos para o futuro da companhia além do segmento energético tradicional. A Light possui uma das maiores reservas privadas de Mata Atlântica no Brasil, localizada nos municípios de Rio Claro e Piraí, que ele vislumbra como uma oportunidade para emissão e venda de créditos de carbono.
Outra ideia em estudo é o aproveitamento da grande base de dados dos consumidores da empresa para prestar serviços financeiros, como oferta de crédito aos clientes, explorando o potencial estratégico da informação.
“São propostas iniciais, que venho desenvolvendo há anos e que acredito serem viáveis. Entretanto, sou pragmático. Hoje, estamos tirando um caminhão quebrado da beira da estrada, consertando motor e trocando pneus com a renovação da concessão. Quando voltarmos a rodar plenamente, a Light atuará numa nova fase da economia brasileira, apostando em tecnologia, inteligência artificial e novos meios de pagamento. Esse é o futuro da empresa”, concluiu.



