CVC expande do espaço físico para o WhatsApp e busca futuro além das excursões tradicionais
A CVC, tradicional empresa de turismo no Brasil, todos os anos garante a reserva de cerca de 1 milhão de assentos junto a companhias aéreas, superando até mesmo algumas companhias regionais nacionais. Além disso, é responsável por ocupar um terço das cabines de navios de cruzeiro operando no país, o que demonstra a grandeza do seu alcance. Entretanto, mesmo após mais de cinco décadas no mercado, a empresa quer mostrar que sua atuação vai muito além dos pacotes de excursão em grupo, seu principal símbolo até então.
Nos últimos dois anos, a CVC acelerou a sua transformação para se tornar uma companhia “figital”, unindo a presença física das lojas tradicionais com a agilidade das vendas digitais. Hoje, suas lojas funcionam não apenas como pontos de venda, mas como centros de atendimento digital, onde 56% das transações iniciam ou são finalizadas pelo WhatsApp, usando um sistema exclusivo desenvolvido em parceria com a Meta.
O CEO da empresa, Fábio Godinho, enfatiza que “o cliente não precisa mais entrar pela porta da loja, pode acessar todas as ofertas pelo celular”. Godinho, que tem ligação estreita com a família Paulus, fundadora da companhia, retornou ao comando em meados de 2023, com a missão de restaurar o foco nas vendas de pacotes turísticos e impulsionar a empresa. Agora, o executivo busca consolidar a CVC como líder entre as vendas online, ampliar receitas com clientes comerciais e ingressar no segmento de turismo de luxo.
Retorno da família fundadora
Guilherme Paulus, criador da CVC em 1972, e sua família haviam deixado de possuir ações da empresa desde o fim de 2019, após um período turbulento marcado por investigações da Polícia Federal relacionadas a uma acusação de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), envolvendo até delação premiada do próprio Guilherme. Além disso, os balanços financeiros daquele ano apresentavam inconsistências.
Com a chegada da pandemia, o setor de viagens sofreu uma queda drástica na demanda, levando a CVC a renegociar suas dívidas em diversas ocasiões e a realizar duas rodadas de aumento de capital privado, em 2020 e 2021, para manter sua liquidez.
Em 2023, pressionada pelo elevado endividamento, a empresa realizou um follow-on que permitiu o retorno dos fundadores como acionistas majoritários. Dois fatores impulsionaram essa decisão: o valor de mercado da companhia, que havia caído para cerca de R$ 1 bilhão — bem abaixo dos R$ 5 a 6 bilhões pré-pandemia — e a conexão pessoal da família, para quem a CVC é uma parte essencial de sua história e legado.
Atualmente, os Paulus controlam cerca de 20% da companhia, com a Opportunity detendo 7,8% e a Absolute 8,7%. Gustavo Paulus, filho de Guilherme, integra o conselho de administração acompanhando de perto essa fase de reestruturação.
Da agência física ao atendimento pelo celular
O modelo em que a empresa atua foi revitalizado com a expansão acelerada das lojas físicas, que cresceram quase 200 unidades ao ano, totalizando mais de 1.500 pontos em operação. Essa estrutura, combinada com custos baixos para os franqueados, ajudou a CVC a alcançar clientes em regiões antes não atendidas, especialmente no interior do Brasil.
A aposta na estratégia figital é o aspecto mais visível dessa transformação, mas a companhia também vem adotando técnicas de gestão baseadas em companhias aéreas, como a aplicação de ferramentas de revenue management e precificação dinâmica. Inteligência artificial está sendo implementada por meio de algoritmos que ajustam preços em tempo real de acordo com a demanda e dão suporte com ofertas personalizadas para a equipe de vendas.
No marketing, a CVC direciona cerca de 70% do investimento em publicidade para as redes sociais, aproveitando datas promocionais populares no varejo digital, como as campanhas de 7/7 e 8/8, para ampliar o tráfego e as conversões.
Essas iniciativas já refletem no perfil dos consumidores: embora a faixa etária acima de 60 anos continue significativa, o segmento que mais cresce é o dos jovens de 18 a 25 anos, que apresenta expansão de 35%, enquanto o crescimento geral da empresa gira em torno de 15%.
