Inteligência Artificial ameaça empregos e desafia presidente do Fed
O avanço da inteligência artificial (IA) tem causado preocupações no mercado de trabalho americano, a ponto de afetar o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell. Após reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) no final de outubro, Powell ressaltou que o uso crescente da IA pelas empresas está quase paralisando a criação de novas vagas de trabalho. “Grandes companhias indicam que não terão necessidade de contratar por um longo período. Estamos monitorando essa situação atentamente”, afirmou.
Essa tendência fica evidente nas recentes demissões anunciadas por grandes corporações: a Amazon cortou cerca de 14 mil postos, representando aproximadamente 4% de sua força administrativa; a Salesforce afastou 4 mil funcionários; e a Target eliminou mil vagas e fechou 800 novas posições previstas.
Segundo relatório da Challenger, Gray & Christmas, quase 946 mil desligamentos foram comunicados nos EUA em 2025, o maior volume desde 2020. Dentre estes, 17 mil estão relacionados diretamente à IA e 20 mil à automação. Só em outubro, os cortes aumentaram em 153 mil comparado ao mesmo mês do ano anterior, configurando o maior crescimento para esse período desde 2003.
Bruno Yamashita, analista de alocação e inteligência da Avenue, explica que essa mudança pode refletir um processo estrutural, pois a IA eleva a eficiência, o que implica que vagas antes necessárias são agora eliminadas ou reduzidas em relação a anos anteriores.
Panorama do desemprego nos EUA
Apesar dos avanços tecnológicos pressionarem o mercado de trabalho, o cenário atual nos Estados Unidos revela um crescimento quase nulo na criação líquida de empregos e baixa rotatividade entre cargos, enquanto a taxa de desemprego permanece em torno de 4,3%, valor próximo do pleno emprego.
Paula Zogbi, estrategista-chefe da Nomad, aponta que fatores cíclicos contribuem para esse quadro, como o custo elevado do capital após sucessivos aumentos das taxas de juros para conter a inflação vigente desde a pandemia, além das incertezas macroeconômicas e geopolíticas, como a guerra comercial e riscos de desaceleração econômica, que desmotivam demissões.
Também existem aspectos estruturais que influenciam o mercado: a aposentadoria acelerada da geração Baby Boomer reduz a oferta de trabalhadores experientes, mantendo o desemprego baixo; além de um menor incentivo para a imigração, o que reduz a entrada de novos trabalhadores estrangeiros, freando contratações.
A IA, por sua vez, pode inibir a abertura de novas vagas ao aumentar a produtividade, enquanto as empresas evitam demitir após o chamado “great resignation”, fenômeno pós-pandemia que causou escassez de talentos.
Yamashita observa que a inteligência artificial afeta principalmente os recém-formados em busca do primeiro emprego, tornando as oportunidades de nível inicial mais vulneráveis que as posições já consolidadas.
Embora ainda seja cedo para confirmar se essa transformação será estrutural, espera-se que, dada a atual política migratória, o crescimento do emprego nos próximos anos seja mais lento que nas últimas décadas, o que não significa necessariamente um desempenho negativo, mas sim um ajuste e normalização do mercado. Um estudo do Fed de Dallas sugere, por exemplo, que uma média mensal de 30 mil novos empregos seria suficiente para manter a estabilidade no mercado.
O dilema do Federal Reserve
O cenário de forte investimento em tecnologia aliado à geração insuficiente de empregos desafia a política monetária do Fed. A elevação das taxas de juros ajuda a controlar a inflação, porém pode prejudicar a expansão do emprego; já a redução dos juros estimula a contratação, mas pode acelerar a pressão inflacionária.
Além disso, a baixa mobilidade do mercado de trabalho é preocupante para a economia, pois a troca frequente de empregos é um fator crucial para o aumento dos salários. A estagnação salarial, por sua vez, pode afetar negativamente o consumo e o crescimento econômico.
Powell ressalta que o banco central enfrenta uma tensão entre controlar a inflação e manter o emprego: se a automação e a IA ampliam a produção, elas também substituem trabalhadores, tornando o mercado de trabalho mais frágil mesmo em contextos de expansão do PIB. “Há riscos de alta para a inflação e de queda para o emprego. Isso é complicado porque um cenário pede diminuição dos juros e o outro, aumento”, comentou o presidente do Fed.
Zogbi complementa que os efeitos da IA dificultam a leitura do ambiente econômico, pois podem ser ao mesmo tempo desinflacionários, ao reduzir os custos de produção e salários, e prejudiciais ao setor de trabalho.
Ela alerta que uma queda na inflação é positiva para o Fed, desde que não seja resultante de uma desaceleração significativa ou demissões em massa, pois manter os juros altos para combater a inflação nesse caso pode acelerar ainda mais os cortes e elevar o desemprego.
Próximos passos para Powell e o Fed
De acordo com Yamashita, o banco central enfrenta um cenário complexo, onde apesar das recentes reduções nas taxas de juros, a política monetária permanece restritiva, com juros acima do crescimento econômico dos EUA.
Ele destaca que, diante de um crescimento econômico que não gera muitos empregos, o ideal é uma taxa de juros que mantenha a inflação controlada e alinhada com o crescimento a longo prazo.
Por sua vez, Paula Zogbi ressalta que, tradicionalmente, o crescimento do PIB demandaria juros mais altos para evitar superaquecimento. Contudo, caso a estagnação no mercado de trabalho provoque aumento do desemprego, o Fed deve antecipar-se e realizar cortes nos juros, processo que já começou e deve continuar de forma gradual.
Por ora, a expectativa é que o Federal Reserve mantenha uma postura prudente, com períodos de pausa, mantendo a taxa de juros em níveis restritivos, até que os dados econômicos indiquem segurança para flexibilizar a política.



