O Mercado Privado como Novo Referencial de Exclusividade no Universo dos Investimentos
Durante bastante tempo, investir no exterior foi considerado o ápice da sofisticação para os investidores brasileiros mais abastados. Abrir contas em gestoras internacionais, dolarizar os recursos e acessar fundos globais não era apenas uma escolha estratégica, mas também um símbolo de status social. Ter ativos offshore indicava estar “à frente” financeiramente e garantir uma imagem de exclusividade.
No entanto, esse cenário está passando por mudanças significativas. A globalização dos mercados, somada à digitalização dos serviços financeiros e à entrada de grandes plataformas que facilitam o acesso internacional, diluíram o prestígio exclusivo das aplicações no exterior. Hoje, ainda que investir fora do país continue sendo importante, tal estratégia já não representa, apenas por si, um selo de exclusividade.
O novo código de distinção no setor financeiro migrou para o universo dos private markets, que inclui private equity, venture capital, crédito privado, ativos reais e co-investimentos em companhias ainda não abertas ao público. Para diversos gestores, participar desses fundos representa a verdadeira exclusividade financeira contemporânea.
“O capital financeiro abre a porta, mas o acesso genuíno exige uma combinação de tamanho mínimo, alinhamento de interesses e reputação”, destaca Wilson Barcellos, CEO da Azimut Brasil Wealth Management.
O que determina a exclusividade nos investimentos atuais?
Surgem reflexões importantes: será que ter um alto valor mínimo para investimento é suficiente para garantir exclusividade? Ou existem barreiras mais complexas, como reputação, networking e disciplina de médio e longo prazos? Os fundos realmente mais exclusivos entregam retornos diferenciados ou apenas simbolizam prestígio social? E até que ponto esse segmento tende a se expandir ou vai permanecer reservado à elite financeira?
Para entender essas questões, a Forbes consultou cinco executivos com experiência diária nesse segmento, visando oferecer um panorama do perfil desse público seleto, sem indicar investimentos específicos.
Oportunidades internacionais e inovação como pilares da exclusividade
Um consenso entre especialistas é que a exclusividade saiu do simples ato de investir no exterior e passou para a capacidade de acessar oportunidades globais, especialmente aquelas em que o gestor conhece profundamente cada companhia investida. Esse universo é, sim, exclusivo, mas não pequeno: o mercado privado não listado é estimado em pelo menos 60 vezes o tamanho do mercado público listado. Um exemplo emblemático é a OpenAI, avaliada em US$ 300 bilhões (cerca de R$ 1,63 trilhão) sem estar listada em bolsa.
Luis Ferreira, CIO e vice-CEO do EFG Asset Management para as Américas, afirma: “Esses investimentos são especiais porque podem reduzir a volatilidade da carteira e aumentar o potencial de retorno, devido à baixa correlação com ativos listados”.
A dimensão da exclusividade está vinculada à inovação e inclui estratégias variadas, como private equity, venture capital, crédito estruturado, ativos ilíquidos e, ultimamente, ativos digitais tokenizados. Sharon Halpern, sócia e private banker da Blackbird Investimentos, observa: “Esses mercados formam a fronteira investimental onde poucos conseguem entrar; não basta ter patrimônio, é preciso conhecimento, relacionamento e capacidade para manter capital investido por longos períodos”.
Barreiras para ingressar neste seleto grupo
A entrada nesse universo não é determinada só pela grande alocação financeira, mas também pelo quanto o capital do investidor agrega valor à tese de investimento. Isso inclui conhecimento setorial, capacidade decisória rápida, reputação no mercado e habilidade para atrair recursos adicionais. Leonardo Camozzato, sócio-gestor da HMC Capital, ressalta que “muitos gestores buscam investidores que tragam conhecimento ou rede de contatos, facilitando o acesso a novas oportunidades”.