O crescimento desse público sinaliza um enfrentamento direto à concorrência das OTAs (Online Travel Agencies), como Decolar — adquirida pela Prosus no final de 2023 — Booking.com e Airbnb, que atuam fortemente no mercado pós-pandemia. Fábio Godinho destaca que, diferente das plataformas puramente digitais, a CVC oferece diferenciais como garantia de disponibilidade, preço competitivo, além de suporte e atendimento personalizados, graças ao relacionamento sólido com fornecedores como companhias aéreas, hotéis e cruzeiros.
Ampliando horizontes além do turismo tradicional
A CVC, que estava bastante associada à venda de pacotes turísticos para famílias, trabalha para diversificar suas fontes de receita e estar preparada para diferentes cenários econômicos, incluindo períodos de juros elevados, como o atual, e possíveis retrações na demanda.
O segmento B2C (venda direta ao consumidor) permanece o principal pilar de negócios, oferecendo pacotes com tíquete médio entre R$ 4 mil e R$ 6 mil. A empresa tem ampliado as opções de pagamento, incluindo financiamento, boletos, cartões de crédito, uso do saque-aniversário do FGTS e pontos de programas de fidelidade, como o Livelo. No ramo de intercâmbios, mantém a Experimento, consolidada no setor educacional.
Na esfera B2B (negócios entre empresas), a CVC abastece agências parceiras com passagens aéreas e hospedagens através de marcas como Rextur Advance, Trend e Conectas. Embora as margens sejam menores, esta operação é mais estável e tem o objetivo de representar aproximadamente 20% da receita total do grupo.
Além disso, a operação na Argentina apresentou um crescimento expressivo de 37% no segundo trimestre, com margens acima de 20%, impulsionada pela retomada do poder aquisitivo das famílias de maior renda no país vizinho.
Para alcançar o mercado de alto padrão, a CVC relançou neste ano a marca Visual, especializada em turismo de luxo, com pacotes que giram em torno de R$ 10 mil a R$ 15 mil, atendendo agências focadas nesse segmento. Gustavo Paulus destaca que o objetivo é compor um portfólio diversificado para equilibrar resultados entre diferentes segmentos do negócio.
Desafio com a elevada dívida
Apesar da modernização e expansão, a companhia ainda enfrenta o obstáculo de um endividamento significativo. Em 2023, quando a nova equipe assumiu, a CVC possuía quase R$ 800 milhões em debêntures. Atualmente, esse montante já foi reduzido para cerca de R$ 550 milhões, com contratos renegociados que reduziram a taxa de juros de CDI +7% para CDI +4,5%.
O problema está no custo total da dívida. Com o CDI em patamares elevados, a despesa financeira continua pressionando a empresa. Conforme relata o CFO Felipe Gomes, embora tenham obtido progressos, a companhia ainda enfrenta um custo alto para se financiar. Para mitigar, foi criada uma mesa de antecipação de recebíveis, que aumenta a concorrência entre bancos e fundos, além de melhorar condições em negociações diretas com parceiros financeiros. O custo da dívida caiu de aproximadamente 130% do CDI para cerca de 110%.
Analistas do Bank of America alertam que os custos financeiros ainda limitam a criação de valor para a empresa, enquanto o BTG Pactual reconhece avanços na disciplina financeira, mas ressalta que a taxa de juros de 15% mantém o ambiente restritivo para a CVC.
Apesar dos desafios, o balanço do segundo trimestre de 2025 mostra sinais positivos: a receita líquida cresceu 16% em relação ao mesmo período do ano anterior, atingindo R$ 704 milhões, o EBITDA aumentou 31%, para R$ 92 milhões, e a geração operacional de caixa alcançou R$ 130 milhões.
O mercado consumidor final é impactado pelos custos mais elevados das passagens aéreas, menor disponibilidade de cruzeiros e altos juros, que encarecem os pacotes de viagem. “O cenário é complicado”, reconhece Godinho, “mas conseguimos compensar com a força do segmento B2B e os resultados na Argentina.”
No mercado acionário, a trajetória da CVC também reflete os altos e baixos. Se no passado suas ações chegaram a superar o valor de R$ 50, hoje oscilam perto de R$ 2,15, evidenciando a desvalorização da última década. Entretanto, em 2025 o papel já apresentou valorização superior a 40%, sugerindo que parte dos investidores está confiando na retomada da empresa.