Viagem de Lula à Ásia para enfrentar o impacto de Trump pode resultar em aproximação entre os dois líderes

A expectativa do governo brasileiro é de que um encontro entre Lula e Trump ocorra no domingo (26), durante a cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), em Kuala Lumpur, Malásia.

Desde que Donald Trump voltou à presidência dos Estados Unidos no começo de 2025, o Brasil vem buscando diversificar suas rotas comerciais, procurando alternativas diante da possível piora nas relações com Washington.

A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Sudeste Asiático, incluindo passagens pela Indonésia e Malásia, faz parte dessa estratégia, conforme fontes do governo brasileiro. Contudo, a realização do encontro presencial entre Lula e Trump na margem da cúpula da Asean tem transformado as expectativas sobre a missão.

Os líderes tiveram um breve contato na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, em setembro, e desde então Brasília e Washington mantêm interações frequentes.

Porém, a reunião na Malásia representaria o primeiro contato formal entre os dois chefes de Estado desde agosto, quando os EUA impuseram uma tarifa de 50% sobre a maioria dos produtos brasileiros exportados, o que causou o agravamento das relações bilaterais.

Além da cobrança tarifária, o Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR) iniciou em julho uma investigação contra o Brasil por supostas práticas comerciais desleais. O governo americano também aplicou restrições de vistos para autoridades brasileiras e sanções financeiras ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e sua esposa, motivadas pelo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Embora o encontro não tivesse sido confirmado oficialmente até a manhã de sexta-feira (24/10), o governo do Brasil aposta que a reunião ocorrerá no domingo (26/10), no contexto da cúpula da Asean.

Apesar da possível tentativa de aproximação, tanto Trump quanto Lula têm mantido firmes suas posições. Na quarta-feira (22/10), Trump ressaltou que os pecuaristas dos EUA “estão prosperando” devido às tarifas impostas sobre importações, incluindo o gado brasileiro, que elevou em 50% esses tributos.

Em suas redes sociais, o presidente americano afirmou que sem essas tarifas os produtores americanos enfrentariam dificuldades semelhantes às de duas décadas atrás, período que qualificou como “ruim”.

Por sua vez, Lula defendeu, na quinta-feira, durante visita à Indonésia, o uso de alternativas ao dólar nas transações internacionais. Ele destacou o potencial do Pix brasileiro e do sistema de pagamentos indonésio para facilitar o comércio bilateral e com demais integrantes do Brics, argumentando que o século 21 exige “coragem” diferente da do século passado para reduzir dependências econômicas.

A reivindicação do Brasil e outras nações no Brics por sistemas comerciais menos vinculados ao dólar foi uma das justificativas que Trump alegou para impor as tarifas aos produtos brasileiros.

Segundo a professora de Relações Internacionais da UERJ, Fernanda Nanci Gonçalves, o cenário atual indica um melhora no ambiente político entre os países. Ela observa que a recente ligação telefônica entre Lula e Trump, além do primeiro encontro entre os chanceleres realizados em Washington na semana passada, sinalizam que existe espaço para um diálogo pragmático, mesmo diante de divergências ideológicas.

Fernanda enfatiza que, apesar do otimismo, a eliminação das tarifas e a retomada da cooperação dependem da implementação de medidas concretas em áreas como comércio, energia e segurança de cadeias produtivas. Contudo, o clima político melhorou consideravelmente.

O ex-secretário de Comércio Exterior e consultor Welber Barral partilha essa avaliação. Ele destaca que necessariamente a reunião não resolverá imediatamente todos os problemas, pois há temas complexos, como tarifas específicas, regulamentações e queixas técnicas americanas a serem discutidos. No entanto, as negociações poderão colocar essas questões sobre a mesa.

Da diversificação à reaproximação comercial

Uma fonte próxima à Presidência do Brasil descreveu a viagem de Lula ao Sudeste Asiático como parte de uma estratégia ampla para contrabalançar os efeitos da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. O governo brasileiro já antecipava a possibilidade de deterioração nas relações com a volta do republicano à Casa Branca e, desde novembro do ano anterior, buscava ampliar alternativas comerciais para diminuir a dependência do mercado americano.

A Asean, organização que promove cooperação econômica entre dez países do Sudeste Asiático, tornou-se pilar da estratégia. A região tem uma população superior a 680 milhões de pessoas e um Produto Interno Bruto conjunto na faixa dos US$ 4 trilhões. Se contabilizada como uma única nação, a Asean seria o quinto maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, União Europeia, Estados Unidos e Argentina.

Assim, a iminência de um encontro entre Lula e Trump representa uma oportunidade extra para avanços na área comercial durante a passagem do presidente brasileiro pelo Sudeste Asiático.

O ex-embaixador Rubens Barbosa avalia que os recentes acontecimentos mostram motivo para otimismo quanto às relações entre Brasil e EUA. Segundo ele, as negociações abririam espaço para acordos benéficos, especialmente para o setor privado norte-americano, e atribui a mudança na postura de Washington à pressão exercida por empresas americanas e brasileiras prejudicadas pelas restrições comerciais.

