Visa avança no mercado de stablecoins com cautela para proteger receitas
O mercado de stablecoins está projetado para atingir cerca de US$ 2 trilhões nos próximos três anos, segundo estimativas do Standard Chartered Bank. Diante desse crescimento promissor, a Visa está explorando o segmento, inclusive avaliando a possibilidade de lançar sua própria stablecoin futuramente, conforme fontes consultadas pela Bloomberg News.
Visa, tradicional protagonista no setor de pagamentos globais, que movimenta trilhões de dólares anualmente, agora encara um desafio estratégico com o avanço das stablecoins, que oferecem pagamentos mais rápidos e econômicos. A empresa busca garantir que essa inovadora tecnologia complemente, ao invés de prejudicar, seu negócio principal.
Cuy Sheffield, chefe de criptografia da Visa, lidera iniciativas para expandir os negócios da companhia no universo das stablecoins. Nos últimos meses, sua equipe intensificou parcerias com grandes bancos para emissão de tokens próprios e participou de colaborações com fintechs ao redor do mundo.
Sheffield ressalta que as stablecoins representam “apenas outro método para troca de valores” e acredita que essa modalidade pode ampliar significativamente o mercado endereçável da empresa.
Embora as stablecoins geralmente apresentem custos de transação inferiores às taxas cobradas por cartões, ainda demandam serviços essenciais como detecção de fraudes, gestão de disputas e conformidade regulatória, além de integrarem sistemas bancários tradicionais e conversões de moedas fiduciárias.
Assim, a Visa tem se posicionado como uma ponte entre sistemas financeiros tradicionais e o mundo das stablecoins, usando sua infraestrutura consolidada para facilitar a adoção dessa tecnologia junto a comerciantes e consumidores.
Richard Crone, CEO da Crone Consulting, destaca que a Visa está buscando “conquistar terrenos” ao capacitar diversas plataformas de stablecoins com soluções de pagamento, enxergando nisso uma grande oportunidade para o setor.
O mercado de stablecoins cresceu 62% no último ano, chegando a quase US$ 269 bilhões, conforme dados da plataforma DeFiLlama. A expectativa é que esse montante alcance até US$ 2 trilhões em três anos, segundo projeções do Standard Chartered Bank. Apesar do crescimento, as stablecoins representam apenas uma fração das transações globais, movimentando cerca de US$ 30 bilhões diários, menos de 1% dos fluxos financeiros mundiais, de acordo com estudo recente da McKinsey.
Segundo Matt Higginson, responsável por iniciativas em blockchain na McKinsey, o impacto das stablecoins não deverá ser tão disruptivo para as redes de cartões tradicionais quanto se imagina. O foco está em encontrar maneiras de ampliar a participação no mercado e aprimorar as redes de pagamento existentes.
A Visa mantém-se sólida, mesmo frente a desafios regulatórios que pressionam a redução das taxas de transação. No último ano, suas ações valorizaram 30%, e sua receita cresceu 14%, totalizando US$ 10,2 bilhões no terceiro trimestre.
Porém, o efeito das stablecoins a longo prazo ainda é incerto. Com políticas regulatórias mais claras e a expansão de rivais como PayPal e Stripe, que trabalham com stablecoins em parceria com a Visa, a competição deve se intensificar. A exemplo dos Estados Unidos, a aprovação da Lei Genius pode acelerar a atuação das instituições financeiras nesse mercado, facilitando transferências diretas de usuário para usuário, potencialmente reduzindo o papel das redes tradicionais de cartões.
Lex Sokolin, sócio-gerente da Generative Ventures, alerta que as stablecoins podem, futuramente, substituir o modelo de negócios tradicional da Visa, apresentando riscos à estabilidade da empresa.
Integrando diferentes realidades
Cuy Sheffield ingressou na Visa em 2015, após a aquisição da plataforma TrialPay, onde começou sua carreira. Morador de São Francisco, conciliava seu trabalho na equipe de fidelidade da Visa com encontros frequentes no mundo das criptomoedas, o que o levou a enxergar o futuro na junção dessas áreas.
O momento atual de sua carreira é dedicado a avançar projetos relacionados às stablecoins, incluindo a Visa Tokenized Asset, lançada em 2024. Essa plataforma permite que instituições financeiras emitam e gerenciem tokens baseados em blockchain. O banco espanhol BBVA é um dos clientes que utilizam essa tecnologia para operar com tokens no Ethereum, com pilotos previstos para este ano.
A Visa também está negociando com outros bancos globais parcerias relativas a stablecoins, embora detalhes financeiros dessas colaborações não tenham sido divulgados.
Além disso, a equipe de Sheffield é responsável pelos serviços de liquidação de stablecoins da Visa, que têm se expandido rapidamente. Essa solução possibilita que clientes cumpram obrigações na VisaNet utilizando stablecoins, com liquidação funcionando inclusive aos fins de semana.
Em parceria recente, a Visa uniu-se à fintech Rain, sediada nos EUA, que emite cartões de crédito lastreados em stablecoins. Farooq Malik, CEO da Rain, reconhece a postura agressiva da Visa no segmento, diferente da cautela observada em outras redes.
Sheffield reporta-se atualmente a Rubail Birwadker, chefe global de produtos de crescimento e parcerias estratégicas da Visa, que responde a Jack Forestell, diretor de produtos e estratégia e integrante do comitê executivo da empresa.
Atualmente, as stablecoins representam uma parte modesta, porém crescente, dos negócios da Visa. O volume acumulado da liquidação em stablecoins, disponível sete dias por semana, ultrapassou US$ 200 milhões. Mesmo assim, esse valor é pequeno se comparado aos US$ 16 trilhões em pagamentos processados pela Visa no ano passado.
Perspectivas para mercados emergentes
Em regiões onde o acesso a serviços bancários tradicionais e cartões de crédito é limitado, especialmente em mercados emergentes, a Visa vê potencial significativo de crescimento.
Em junho, a empresa firmou acordo com a Yellow Card, companhia global de pagamentos em stablecoin, atuante em diversos países africanos. A parceria visa explorar o uso das stablecoins em operações de tesouraria, gerenciamento de liquidez e remessas internacionais.
Chris Maurice, CEO da Yellow Card, comentou que as stablecoins têm o potencial de se tornar o padrão para pagamentos internacionais fora dos Estados Unidos, justificando os investimentos da Visa e sua colaboração com empresas como a Yellow Card.