Eleições no Chile consolidam avanço conservador na América do Sul — o Brasil segue o mesmo caminho?
Após a vitória de Javier Milei na Argentina em 2023 — reforçada nas eleições de meio de mandato recentes — e o crescimento do conservadorismo na Bolívia em 2025, o Chile se prepara para um segundo turno eleitoral com amplo favoritismo da direita, confirmando uma tendência de realinhamento político em grande parte da América do Sul.
No último domingo, cerca de 13 milhões de eleitores chilenos participaram de uma votação marcada por intensa polarização e um clima social tenso, resultado direto do aumento da criminalidade e da crescente preocupação com a imigração.
Esse pleito é especialmente significativo para o Chile, um país historicamente estável, maior produtor mundial de cobre e uma das economias mais fortes da América Latina, mas que enfrentou, nos últimos anos, um ciclo incomum de instabilidade institucional e declínio da confiança pública.
Durante o governo de Gabriel Boric, jovem presidente de esquerda eleito em 2021 na esteira dos protestos contra a desigualdade, o Chile assistiu à rejeição de duas propostas para reformar a Constituição. A primeira, considerada muito progressista, foi recusada por exageros; a segunda, vista como conservadora demais por manter aspectos do texto herdado do regime de Augusto Pinochet, também foi rejeitada.
Essas falhas, combinadas ao enfraquecimento econômico e à escalada da violência, provocaram a queda da popularidade de Boric. Pesquisa do instituto Activa revela que metade da população identifica a criminalidade como o principal problema do país, enquanto cerca de 30% destacam a imigração como uma inquietação importante.
Esse contexto explica o atual cenário eleitoral e reforça o movimento que tenho acompanhado há mais de um ano: a inclinação política sul-americana para plataformas mais conservadoras e favoráveis ao mercado.
Depois da vitória de Milei na Argentina em 2023 e do sucesso da direita na Bolívia em 2025 — onde o segundo turno contou somente com candidatos dessa linha, culminando na conquista de Rodrigo Paz — o Chile está próximo de um segundo turno com vantagem clara para a direita, solidificando este deslocamento político regional.
O caso argentino merece destaque especial. O sucesso expressivo de Milei nas legislativas ampliou seu respaldo político, permitindo avanços em reformas liberais e estruturais. Seu partido, LLA, venceu em 13 das 23 províncias e na Cidade Autónoma de Buenos Aires, superando a coalizão peronista/kirchnerista por quase 10 pontos percentuais e ultrapassando 40% dos votos válidos — uma derrota marcante para o kirchnerismo.
Apoiado pelo PRO, de Mauricio Macri, e por governadores pró-mercado, Milei deve consolidar uma base legislativa robusta, capaz de impedir vetos da oposição e agilizar medidas de desregulamentação, privatização e ajuste fiscal. O pleito foi interpretado como um referendo favorável à sua agenda econômica, sinalizando que, mesmo diante das dificuldades do momento, a sociedade argentina mantém apoio às propostas reformistas.
Em curto prazo, a prioridade argentina é uma reforma monetária ampla para estabilizar o câmbio, conter a inflação e restaurar credibilidade macroeconômica — fundamentais para estimular um ciclo sustentável de crescimento. Embora o êxito dependa da execução técnica e da sustentação política e social, a eleição cria uma rara oportunidade para enfrentar distorções históricas.
Além da Argentina, o avanço de Milei integra um movimento regional mais amplo, marcado pelo desgaste dos modelos populistas e estatizantes, e pela ascensão de agendas liberais, pró-mercado e fiscalmente responsáveis. Nesse sentido, o caso argentino assume um papel emblemático, podendo servir de referência para outros países latino-americanos que se preparam para eleições, consolidando o realinhamento político continental.
Voltando ao Chile, é importante destacar que essa virada à direita não é um fenômeno isolado da América do Sul. No período pós-pandemia, a rejeição aos governos vigentes tornou-se comum em diversas democracias mundialmente, e o quadro chileno exemplifica essa dinâmica global de insatisfação com a administração pública.
No primeiro turno no Chile, Jeannette Jara — candidata de esquerda apoiada por Gabriel Boric — liderou com 26,85% dos votos, tentando preservar a continuidade do governo num contexto em que o descontentamento cresce.
Entretanto, o mais relevante não é sua liderança isolada, mas o resultado geral: a direita obteve seu melhor desempenho desde a redemocratização, conquistando mais da metade das cadeiras no Congresso e impondo à esquerda o pior resultado em décadas.
A lista dos candidatos mais votados reforça essa análise. José Antonio Kast ficou em segundo lugar, com 23,93%, seguido por Franco Parisi (19,71%), Johannes Kaiser (13,94%) e Evelyn Matthei (12,46%) — todos ligados ao campo conservador, que já manifestaram apoio a Kast para o segundo turno.
Essa união cria um cenário eleitoral largamente favorável à direita, aumentando as chances de alternância no poder no Chile e consolidando a mudança política que vem marcando a região nos últimos anos.

Essa configuração eleitoral favorece José Antonio Kast para o segundo turno em dezembro, com perspectivas de vitória confortável — potencialmente ultrapassando 60% dos votos.
Esse cenário contrasta com o observado em 2021, quando Kast liderou o primeiro turno, mas foi derrotado por Gabriel Boric na fase final.
Agora, o balanço político chileno inverteu-se com vigor, refletindo uma maior reconfiguração ideológica em curso na América do Sul.
O reposicionamento chileno se soma ao movimento regional que deve se intensificar nos próximos anos. Peru e Colômbia enfrentarão eleições presidenciais muito polarizadas em 2026, e o Brasil pode estar ingressando em um processo semelhante de reorganização política.
No Brasil, a oposição já demonstra sinais evidentes de recomposição, com a candidatura única ganhando força e o nome do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, emergindo como possível consenso — uma tendência que foi observada desde 2023 e agora se firma com mais clareza no cenário eleitoral.
Portanto, o resultado eleitoral no Chile reforça a percepção de que o ambiente político da região está em transformação, deixando aberta a possibilidade de mudanças relevantes também no Brasil.



