Dia da Consciência Negra: A economia autossuficiente que sustentou o Quilombo dos Palmares por um século
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, não é apenas uma data comemorativa, mas um momento de preservação da memória de Zumbi dos Palmares, figura emblemática da resistência contra a escravidão no Brasil, cuja morte marcou a criação desse feriado. Zumbi liderou o Quilombo dos Palmares por 17 anos, numa organização que conseguiu resistir por quase um século, tornando Palmares o maior quilombo da América Latina.
Uma das explicações para a longevidade desse movimento de resistência no período colonial brasileiro está na autossuficiência e na estrutura econômica desenvolvida pela comunidade quilombola. Enquanto grande parte da colônia lutava contra a fome, o Quilombo dos Palmares vivia em prosperidade, sustentado por um sistema econômico eficiente e autônomo.
Palmares chegou a reunir até 30 mil habitantes: como era sua estrutura organizacional?
O Quilombo dos Palmares teve origem a partir da fuga de negros escravizados das plantações de açúcar na capitania de Pernambuco, entre o final do século XVI. Na época, o controle português estava enfraquecido devido à invasão holandesa, o que favoreceu a fuga dos escravizados para áreas de mata fechada.
Esses grupos fugitivos se estabeleceram na região da Serra da Barriga, atual município de União dos Palmares, em Alagoas, onde foram se fortalecendo ao longo dos anos. Com o tempo, o quilombo desenvolveu-se como uma comunidade autônoma, independente da lógica colonial.
Registros históricos apontam que, durante quase um século de existência, o quilombo abrigou entre 20 e 30 mil pessoas. Não eram apenas negros e negras refugiados, mas também indígenas e brancos marginalizados, muitos vistos como fora da lei. Essa diversidade explica a complexidade e relevância do Quilombo dos Palmares, que ainda hoje desperta interesse por sua grandiosidade e estruturação.
Geografia e economia: fatores-chaves para o sucesso do Quilombo dos Palmares
A localização estratégica do quilombo, em uma região de relevo acidentado, com encostas íngremes, vales estreitos e mata densa, dificultava os ataques militares das forças coloniais. Essa característica geográfica protegia a comunidade e foi crucial para sua sustentabilidade.
A região disponibilizava abundantes recursos naturais, o que permitiu o desenvolvimento de uma agricultura diversificada. Cultivavam principalmente mandioca, feijão, batata e milho, além de extrair frutas e palmito da floresta. Além da agricultura, a caça, pesca e criação de animais domésticos, como porcos e galinhas, contribuíam para garantir a diversidade e oferta de alimentos.
Importante destacar que o Quilombo dos Palmares não produzira apenas para sua subsistência: havia excedentes agrícolas que eram comercializados com comunidades vizinhas, permitindo a troca por utensílios como ferramentas, tecidos, armas e outros itens que não eram produzidos localmente. Esse comércio fortaleceu a economia e garantiu a sobrevivência e crescimento da comunidade.
Dessa forma, a combinação do ambiente favorável, a diversidade produtiva e as relações comerciais externas possibilitaram que Palmares se tornasse uma potência regional e mantivesse sua autonomia por quase cem anos.
Contraste com a situação da colônia portuguesa
Enquanto o Quilombo dos Palmares desfrutava de fartura, grande parte da colônia portuguesa enfrentava insegurança alimentar e até fome. Isso porque a produção agrícola na colônia estava destinada principalmente à exportação de cana-de-açúcar, deixando a agricultura voltada para a alimentação da população local limitada e muitas vezes insuficiente.
A dependência econômica da relação colonial com Portugal agravava a situação, já que o Brasil importava muitos produtos de Lisboa. Sem esse comércio, a economia colonial corria riscos de colapso.
A autossuficiência econômica do quilombo funcionou como uma barreira contra as mais de trinta tentativas de invasão do exército colonial ao longo de quase um século. A comunidade se organizava em vários mocambos — pequenas aldeias do quilombo — cada um especializado em uma atividade econômica. Essa diversidade garantiu que, mesmo com ataques a um dos mocambos, a economia geral do quilombo permanecesse intacta.
Declínio e legado
O enfraquecimento do Quilombo dos Palmares começou em 1694, quando um ataque devastador destruiu o principal centro político da comunidade, o Mocambo do Macaco. Um ano depois, Zumbi foi capturado e assassinado, encerrando o período de resistência militar ativa. No entanto, o impacto de sua luta permanece vivo, e sua memória é lembrada até hoje no feriado da Consciência Negra.
As informações aqui apresentadas são baseadas no livro “Sociologia do negro brasileiro”, de Clóvis Moura.



