Caso Master: lições e reações
Os desdobramentos que culminaram na liquidação do Banco Master são diversos e evidenciam limitações e falhas na regulação do setor financeiro. Este episódio abre uma oportunidade para analisar essas questões e debater as melhorias necessárias no sistema vigente.
Falhas na supervisão pelo Banco Central
A responsabilidade pela supervisão das instituições financeiras cabe ao Banco Central do Brasil, e as falhas nesse processo ficaram claras. Por muito tempo, o Banco Master ofereceu títulos com remunerações além do que é praticado no mercado, atraindo milhões de investidores e bilhões de reais em depósitos, grande parte garantida pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
Para que essa situação não gerasse riscos ao sistema, os ativos do banco deveriam gerar retornos suficientes não só para cobrir essas taxas altas, mas também para dar lucro à instituição, ou, em alternativa, o Banco Central deveria ter exigido capital adicional dos acionistas para cobrir eventuais prejuízos, mantendo a solidez enquanto o banco expandia seus negócios.
Quem avalia a qualidade desses ativos é o Banco Central. No caso do Master, parece que essa avaliação não foi realizada corretamente, e o banco central também deveria ter exigido aportes dos acionistas — algo que só ocorreu quando já era tarde demais.
A responsabilidade do Fundo Garantidor de Créditos
O FGC não é culpado pelo problema. Ele segue um modelo global de garantia dos depósitos até determinado valor — no Brasil, são R$ 250 mil. Essa proteção só se torna problemático na medida em que o regulador falha na fiscalização adequada, promovendo um risco moral, em que incentivos indevidos prevalecem.
O papel dos intermediários e a regulação insuficiente
O Banco Central também autorizou os intermediários do mercado de capitais, como corretoras e distribuidoras, a comercializar títulos bancários. A fiscalização dessas instituições, neste âmbito específico, é de responsabilidade do Banco Central, e não da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Esses intermediários tiveram um papel significativo na crise, já que o banco tinha poucos clientes próprios e dependia dessas redes para captar recursos. Para motivá-los, pagava remunerações superiores ao mercado, incentivando-os a vender esses produtos a seus clientes.
Os integrantes desses canais de venda não mostraram preocupação quanto ao conflito de interesse ou ao risco de perder clientes a longo prazo, pois se apoiavam na garantia do FGC. Assim, apresentaram aos investidores um produto que prometia ganhos elevados, mas com baixo risco, o que não correspondia à realidade, falhando também a autogestão e a adequação do perfil dos clientes, o chamado “suitability”.
Implicações envolvendo entes públicos e estatais
Além disso, órgãos públicos como a Rioprevidência, e companhias estatais, como o Banco de Brasília (BRB) e a Cedae (na sua parte não privatizada), também tiveram papel relevante ao depositar bilhões no Master sem proteção pelo FGC. Esse episódio pode ser resultado tanto de corrupção quanto de grave inépcia na gestão.
A resposta adequada seria apurar os fatos, responsabilizar penal e financeiramente os envolvidos e assegurar o cumprimento das penas. No entanto, autoridades e o sistema judiciário demonstram muita resistência a essas medidas, enquanto a população parece cada vez mais alheia ao tema.
Recomendações para melhorar a regulação financeira
É essencial reconhecer que o Banco Central não pode acumular competências conflitantes, como cuidar simultaneamente da solvência das instituições, estimular a competição entre elas e regular a distribuição de produtos financeiros.
Investidores têm dificuldade para resistir a ofertas muito atraentes, especialmente quando a educação financeira é limitada e a ideia de estimular a competição desconsidera os riscos. Esse ambiente facilita que ilusões sejam vendidas sob falsas promessas.
Por isso, a regulação deve ser dividida: o Banco Central deve focar na solvência e na segurança das instituições financeiras; o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) deve atuar na supervisão da concorrência, combatendo eventuais combinações e práticas ilegais; enquanto a fiscalização dos intermediários que distribuem produtos no mercado de capitais deve ser competência da CVM, já que ela regula a maioria desses produtos.
Embora não seja possível ter certeza de que esse modelo, parecido com o sistema “Twin Peaks” adotado internacionalmente, evitaria o colapso do Master, é certo que um Banco Central dedicando-se exclusivamente à qualidade e segurança dos ativos teria mais condições de agir preventivamente.
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Marcelo Trindade — Foto: Arte sobre foto Divulgação



