Como as Stablecoins Estão Transformando o Mercado de Criptomoedas
As stablecoins têm ganhado destaque significativo no cenário das criptomoedas, especialmente em países emergentes como o Brasil, onde cerca de 90% das moedas digitais em circulação são desse tipo, segundo dados da Chainalysis, posicionando o Brasil entre os principais mercados de criptoativos do mundo.
Essas moedas digitais proporcionam uma combinação de segurança e rapidez, sendo amplamente utilizadas para proteger valor em moedas fortes, realizar pagamentos internacionais, enviar remessas e permitir o acesso a serviços financeiros em regiões onde o sistema bancário é limitado.
Um relatório do banco Standard Chartered indica que essa tendência é duradoura, projetando que as stablecoins e tecnologias similares podem transferir até US$ 1 trilhão (equivalente a cerca de R$ 5,40 trilhões) fora dos bancos tradicionais e economias emergentes nos próximos anos. Assim, o dinheiro digital se fortalece como uma ponte entre o sistema financeiro tradicional e o universo das criptomoedas.
Crescimento em Escala Global
O crescimento das stablecoins está relacionado a demandas específicas, sobretudo em regiões marcadas por instabilidade cambial ou alta inflação, como a Argentina e países da África, onde elas ajudam a manter o poder de compra.
Sofia Düesberg, General Manager da Conduit Brasil, ressalta que nestes locais a rápida desvalorização da moeda nacional compromete o valor dos salários e investimentos, tornando as stablecoins uma ferramenta para conservar o poder aquisitivo com maior estabilidade.
Outro fator impulsionador das stablecoins é a facilitação de transferências internacionais, conhecidas pelo termo “cross-border settlement”. No Brasil, apesar do Pix ter revolucionado os pagamentos internos, operações internacionais ainda enfrentam custos elevados e burocracia.
As stablecoins simplificam essas remessas, funcionando como um intermediário entre diferentes sistemas de pagamento e podendo substituir métodos tradicionais como o SWIFT, que atualmente domina a maior parte das transferências entre bancos.
Um exemplo concreto ocorreu em 2024, quando o boxeador ucraniano Oleksandr Usyk premiou seu compatriota, o campeão olímpico Oleksandr Khizhnyak, com US$ 100 mil em stablecoins, algo inviável pelo sistema bancário tradicional devido às restrições impostas pela guerra que limitavam o envio de moedas estrangeiras.
O Que São as Stablecoins?
Stablecoins, traduzidas literalmente como “moeda estável”, diferem das criptomoedas voláteis como o bitcoin, pois são lastreadas em ativos de valor fixo, como moedas fiduciárias – dólares, reais – ou até mesmo ouro.
Elas operam através de redes blockchain, proporcionando um registro descentralizado de transações, dispensando a necessidade da intermediação por bancos ou autoridades governamentais.
Duas das stablecoins mais utilizadas no mercado são a USDT (Tether) e a USDC (USD Coin), ambas atreladas ao dólar. Para garantir que o valor do token permaneça estável e em paridade com o ativo de referência, mecanismos de lastro são implementados.
Normalmente, as stablecoins mais confiáveis mantêm suas reservas em ativos seguros e altamente líquidos, que podem ser convertidos rapidamente em dinheiro para assegurar saques e emissões proporcionais.
Paulo Camargo, CIO da Underblock, destaca que emissoras como a Tether e a Circle mantêm garantias em títulos do Tesouro americano de curto prazo e dinheiro em espécie, garantindo a cobertura a cada stablecoin emitida.
Assim, para cada unidade de stablecoin colocada em circulação existe uma reserva correspondente em dólares mantida pelas empresas emissoras.
Utilidade das Stablecoins
O perfil do investidor na América Latina, que prioriza o uso prático dessas moedas digitais, contribui para a rápida adesão das stablecoins. De acordo com Sofia Düesberg, o uso na região é predominantemente focado em acessar o dólar e fazer transferências internacionais, em oposição a outros mercados onde a especulação é mais frequente.
Paulo Camargo complementa que as stablecoins podem ser usadas como reserva de caixa em estratégias de investimento, permitindo operações financeiras mais complexas, inclusive dentro do ambiente on-chain, como alavancagem e vendas a descoberto.
Esse crescimento evidencia um perfil do investidor latino que busca utilidade e proteção, ao contrário do modelo americano voltado principalmente para especulação. Embora o público especulativo exista também na América Latina, a praticidade de uso é o principal motivador para a adoção das stablecoins.
Principais Motivações para o Uso Utilitário
- Exposição cambial ao dólar: muitos usuários adquirem stablecoins lastreadas na moeda americana para proteger seu poder de compra frente à volatilidade das moedas locais;
- Facilidade para remessas internacionais: as stablecoins apresentam uma alternativa eficiente e econômica para enviar ou receber fundos do exterior, superando as barreiras e altos custos dos sistemas bancários tradicionais.
Perspectivas e Regulamentação
Com a expansão acelerada das stablecoins, a criação de normas específicas tornou-se um tema prioritário. O desafio está em acompanhar a evolução tecnológica sem prejudicar a eficiência que tornou essas moedas digitais tão populares.
Sofia Düesberg ressalta que os órgãos reguladores ainda estão aprendendo a entender seu funcionamento e que é essencial desenvolver regras que não bloqueiem o avanço dessas tecnologias.
Paulo Camargo enfatiza que a regulamentação ideal deve incentivar a adoção, seguir requisitos de AML (Anti-Money Laundering) e ser flexível para se ajustar à dinâmica do mercado.
Ele também alerta que nem todas as stablecoins possuem o mesmo modelo de operação, o que pode representar diferentes níveis de risco com base na liquidez e na política do emissor.
Espera-se, no futuro, um ecossistema com múltiplas stablecoins coexistindo, cada uma adaptada a segmentos financeiros ou moedas locais específicas. Além das stablecoins atreladas ao dólar, há uma tendência crescente para versões nacionais, como a DREX, emitida pelo Banco Central do Brasil.
Principais Movimentos no Mercado
- O PayPal lançou a sua própria stablecoin, denominada PYUSD;
- O JPMorgan está desenvolvendo redes de liquidação baseadas em blockchain e explorando recompensas relacionadas a criptoativos;
- Na Europa, um consórcio formado por nove grandes bancos anunciou a criação de uma stablecoin em euro, que será regulada pelo MiCA, com foco em liquidações rápidas e com custo reduzido.
Segundo Paulo Camargo, a expansão das stablecoins não representa uma ameaça ao sistema financeiro tradicional, mas sim uma evolução natural desse setor.
No entanto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou recentemente para os riscos que as stablecoins podem trazer à estabilidade financeira, destacando possíveis impactos na substituição do crédito tradicional, interferência na política monetária e a possibilidade de desencadear corridas por ativos considerados seguros, como os títulos do Tesouro.



