O Papel do Setor de Seguros na Mitigação da Transição Climática

O Papel do Setor de Seguros na Mitigação da Transição Climática

A COP30 e a contribuição do setor de seguros para mitigar os efeitos da transição climática

A crescente ocorrência de eventos climáticos extremos, resultado do aquecimento global, impacta significativamente as perdas financeiras e patrimoniais de indivíduos e empresas afetadas por essas calamidades.

Em Belém do Pará, a COP30 reuniu representantes de diversos países, organizações internacionais, privadas e da sociedade civil para discutir medidas contra as mudanças climáticas. Durante o evento, tive a oportunidade de participar de painéis na Casa do Seguro, ambiente promovido pela CNseg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização), que se dedicou a debater o papel do setor de seguros na redução dos efeitos socioeconômicos do aquecimento global e da transição climática, além de discutir estratégias para minimizar os riscos futuros de descontrole climático.

O debate destacou evidências crescentes de que eventos climáticos adversos – como secas, tempestades, enchentes e ondas de calor e frio extremas – têm se tornado mais frequentes e severos globalmente nas últimas décadas, com impactos abrangentes.

Especialistas presentes enfatizaram a rápida elevação da temperatura global nos últimos anos, alertando para o fenômeno conhecido como “ponto de não retorno”, no qual o desequilíbrio dos ecossistemas acelera a deterioração de flora e fauna, afetando especialmente os ambientes mais frágeis.

Durante a discussão, foram abordados fatores como a expansão de áreas desertas, o aumento da temperatura dos corpos d’água com a consequente redução de espécies aquáticas e a propagação de doenças típicas de climas quentes para regiões antes consideradas frias. Por exemplo, enfermidades como dengue e chikungunya ultrapassam fronteiras tropicais e atingem países europeus, enquanto a malária se dissemina em algumas áreas da África.

Em um dos painéis que participei, foram apresentados dados que revelam o crescimento da incidência de doenças respiratórias e dermatológicas causadas por ondas de calor intensas e maior poluição, resultando em elevação dos índices de sinistralidade nos seguros de saúde e vida, além de alterar a demanda por diferentes tipos de cobertura. Isso gera a necessidade de revisar a adequação dos seguros para abranger essas novas enfermidades e de atualizar a precificação conforme a prevalência dessas doenças em cada região.

Há uma tendência mundial de se oferecer assistências preventivas, aplicando tecnologia e análise de dados hiperpersonalizados para reduzir eventos negativos à saúde e aumentar a eficiência das seguradoras. Essas assistências agregam exames de rotina, vacinação, medicamentos e tratamentos iniciais de doenças, usando tecnologias avançadas, como inteligência artificial, para melhorar a escala e a inovação no diagnóstico e desenvolvimento de medicamentos.

Além da saúde, o aumento dos eventos extremos está relacionado ao crescimento das perdas patrimoniais e de renda frente a catástrofes. Dados indicam que há uma lacuna de cobertura seguradora de, no mínimo, 40% nas perdas patrimoniais em países desenvolvidos por eventos recentes, e essa deficiência ultrapassa 80% em nações emergentes e de baixa renda.

Essa realidade evidencia o caráter desproporcional dos desastres climáticos, que atingem com maior severidade as populações e países mais vulneráveis.

Nos debates específicos sobre proteção de renda para pessoas e empresas vulneráveis, foram apresentados casos práticos, como:

  • Seguros individuais para agricultores de subsistência no Peru, protegendo-os durante períodos críticos de eventos climáticos sazonais.
  • Seguro coletivo para a cadeia produtiva do café na Colômbia, utilizando mutualismo de risco para preservar a produção frente a situações adversas.
  • Seguro contra desastres na Jamaica, país com alta exposição a eventos extremos, que manteve prêmios elevados por anos sem sinistros, porém recebeu cobertura abrangente após o furacão Melissa em outubro de 2025.

Sobre o Brasil, foram discutidas propostas como:

  • Massificação de seguros de vida ou invalidez com coberturas simples e assistências básicas, garantindo dignidade mínima às famílias afetadas por eventos extremos.
  • Planos coletivos de adesão em massa, de baixo custo e mutualismo de risco, para indenizações simplificadas relacionadas a eventos paramétricos como chuvas intensas e ventos fortes.
  • Cobertura de perda de renda individual para despesas essenciais, com processos de regulação de sinistro simplificados para eventos climáticos paramétricos.
  • Coberturas voltadas para micro e pequenas empresas, assegurando capital de giro mínimo para evitar a interrupção das atividades diante de eventos climáticos previamente definidos.

Fica evidente que o setor de seguros desempenha papel crucial no enfrentamento dos impactos negativos das catástrofes climáticas, especialmente para segmentos e países mais vulneráveis. Além disso, os recursos financeiros administrados por seguradoras e previdência podem incentivar práticas responsáveis ambientais e sociais, atuando como motores para uma gestão preventiva e equilibrada do ambiente e da organização social a longo prazo.

O setor não apenas pode colaborar na mitigação socioeconômica das mudanças climáticas, mas potencializará seu impacto se atuar em harmonia com boas práticas financeiras e iniciativas de educação financeira para populações vulneráveis, complementadas por fundos públicos e institucionais internacionais que fortaleçam as soluções privadas.

Este é um desafio complexo e amplo que exigirá a colaboração entre múltiplos setores da sociedade e da humanidade. É essencial o comprometimento coletivo para desenvolver soluções eficazes, sob o risco de entregarmos um mundo pior às futuras gerações.

Estevão Scripilliti, diretor da Bradesco Vida e Previdência.

Fonte

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