Visa avança no mercado de stablecoins com desafio de proteger suas receitas tradicionais
O mercado global de stablecoins tem potencial para atingir US$ 2 trilhões nos próximos três anos, segundo projeções do Standard Chartered Bank. Em meio a essa expansão, a Visa avalia a possibilidade de criar sua própria stablecoin, conforme informações obtidas por fontes próximas à empresa, compartilhadas com a Bloomberg News.
Ao longo de décadas, a Visa tem sido um pilar nos sistemas globais de pagamento, facilitando trilhões de dólares em transações todos os anos. Entretanto, com o crescimento das stablecoins — criptomoedas com valor atrelado a ativos estáveis como o dólar —, a empresa enfrenta o desafio de incorporar essas novas tecnologias sem prejudicar seu negócio tradicional.
O responsável pela área de criptografia na Visa, Cuy Sheffield, tem liderado esforços para ampliar o envolvimento da companhia com stablecoins. No último ano, sua equipe expandiu as operações de liquidação desses ativos, firmou parcerias com um grande banco para a emissão de tokens próprios e colaborou com diversas fintechs internacionais.
Sheffield destacou que as stablecoins são, na essência, “outros meios para realizar trocas de valores”. Ele enxerga um grande potencial para expandir o mercado endereçável da Visa por meio dessa tecnologia.
Especialistas do setor concordam que as stablecoins não necessariamente representam uma ameaça, mas sim uma oportunidade para a Visa. Apesar de oferecerem pagamentos mais rápidos e com custos reduzidos, as stablecoins ainda demandam serviços essenciais — como detecção de fraudes, resolução de disputas e conformidade regulatória — além da integração com sistemas financeiros e conversão entre moedas fiduciárias.
Assim, a Visa tem adotado uma postura que visa ser uma ponte entre o sistema tradicional e o universo das stablecoins, aproveitando sua infraestrutura para levar esses ativos digitais para o mercado de comerciantes e consumidores convencionais.
Richard Crone, CEO da consultoria Crone Consulting, ressalta que a Visa busca ampliar sua atuação apoiando diversas plataformas de stablecoins que contem com recursos de pagamento, o que abre uma importante oportunidade de crescimento para a companhia.
Dados do rastreador DeFiLlama indicam que o mercado de stablecoins aumentou 62% no último ano, chegando próximo a US$ 269 bilhões, com previsões do Standard Chartered Bank apontando para um crescimento que pode alcançar US$ 2 trilhões até 2028. Porém, eles ainda representam menos de 1% do total dos fluxos financeiros globais, processando cerca de US$ 30 bilhões em transações diárias, conforme estudo recente da McKinsey.
Matt Higginson, líder global de iniciativas blockchain da McKinsey, pondera que as redes de cartão, como a Visa, não devem ser tão ameaçadas assim, já que a adoção das stablecoins pode ser vista como uma oportunidade para as empresas aprimorarem suas redes de pagamento.
Embora a Visa continue a operar de maneira robusta, com um crescimento de 14% na receita e ações valorizadas em 30% no último ano, o futuro das stablecoins ainda gera dúvidas quanto ao impacto na sua receita. Com regulações mais claras e a expansão do uso dessas moedas digitais por grandes players como PayPal e Stripe, a concorrência no segmento deve aumentar, especialmente nos Estados Unidos com a possível aprovação da Lei Genius, que aceleraria a incorporação das stablecoins nas instituições financeiras locais.
Lex Sokolin, sócio-gerente da Generative Ventures, alerta que em longo prazo as stablecoins podem competir diretamente com o modelo de negócios tradicional das redes de cartão, potencialmente diminuindo o papel de intermediários como a Visa.
Integrando modelos tradicionais e inovadores
Cuy Sheffield ingressou na Visa em 2015 após a aquisição da startup TrialPay, onde havia iniciado sua carreira. Morando em São Francisco, conciliava seu trabalho na Visa com a participação em encontros de criptomoedas, vislumbrando uma convergência entre esses dois mundos.
Seu foco atualmente está em stablecoins e no projeto Visa Tokenized Asset, lançado em 2024, que permite instituições financeiras emitirem e gerenciarem tokens em redes blockchain. O banco espanhol BBVA é um dos clientes que testam a plataforma com tokens na blockchain Ethereum, com testes previstos para este ano.
Além disso, a Visa mantém negociações com outros bancos internacionais para ampliar o trabalho com stablecoins. As condições financeiras dessas parcerias não foram divulgadas.
A equipe comandada por Sheffield também gerencia os serviços de liquidação de stablecoins da Visa, que têm crescido rapidamente, permitindo liquidações na rede VisaNet em stablecoins até sete dias por semana.
Em uma parceria recente com a fintech americana Rain, que emite cartões de crédito respaldados por stablecoins, a Visa demonstrou uma postura mais agressiva nessa área em comparação com outras redes.
Hoje, Sheffield responde a Rubail Birwadker, chefe global de produtos de crescimento e parcerias estratégicas da Visa, que se reporta diretamente a Jack Forestell, diretor de produtos e estratégia e membro do comitê executivo da empresa.
Embora o volume de liquidação de stablecoins pela Visa ainda seja modesto frente aos US$ 16 trilhões processados anualmente, ele superou recentemente a marca de US$ 200 milhões acumulados, refletindo a crescente importância desse setor para a companhia.
Potencial em mercados emergentes
Especialistas veem nas economias emergentes uma oportunidade para a Visa ampliar sua presença, visto que o acesso a cartões de crédito e serviços tradicionais bancários é limitado nesses locais.
Em junho, a Visa firmou um acordo com a Yellow Card, empresa global de pagamentos em stablecoins que atua em diferentes países africanos. A colaboração visa explorar pagamentos em stablecoins para operações de tesouraria, gestão de liquidez e transferências internacionais.
Chris Maurice, CEO da Yellow Card, destacou que as stablecoins podem se tornar o padrão para pagamentos internacionais fora dos EUA, justificando o forte investimento e engajamento da Visa nesse segmento.