Juro Alto Pressiona Compras No Supermercado: Da Picanha Ao Frango

Juro Alto Pressiona Compras No Supermercado: Da Picanha Ao Frango

Da picanha ao frango: como o aumento dos juros pressiona o consumo no supermercado

Executivos de grandes redes como Mateus, Assaí e Roldão destacam a troca por produtos mais baratos e o abandono de itens nas compras devido ao impacto dos juros elevados.

Quem antes incluía a picanha no carrinho, agora está optando por comprar mais frango. Além disso, marcas líderes de sabão em pó têm sido substituídas por versões mais econômicas. Produtos como chocolates, biscoitos recheados e cervejas aparecem com menos frequência nas cestas. Essas transformações no comportamento dos consumidores foram detectadas pelo levantamento da empresa de tecnologia ScannTech, que acompanhou o varejo alimentar, incluindo mercados, supermercados e atacarejos. Os dados indicam que uma parcela da população começa a sentir os reflexos da alta dos juros no poder de compra, mesmo com indicadores de emprego e renda ainda robustos.

A ScannTech também indicou que as vendas em volume nos supermercados e atacarejos recuaram 1,6% entre janeiro e novembro de 2025, em comparação com o mesmo período do ano anterior. “Nas nossas lojas, é comum ver clientes deixando produtos no caixa, deixando para trás itens que inicialmente escolheram”, explica Ricardo Roldão, proprietário da rede de atacarejos Roldão em São Paulo. Para ele, os consumidores têm imposto um limite de gasto nas compras, eliminando supérfluos além desse limite.

Além de irem para casa com menos produtos, os consumidores estão sendo mais seletivos. Pesquisa da consultoria e empresa de tecnologia Neogrid, realizada em setembro, revelou que 82% das pessoas têm optado por trocar produtos por versões mais acessíveis, enquanto 60% declararam ter percebido um aumento considerável nos preços dos itens comprados nos últimos 12 meses.

Esse cenário, no entanto, contrasta com os bons resultados do mercado de trabalho: o índice de desemprego caiu para 5,4% no trimestre até outubro, menor marca desde que a série histórica começou em 2012, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). Paralelamente, a massa salarial atingiu o recorde de R$ 357,265 bilhões.

Porém, esses dados refletem uma visão agregada da população. Conforme Fábio Bentes, economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), 85% dos trabalhadores recebem menos de R$ 5 mil mensais. Para essa parcela, os gastos com alimentação correspondem a uma fatia significativa do orçamento familiar.

A inflação dos alimentos até demonstrou leve queda recentemente, com alta de 3,88% em 12 meses até novembro, inferior ao crescimento de 5,50% contabilizado até outubro. Entretanto, a inflação dos serviços – englobando educação, saúde, serviços pessoais como manicure e cabeleireiro – permanece elevada, próxima de 6% no acumulado de 12 meses. Esse aumento dos custos em serviços força os consumidores a diminuir seus gastos no supermercado.

Outro agravante é o juro alto, que compromete ainda mais a renda disponível de quem depende do crédito para realizar compras. Não surpreendentemente, a inadimplência voltou a crescer. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) da CNC, em novembro, 79,2% das famílias possuíam dívidas em aberto, sendo que 30% estavam com pagamentos em atraso. “Quando os juros estão nesse nível, o consumo fica difícil”, comenta o dono da rede Roldão.

No Assaí, rede atacadista presente em várias regiões do país, o impacto também é sentido. Belmiro Gomes, CEO da empresa, informou que as vendas das unidades que já estão em operação há pelo menos um ano aumentaram apenas 3,1% entre janeiro e setembro, resultado ligeiramente inferior aos 3,2% no mesmo intervalo de 2024 e bastante distante dos 7,9% registrados em 2021, quando a taxa Selic era menor. Para Gomes, os juros elevados, atualmente em 15%, são a principal explicação para a desaceleração nas vendas e provocam efeitos diferentes nas camadas sociais.

Entre clientes do segmento pessoa jurídica, como restaurantes e pequenos comércios, aqueles que atendem consumidores de renda mais baixa são os mais impactados, reduzindo seus volumes, destaca o CEO do Assaí. Dados da NielsenIQ de setembro indicam um crescimento de 2,7% nas vendas do varejo moderno – rede de supermercados de médio e grande porte, como Pão de Açúcar, Carrefour e St. Marché –, que atendem majoritariamente a clientes de renda mais alta.

Em contrapartida, o pequeno comércio varejista, como mercadinhos de bairro e redes com poucas lojas, apresentou uma retração significativa de 8,3%. Para Belmiro Gomes, essa queda incomum sinaliza que, para essa faixa, nem mesmo a substituição por produtos mais baratos tem sido suficiente para manter o consumo.

Os relatórios divulgados em dezembro pela Abras, associação representante dos supermercados brasileiros, reforçam essa dinâmica de consumo distinta nas diferentes faixas do mercado. Por exemplo, na categoria de produtos de limpeza, a participação dos itens mais caros subiu 3,8 pontos percentuais, passando de 35,3% para 39,1%. Também houve ganho para os produtos de preço mais baixo, que saltaram 5,9 pontos percentuais, de 26,0% para 31,9%. Já a faixa intermediária perdeu espaço, recuando 9,7 pontos percentuais, de 38,7% para 29,0%.

“Nos últimos trimestres, temos convivido com um ambiente de consumo fraco. Em especial no Nordeste, o consumidor mantém um orçamento bastante apertado”, comenta Jesuíno Martins Borges Filho, CEO do Grupo Mateus, líder do segmento na região.

Durante a teleconferência de resultados do Grupo Mateus, realizada em 13 de novembro, o executivo ressaltou que esse comportamento está relacionado ao endividamento das famílias e à estabilização dos hábitos dos clientes em relação ao consumo neste último trimestre do ano: “Quem antes comprava carne bovina, por exemplo, acaba optando pelo frango, que é mais barato.”

De janeiro a setembro, as vendas em lojas abertas há pelo menos um ano do Grupo Mateus, que atua com supermercados, hipermercados e atacarejo, apresentaram crescimento acumulado de 4,6%, queda em relação ao aumento de 7,3% observado no mesmo período de 2024.

Colaborou Felipe Mendes

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