Entenda A Polêmica Delação De Mauro Cid No Julgamento De Bolsonaro

Julgamento de Bolsonaro: análise da controvérsia envolvendo a delação de Mauro Cid

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta terça-feira (2) o julgamento referente ao núcleo central da acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus, vinculados à suposta trama golpista de 2022 que teria tentado impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Conforme conclusão da Polícia Federal, Bolsonaro teria planejado, coordenado e exercido controle direto sobre as ações do grupo criminoso que atuou desde 2019 com o propósito de preservar seu mandato.

A denúncia apresentada pela PGR baseia-se em provas coletadas por meio de buscas, quebras de sigilo, declarações de testemunhas e réus, além da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

A colaboração de Mauro Cid é considerada uma peça-chave do processo, ainda que não seja o único elemento probatório. Informações apresentadas por ele foram confirmadas por evidências materiais e depoimentos de militares, como o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e o almirante Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, que atestaram que Bolsonaro propôs a ruptura democrática, rejeitada por estes oficiais.

Principais revelações de Mauro Cid

Entre as acusações feitas, Mauro Cid afirmou que Bolsonaro teria pressionado o ministro da Defesa à época, general Paulo Sérgio Nogueira, para que ele declarasse supostas fraudes nas urnas eletrônicas, mesmo sem evidências que apoiassem essa versão. Segundo o ex-ajudante de ordens, existia um plano para manter Bolsonaro no poder, independentemente dos resultados eleitorais, envolvendo militares e aliados políticos.

Em seu depoimento, Cid também relatou ter recebido uma quantia em dinheiro entregue pelo ministro Walter Braga Netto dentro de uma sacola de vinho no Palácio da Alvorada, destinada ao financiamento de manifestações contrárias ao resultado eleitoral.

Outro ponto mencionado foi a espionagem contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Segundo Cid, Bolsonaro teria solicitado que o coronel Marcelo Câmara acompanhasse os movimentos do ministro, motivado pela suspeita de um encontro entre Moraes e o então vice-presidente Hamilton Mourão, referindo-se a Moraes com o codinome “professora”.

Cid também citou o plano denominado “Punhal Verde e Amarelo”, que teria como alvos Lula, Alckmin e Moraes no fim de 2022.

A delação inclui ainda informações sobre a venda ilegal de joias e relógios levados para Miami, com arrecadação aproximada de US$ 86 mil, sacados em pequenas quantias para evitar suspeitas, e parte do dinheiro teria sido entregue diretamente a Bolsonaro.

Adicionalmente, Cid revelou que Bolsonaro teria ordenado o registro de dados falsos relacionados à vacinação contra a Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde, em seu nome e no da filha, com os certificados impressos sendo entregues pessoalmente ao ex-presidente.

Esses dois últimos fatos estão sendo investigados em processos paralelos ao atualmente julgado.

Divergências e alterações na versão de Cid

A delação firmada em setembro de 2023 enfrentou questionamentos. Em março de 2024, áudios vazados indicaram que o militar teria afirmado a aliados ter sido pressionado pela Polícia Federal a implicar Bolsonaro. Em consequência, Alexandre de Moraes convocou-o para novo depoimento, onde ele reafirmou que o acordo foi firmado voluntariamente.

Em novembro do mesmo ano, a Polícia Federal apontou omissões no depoimento, especialmente sobre o plano “Punhal Verde e Amarelo”. Moraes alertou que seria a última chance de o delator esclarecer os fatos. Após novo depoimento, o ministro manteve os benefícios da colaboração, considerando que as contradições foram resolvidas.

Posicionamento das defesas

Os advogados de Jair Bolsonaro e dos outros acusados alegam que a colaboração de Mauro Cid é inconsistente e não deve fundamentar condenações. Eles destacam contradições nas declarações do tenente-coronel ao longo da investigação, comprometendo a confiabilidade do acordo de delação.

Além disso, sustentam que Cid teria sido coagido tanto pela Polícia Federal quanto pelo STF, o que infringiria o requisito de voluntariedade previsto em lei. As defesas argumentam que, ao aceitar o acordo, o militar estaria sob forte pressão, já que havia sido preso meses antes por determinação do STF.

Ressaltam que a Corte já reconheceu anteriormente que prisões temporárias ou preventivas são injustificadas quando usadas para forçar confissões ou colaborações.

No caso de Cid, a prisão ocorreu devido à suspeita de participação em fraude no sistema de certificados de vacinação contra a Covid-19, que teria o intuito de viabilizar uma viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos.

Segundo a Polícia Federal, dados falsos teriam sido inseridos no sistema do Ministério da Saúde em nome de Bolsonaro, sua filha, do próprio Cid, sua esposa e filha, fundamentando a prisão preventiva e alertando para um possível plano de fuga para o exterior.

Reservas no STF sobre a colaboração

Durante o depoimento ao STF, o ministro Luiz Fux manifestou dúvidas sobre a colaboração, criticando o fato de Cid ter prestado nove depoimentos distintos, acrescentando novas informações a cada um. Para Fux, isso poderia ser interpretado como omissões.

Mesmo assim, ele acompanhou a maioria dos ministros ao defender que a análise da validade da delação deve ocorrer apenas na fase de julgamento.

Benefícios solicitados pela delação

No acordo, Mauro Cid requereu perdão judicial ou, se não concedido, pena privativa de liberdade limitada a dois anos. Também pleiteou a devolução de bens e valores apreendidos, extensão de benefícios a seu pai, esposa e filha maior, além de proteção policial para sua segurança e de sua família.

O grau de vantagem concedido será avaliado pelos ministros do STF durante o julgamento.

Importância da colaboração no julgamento

Embora a delação de Mauro Cid seja considerada fundamental para a denúncia, a legislação brasileira impede que ela seja a única base para um veredicto condenatório. É necessário que existam provas independentes que corroborem os relatos do colaborador.

No processo, partes dos depoimentos foram confirmadas por testemunhos de generais e documentos coletados pela Polícia Federal.

Por outro lado, a defesa de Bolsonaro aposta na desqualificação da delação, alegando falta de voluntariedade, para minimizar seu impacto no julgamento.

Esse julgamento poderá definir o futuro político de Bolsonaro, que está cumprindo prisão domiciliar desde 4 de agosto, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes após o ex-presidente descumprir medidas cautelares.

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