Esse perfil de investidor não é composto somente por grandes single family offices, mas também por multi-family offices, wealth managers e private banks que conhecem profundamente sua carteira de clientes e apresentam isso no mercado. O processo de acesso a esses fundos é complexo, implica compromissos de longo prazo (lock-ups que ultrapassam 10 anos), chamadas de capital durante o tempo de investimento e rigorosa seleção dos gestores (due diligence). Ter alta riqueza financeira, por si só, não garante participação.
“O capital abre a porta, mas o acesso real requer escala mínima, alinhamento de interesses e credibilidade”, enfatiza Wilson Barcellos.
Para atingir níveis de ultra exclusividade, é preciso agrupar investidores que compartilhem necessidades e horizontes compatíveis, garantindo políticas de alocação coerentes e sustentáveis. Após o aporte, o acompanhamento é altamente personalizado, distinto dos fundos tradicionais, exigindo não apenas recursos, mas também um histórico sólido e maturidade para administrar ativos mais complexos.
Segundo Ferreira, “os principais fundos selecionam investidores baseados em relações de confiança construídas ao longo do tempo, reputação e disciplina. Muitos têm capacidade limitada e preferem trabalhar com investidores conhecidos ou indicados. Não basta apenas ter dinheiro; acesso é fundamental”.
Horizontes, retornos e as nuances da expansão do mercado
Os fundos mais desejados continuam reservados a poucos, dada a prioridade a investidores tradicionais ou com relacionamento próximo aos gestores. Por outro lado, já existem estruturas menos restritivas que possibilitam entradas menores, como fundos semi líquidos, feeders (fundos nacionais replicando estratégias multinacionais) e outras soluções estruturadas.
Versões menos exclusivas disponibilizam fundos alternativos em plataformas públicas, com entradas mínimas a partir de cerca de R$ 1 milhão. Internacionalmente, esses fundos já fazem parte da carteira dos perfis mais sofisticados.
Embora o interesse por esse universo cresça, as opiniões divergem sobre sua expansão em território brasileiro. Barcellos comenta: “Há um movimento gradual, mas a porta segue estreita devido à necessidade de capital elevado, relacionamento próximo e sofisticada compreensão das estratégias, que geralmente têm baixa liquidez”.
Mario Nevares, sócio da G5 Partners, acredita que a ampliação dependerá do entendimento dos investidores brasileiros sobre esses fundos, suas limitações e valor agregado ao longo do tempo. Sharon Halpern acrescenta: “Não se trata de massificação, mas de crescimento gradual; mais brasileiros qualificados terão interesse, porém poucos alcançarão o acesso. Essa exclusividade decorre da própria natureza dos ativos e do capital exigido”.
Diferenciando exclusividade e performance financeira
Exclusividade não significa necessariamente obtenção de retorno superior ou melhor performance. Seu valor depende de entregar resultados como menor volatilidade, potencial de geração de valor e descorrelação com ativos tradicionais. Ou seja, exclusividade vai além do status — o investidor corre o risco de pagar caro por algo sem retorno satisfatório.
Camozzato esclarece: “Não há dados que atestem que o acesso exclusivo proporciona retornos maiores. No entanto, investidores que permanecem nesse universo restrito costumam conseguir retornos consistentes e acesso contínuo a novas oportunidades”.
Mas será que os integrantes desse grupo superexclusivo se preocupam realmente com os ganhos financeiros? Barcellos considera: “Investir em um círculo seleto, com contatos diretos a gestores e acesso a oportunidades únicas, agrega valor intangível que supera a mera performance. Exclusividade também representa distinção social e sensação de pertencimento”.
O desafio para o investidor está em distinguir fundos que oferecem apenas status de exclusividade daqueles em que sofisticação e barreiras de entrada geram vantagens reais, como governança aprimorada, alinhamento de interesses e acesso privilegiado. Sharon conclui: “Mais do que buscar o selo de exclusividade, o investidor deve avaliar se esse acesso realmente traz valor no longo prazo”.