CVC Corp: Reestruturação e Tecnologia Impulsionam Nova Fase no Turismo Brasileiro
A CVC Corp, referência no setor de turismo no Brasil, atravessa um processo de transformação após dois anos de reestruturação, apostando na modernização tecnológica sem perder sua tradição e essência consolidada.
Fundada em 1972 em Santo André pela família Paulus, a CVC evoluiu de uma vendedora de passagens rodoviárias para um dos maiores grupos de viagens da América Latina, com nove marcas operando no Brasil e Argentina e receita anual próxima a R$ 1,4 bilhão. Contudo, nos últimos anos, enfrentou desafios graves, começando antes da crise provocada pela pandemia da Covid-19.
Em 2020, a companhia revelou distorções contábeis que resultaram em prejuízo de R$ 362 milhões, abalando sua reputação e levando à substituição do CEO da época. A chegada da pandemia agravou ainda mais a situação, derrubando o valor das ações de cerca de R$ 40 para R$ 6 em poucos dias, uma queda dramática impulsionada pelo isolamento social que interrompeu o turismo mundial.
Com dívidas superiores a R$ 2 bilhões, a CVC teve de realizar diversas operações no mercado financeiro para estabilizar suas finanças e renegociar passivos. A companhia que já valia quase R$ 10 bilhões em 2019 chegou a ser avaliada abaixo de R$ 1 bilhão, acumulando uma desvalorização de 80% desde seu IPO em 2013. Entretanto, o quadro começou a reverter em 2025, com valorização de 58% nas ações e negociações em torno de R$ 2,30.
Virada Estratégica
O retorno da família Paulus ao controle em 2023 marcou o início do turnaround da empresa. Nessa fase, Fábio Godinho, com longa experiência no setor e múltiplas passagens pela CVC, reassumiu como CEO para conduzir as mudanças. Com conhecimento profundo das diversas vertentes do turismo — incluindo hotéis, companhias aéreas e agências de viagem —, Godinho alinhou um plano com foco em reestruturação financeira, ajuste da governança, e recuperação da cultura corporativa baseada em atendimento e paixão pelo serviço.
O plano ocorreu em três etapas: inicialmente um período de sobrevivência, com renegociação de dívidas e realinhamento do modelo de negócios voltado para lojas físicas e redução de custos; depois, a construção de uma base sólida para o futuro, com a implementação da estratégia “figital”, que combina canais digitais e presenciais; e atualmente, o foco está no investimento massivo em tecnologia para alavancar crescimento e eficiência operacional.
Estratégia Figital e Tecnologia
A adoção do modelo figital representa o meio-termo entre o atendimento exclusivamente presencial e as vendas 100% digitais. Observou-se que consumidores de viagens curtas e de baixo custo preferem autogestão online, enquanto aqueles com roteiros mais complexos e planejados buscam suporte personalizado de agentes. Atualmente, metade das vendas da CVC ocorre iniciando no digital e sendo finalizada presencialmente, frequentemente via WhatsApp e sistemas integrados próprios.
Essa abordagem possibilitou reformular o conceito das lojas, que agora são menores e com custos operacionais menores, abrindo oportunidades em municípios com menos de 20 mil habitantes. O CEO prevê que nos próximos anos entre 60% a 65% das vendas acontecerão via figital, com crescimento contínuo e atração de público jovem, especialmente na faixa dos 18 aos 25 anos.
Além disso, a CVC está incorporando inteligência artificial para melhorar a experiência do cliente e automatizar processos de vendas, tornando os agentes mais produtivos para que possam focar no relacionamento e fechamento de negócios, enquanto o sistema cuida das tarefas administrativas e operacionais.
Perspectivas e Desafios
Com a reestruturação consolidada, a CVC tem avançado no crescimento, especialmente no segmento B2B, com marcas como Rextur Advance liderando consolidação aérea e a Trend superando R$ 1,2 bilhão em vendas, além da Visual, que está em fase de crescimento acelerado. No B2C, o foco na transformação figital torna a empresa mais próxima do consumidor, mantendo a previsão de expansão de até duas mil lojas físicas no Brasil.
Entre os desafios, o principal é o impacto da alta taxa de juros no país, que restringe o consumo geral e, consequentemente, o mercado de turismo. Internacionalmente, conflitos geopolíticos ainda geram incertezas, como demonstrado pelos cancelamentos recentes de voos e pacotes para o Oriente Médio.
Quanto a futuras aquisições, a companhia está observando oportunidades, mas as atuais condições econômicas tornam operações de fusões e aquisições mais complexas. Por enquanto, o foco permanece em fortalecer as empresas do grupo e expandir a digitalização.
Entrevista Exclusiva com Fábio Godinho, CEO da CVC Corp
O que a CVC representava quando você retornou em 2023?
Godinho: Encontrei uma empresa que havia perdido sua essência, tentando ser uma turistech, mas na verdade é uma companhia de turismo. Nosso papel sempre foi prestar assistência ao passageiro, agente de viagem e clientes das companhias aéreas. A tecnologia é uma ferramenta, não o foco principal. A CVC precisa resgatar seu relacionamento estreito com o mercado, parceiros e clientes, alinhando tecnologia para garantir assistência e preços competitivos.
Como manter a proximidade com os fornecedores em um cenário pós-pandemia, onde companhias aéreas enfrentam dificuldades?
Godinho: É vital estar próximo, apoiando o parceiro nos bons e maus momentos. Ajustamos a oferta conforme a necessidade, como campanhas de vendas antecipadas e atuação da Rextur Advance para demandas de curto prazo. A CVC é fundamental para a rentabilidade das companhias, já que os canais indiretos que utilizamos têm ticket médio maior que as vendas diretas.
Pode explicar a aposta na estratégia figital?
Godinho: O modelo anterior de lojas 100% físicas não serve mais sozinho. Pesquisas mostram que viagens curtas são compradas digitalmente, mas viagens planejadas demandam o contato humano. A estratégia figital integra canais digitais com atendimento pessoal, possibilitando jornada híbrida que hoje responde por metade das vendas. Reformulamos o formato das lojas para serem menores, acessíveis e atenderem novos públicos, principalmente jovens.
Como a tecnologia suporta a transformação da CVC?
Godinho: A tecnologia é a plataforma para o crescimento futuro, com investimentos em inteligência artificial e automação para aprimorar a experiência do consumidor e a produtividade dos agentes, mantendo o equilíbrio entre digitalização e atendimento humano, que é a base do modelo figital.
Quais são os planos e riscos para o futuro?
Godinho: Continuaremos expandindo mercado, tanto no B2B quanto no B2C. O principal risco é a alta taxa de juros que restringe o consumo, além dos impactos geopolíticos. Em relação a aquisições, monitoramos o mercado, mas focamos em fortalecer nossas operações e a transformação digital, visto o cenário atual.