iFood e Boticário compartilham estratégia comum, aponta professor da Insead
Felipe Monteiro, especialista em gestão e professor da escola de negócios francesa Insead, destaca como Brasil tem sido palco de aprendizado mútuo entre empresários nacionais e internacionais, levando gestores estrangeiros para conhecer o mercado brasileiro e levando também brasileiros para expandir seus conhecimentos no exterior.
No fim de setembro, Monteiro conduziu um grupo de empresários estrangeiros para visitar grandes companhias em São Paulo, como iFood, VTEX e Itaú. Ele ressalta que o país se destaca por ter consumidores altamente receptivos a novidades e empresários que se dispõem a testar ideias com rapidez, gerando um ambiente favorável para inovação.
O professor explica que, diferentemente de outros mercados, o consumidor brasileiro não costuma preocupar-se excessivamente com questões de privacidade, o que facilita a adoção de tecnologias como o reconhecimento facial em variados ambientes. “Aqui o consumidor experimenta, gosta e utiliza pela conveniência”, comento Monteiro em entrevista.
Permanência no mercado brasileiro
Num cenário global desafiador, Monteiro chama atenção para duas grandes empresas brasileiras, iFood e O Boticário, que escolheram concentrar seu crescimento dentro do Brasil em vez de expandir internacionalmente.
Segundo ele, ambas dominam o mercado nacional e optaram por explorar mais profundamente as possibilidades locais. “Se você conversar com os líderes dessas companhias, eles revelam que preferem criar novas soluções no Brasil ao invés de investir em mercados externos”, explica.
O Boticário, por exemplo, além de lojas físicas, investiu em revendedoras e comércio eletrônico, transformando-se de uma marca única (“mono brand”) em uma plataforma de múltiplas marcas (“multi brand”), enquanto a Natura, que buscou expansão internacional, tem enfrentado dificuldades para gerir suas operações globais.
Inovação e gestão ágil
Monteiro também observa que a inovação no Brasil não está limitada apenas à tecnologia, mas também nos modelos de gestão. O iFood exemplifica esse movimento ao adotar uma abordagem científica, realizando numerosos testes para otimizar decisões comerciais, como a disposição dos pratos no aplicativo para influenciar as compras.
Apesar de ser uma companhia de grande porte comparada a um transatlântico, o iFood busca flexibilidade por meio de iniciativas rápidas, que o professor denomina como “jet skis”, que testam e implementam mudanças ágeis em pequenos projetos.
Concorrência e necessidade de inovação contínua
Diante da crescente concorrência de novos serviços como o 99Food, Monteiro acredita que o iFood precisará continuar inovando intensamente, evitando competir apenas por preço. A empresa expande sua atuação oferecendo uma gama diversificada de produtos e serviços conexos, reforçando sua posição no mercado.
Impactos das tensões comerciais globais
O especialista comenta que as empresas com presença internacional estão se adaptando a um contexto onde o comércio global enfrenta maiores restrições e a movimentação de mercadorias tornou-se mais complexa. Muitas companhias estão investindo em opções redundantes e reavaliando suas cadeias globais de suprimentos.
Para aquelas que ainda não possuem estrutura global, decisões estratégicas são orientadas pelas tarifas comerciais, como o exemplo da Weg, que optou por produção local na China para atender o mercado regional e exportar para outros países.
Desafios e perspectivas da Europa
Monteiro aponta que a Europa enfrenta hoje uma difícil busca por equilíbrio entre os polos econômicos dos Estados Unidos e da China, com o risco de atrasos em áreas como a inteligência artificial devido à forte regulamentação.
No entanto, destaca que o continente representa um núcleo de democracias estáveis, ao contrário do quadro político mais instável dos EUA ou das condições autoritárias da China, oferecendo uma base diferente para desenvolvimento econômico e social.
Educação internacional e multilateralismo
Sobre o impacto das restrições americanas a estudantes estrangeiros, Monteiro comenta que ainda não se observa mudança perceptível, mas acredita que, caso as barreiras aumentem, escolas de negócios como a Insead podem atrair estudantes que buscam alternativas de formação global.
A Insead valoriza a diversidade cultural e evita a predominância de estudantes de um único país, buscando fomentar um ambiente multilaterais com múltiplas perspectivas, em contraste com o modelo mais anglo-saxão das principais universidades americanas.
Quanto às pressões políticas nos EUA, ele ressalta que, apesar das interferências governamentais, as universidades mantêm centros de pesquisa de alto nível e resistem ao extremismo, embora reconheça um clima global de maior polarização.



