Como A Crise Da Ambipar E Da Braskem Afeta Títulos Privados

Como A Crise Da Ambipar E Da Braskem Afeta Títulos Privados

Impacto da crise da Ambipar e da Braskem no mercado de títulos privados

As debêntures de companhias com elevados níveis de endividamento, que já vinham sofrendo com o aumento dos juros, estão agora passando por uma desvalorização ainda maior. Os episódios recentes envolvendo a Ambipar e a Braskem acenderam um alerta no mercado de debêntures, instrumento que é fundamental para muitos fundos de renda fixa.

O temor está principalmente voltado para empresas com dívidas mais vultosas, que mostram maior vulnerabilidade diante da Selic em patamares máximos em quase duas décadas, o que encarece a renovação das dívidas. Entre as companhias citadas por especialistas do mercado de crédito consultados, estão Simpar, CSN e Raízen.

Na prática, o que se observa é um “desconto” nos preços desses títulos, o que implica em spreads mais elevados sobre o CDI. Quanto maior esse spread, maior é a preocupação dos investidores refletida no preço dos papéis.

Para o investidor, isso significa que as debêntures passam a ofertar rendimentos maiores, já que elas são adquiridas por valores menores para serem resgatadas pelo valor total no vencimento. Porém, essa oportunidade de retorno mais alto vem acompanhada de risco maior, pois o mercado entende que essas empresas têm mais chances de enfrentar dificuldades para honrar seus compromissos.

Existe também um efeito de retroalimentação: caso a desconfiança dos investidores aumente significativamente, o custo para captar recursos pode se tornar insustentável para as empresas, podendo levá-las à necessidade de buscar proteção judicial ou recuperação judicial, situação que resulta em prejuízos para os detentores desses títulos.

Além dos investidores diretos, os fundos que possuem debêntures em suas carteiras também acabam sofrendo impactos na rentabilidade, ainda que em menor proporção, já que esses fundos costumam diversificar seus investimentos.

Um exemplo é a Raízen, joint venture do setor sucroenergético controlada pela Shell e Cosan, cujas debêntures estão sendo negociadas com deságios que chegam a 22% no mercado secundário, valor calculado em comparação ao seu preço esperado caso fosse mantida a taxa original até o vencimento.

Os problemas enfrentados pela Ambipar, que solicitou proteção judicial, e da Braskem, que contratou consultoria para reestruturação da dívida, desencadearam uma maior cautela no mercado em relação a outras empresas consideradas financeiramente fragilizadas. Consequentemente, tanto os bonds em dólar quanto as debêntures dessas companhias passaram a ser comercializados com descontos ainda maiores.

Especificamente a Raízen já vinha apresentando preocupação com sua elevada alavancagem, tendo registrado dívida líquida de R$ 49 bilhões ao final do segundo trimestre de 2025, aumento de 56% em relação ao ano anterior, e consumo de caixa de R$ 7 bilhões no trimestre. Para conter a dívida, a empresa tem vendido ativos, como usinas de etanol.

Outro grupo com títulos bastante desvalorizados é a Simpar, que possui marcas como JSL, Vamos e Movida, cujas debêntures caíram até 20% no mercado. A empresa acumula altos níveis de endividamento após diversas aquisições e ainda precisa liquidar cerca de R$ 4,8 bilhões em dívidas neste ano. A pressão dos investidores para maiores prêmios faz com que a companhia pague taxas mais altas para captar recursos.

A siderúrgica CSN também está enfrentando dificuldades, com suas debêntures negociadas por até 20% a menos que o preço original. O setor é penalizado pela concorrência de aço chinês, altos níveis de endividamento e custos de financiamento elevados.

Dentro do grupo de nomes com descontos expressivos estão ainda várias grandes empresas. A Light, após aprovação do plano de recuperação judicial em maio de 2024, tem títulos com deságios entre 65% e 70%. A Oncoclínicas, que executa seu plano de reorganização devido a R$ 3,9 bilhões em dívidas líquidas, negocia papéis com descontos médios de 40%.

A fabricante de equipamentos eólicos Aegis, com R$ 1,4 bilhão em dívidas, tenta renegociar com credores diante de um contexto difícil, e suas debêntures são negociadas entre 60% e 80% abaixo do valor original.

Entre as empresas do grupo Cosan, a Rumo também enfrenta desconfiança dos investidores, com títulos vendidos a cerca de 20% de deságio, e a própria Cosan tem debêntures negociadas com desconto de 15%, reflexo de uma reestruturação interna enfrentada pelo conglomerado.

Outros nomes com debêntures apresentando desvalorização de dois dígitos incluem Eneva, Kora Saúde, Localiza, Neoenergia, BRK Ambiental, Grupo Pão de Açúcar, EDP, Engie, Eletropaulo e Equatorial.

Vale destacar que as debêntures da Ambipar e da Braskem, apesar de ainda não terem pedido formalmente recuperação judicial, estão sendo negociadas por investidores que desejam sair dessas posições antes do vencimento, sofrendo descontos elevados, na faixa de 90% e 66%, respectivamente.

Debenturistas enfrentam prejuízos em casos de recuperação judicial

Os receios dos investidores quanto a potenciais eventos de crédito são fundamentados, uma vez que a decretação da recuperação judicial geralmente implica perdas para detentores de títulos de dívida sem garantias, como as debêntures.

Durante a recuperação judicial, os pagamentos das obrigações, incluindo debêntures e bonds, são suspensos e passam por renegociação, em geral envolvendo cortes significativos nos valores a serem pagos aos credores, conhecidos como “haircut”, que podem chegar a até 90%.

Em relatório, a gestora Sparta reconheceu que a performance dos fundos voltados a crédito privado foi afetada negativamente pelas revisões de preços dos títulos da Braskem e da Ambipar.

Exemplos recentes de recuperações judiciais com impacto para investidores

Americanas: teve o processo de recuperação judicial deferido em 19 de janeiro de 2023, com descontos variando entre 50% e 93% para os credores, inclusive para detentores de debêntures.

Light: aprovou seu plano de recuperação judicial em 15 de maio de 2023, possuindo cerca de R$ 7 bilhões em dívida de debêntures, equivalentes a 64% do montante total. As negociações permanecem, com propostas de descontos de 60% via leilão reverso ou 20% para credores que optarem por troca por novos títulos.

Unigel: após tentativas de recuperação extrajudicial em 2024, o pedido de recuperação judicial foi aceito pela Justiça em outubro de 2025. As debêntures representam cerca de 11% da dívida, aproximadamente R$ 400 milhões, e a proposta inicial de deságio é de 80%.

Cervejaria Petrópolis: entrou com pedido de recuperação judicial em 27 de março de 2023, com dívida de cerca de R$ 2 bilhões em debêntures. A proposta apresentada prevê deságio de 70%.

Oi: aprovou um segundo plano de recuperação judicial em abril de 2024 e segue com discussões sobre aditamentos em 2025. Em maio deste ano, a dívida com debêntures representava 12% do total, cerca de R$ 700 milhões.

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