Na semana anterior, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, reuniu-se com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em Washington. O encontro, que durou cerca de uma hora, foi classificado pelo chanceler brasileiro como “muito produtivo” e realizado em um clima descontraído e de diálogos claros e objetivos.

Vieira destacou a disposição para trabalhar conjuntamente na elaboração de uma agenda bilateral voltada para tratar de temas de comércio específicos.

Do lado norte-americano, Rubio e o representante comercial Jamieson Greer emitiram comunicado conjunto confirmando as conversas positivas e o compromisso em avançar em múltiplas frentes, estabelecendo um plano de ação imediato.

Embora as reuniões não tenham gerado conclusões ou decisões concretas, Barral não descarta a possibilidade de um anúncio relevante após o encontro oficial na Malásia, ressaltando que Trump costuma divulgar notícias positivas após esses encontros, refletindo seu interesse eleitoral.

O que o Brasil pode propor aos EUA?

Fernanda Gonçalves sugere que o Brasil busque construir uma relação estratégica com os Estados Unidos, que vá além do comércio, para criar um ambiente político favorável à redução gradual das tarifas e reaproximação econômica estável.

Ela aponta que entre as possíveis contrapartidas para Washington estão a implementação de cotas tarifárias e mecanismos de transparência comercial que diminuam os argumentos de “segurança nacional” usados pelos EUA para impor barreiras sobre aço e alumínio.

Outras áreas de cooperação poderiam incluir minerais estratégicos, energias limpas, reforço das cadeias regionais de valor, biocombustíveis e parcerias em ciência e tecnologia.

Por outro lado, Rubens Barbosa defende que o Brasil deve adotar uma postura mais reativa, focada na defesa dos interesses das empresas nacionais e aguardando as demandas americanas para reagir de forma apropriada, evitando ofertas antecipadas.

Especialistas ressaltam, contudo, que para assegurar o andamento das negociações, é prudente evitar incluir temas mais sensíveis, como a postura dos EUA em relação à Venezuela, onde há tensões recentes, inclusive com ações militares americanas contra transporte de drogas próximas à costa venezuelana.

Fernanda Gonçalves alerta que o Brasil deve manter equilíbrio e evitar que divergências sobre a Venezuela contaminem a pauta comercial, podendo, eventualmente, atuar como mediador neutro se houver relevância.

Itinerário no Sudeste Asiático

O presidente Lula chegou a Jacarta, na Indonésia, na quarta-feira (22) e foi recebido com honras militares pelo presidente Prabowo Subianto no Palácio Merdeka. Durante encontro privado na manhã de quinta-feira (23), os dois líderes assinaram acordos de cooperação nos setores de energia, mineração, agricultura, ciência, tecnologia, estatística e comércio.

O embaixador Everton Frask Lucero, diretor do Departamento de Índia, Sul e Sudeste da Ásia do Itamaraty, ressaltou a importância da Indonésia como mercado para as exportações brasileiras do agronegócio e destacou o fortalecimento dos contatos de alto nível entre os dois países nos últimos anos.

Na ocasião, Lula e Subianto demonstraram alinhamento em temas internacionais como a situação em Gaza, a reforma do Conselho de Segurança da ONU e a defesa dos interesses dos países do sul global.

Prabowo Subianto afirmou ainda que as trocas comerciais podem atingir até US$ 20 bilhões nos próximos anos, e anunciou que o idioma português será incluído entre as prioridades do sistema educacional da Indonésia, visando intensificar essa relação.

Após Jacarta, Lula seguirá para Kuala Lumpur, na Malásia, onde participará de reuniões bilaterais e eventos empresariais até a cúpula da Asean.

Com o governo malaio, o Brasil pretende ampliar o comércio de microprocessadores, e existe a expectativa da assinatura de um acordo nessa área entre Lula e o primeiro-ministro Anwar Ibrahim.

Lucero também mencionou o estreitamento político com a Malásia, resultado da convergência de posições globais entre Lula e Ibrahim, especialmente sobre a Palestina e o conflito na Ucrânia, além de terem mantido diálogos anteriores com visões semelhantes.

Além de Indonésia e Malásia, a Asean é composta por Brunei, Camboja, Laos, Mianmar, Filipinas, Singapura, Tailândia, Vietnã e Timor Leste — este último participando pela primeira vez da cúpula como membro oficial.

Fernanda Gonçalves destaca que consolidar relações com a Asean não apenas serve como uma alternativa ao comércio com os EUA, mas também contribui para diversificar riscos e reforçar a autonomia comercial do Brasil.

Ela ressalta que o mercado do Sudeste Asiático está em expansão para produtos agroindustriais, energia limpa, biocombustíveis e tecnologia, setores em que o Brasil possui vantagens competitivas já consolidadas. Além disso, a balança comercial com a região é fortemente superavitária, devido à demanda regional por commodities agrícolas e energéticas, bem como à presença crescente de empresas brasileiras em diversos segmentos.

Uma fonte governamental identifica a cúpula da Asean em Kuala Lumpur como uma “pré-COP de alto nível”, um espaço para que as autoridades brasileiras discutam temas prioritários que serão abordados na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30), marcada para novembro em Belém.

Fonte

Rolar para cima