Como um Gravador Transformou uma Startup em Referência Lucrativa no Setor de IA
Fundada por Nathan Xu, a Plaud já comercializou mais de 1 milhão de dispositivos capazes de gravar, transcrever e resumir agendas complexas.
Em uma manhã chuvosa de julho, em uma cafeteria sofisticada de Amsterdã, Nathan Xu preparou-se para uma série de reuniões. Com um sorriso, ele solicitou permissão para registrar as conversas e prendeu em sua camisa um pequeno aparelho parecido com um pen drive. Ao ativar o dispositivo, que tem formato de cápsula, iniciou-se a gravação, a transcrição e o resumo do diálogo, captando tanto a sua voz quanto a dos presentes. Desenvolvido pela Plaud, empresa com bases em São Francisco e Shenzhen, esse dispositivo suporta até 20 horas de gravação com uma única carga e utiliza microfones integrados ao seu software aliado a ferramentas avançadas de inteligência artificial, como o ChatGPT.
Sucesso do NotePin e o Crescimento do Setor
Conhecido como NotePin, o equipamento conquistou rapidamente um público fiel. Desde seu lançamento em 2023, mais de um milhão de unidades foram vendidas para profissionais sobrecarregados, como médicos e advogados, que enfrentam longas jornadas com demandas intensas de memória. Essa trajetória posiciona a Plaud como uma das precursoras na modernização de ferramentas de IA, que se deslocam dos tradicionais smartphones e laptops para dispositivos diretamente vinculados ao corpo. A empresa de Xu superou concorrentes americanos como Rabbit e Humane, que, embora promovessem assistentes com IA, apresentaram produtos caros e pouco funcionais. O mercado deste segmento já atraiu cerca de US$ 350 milhões (R$ 1,9 bilhão) e cresce com o surgimento de startups como Omi e Limitless, além de aquisições estratégicas, como a da Bee pela Amazon e investimentos da OpenAI em tecnologia de ponta assinada pelo designer Jony Ive.
Transformação no Uso e Questões Éticas
A Plaud aproveita uma mudança perceptível no comportamento tecnológico: atualmente é comum empregar bots de anotação em reuniones virtuais. Enquanto esses “secretários digitais” tornaram-se padrão em ambientes corporativos, a resistência à gravação em locais públicos diminui. Pia d’Iribarne, cofundadora da New Wave VC — investidora da Bee — comenta que a expectativa atual é que praticamente todos os encontros, até mesmo em cafés, sejam gravados. Ciente das preocupações envolvendo a privacidade, Xu enfatiza que a Plaud posiciona seus produtos como ferramentas profissionais, incentivando os usuários a sempre pedir consentimento antes de iniciar a gravação. Embora a utilização desses gravadores corporativos levante debates éticos e legais, principalmente em locais com leis rigorosas como a Califórnia, a Plaud foca exclusivamente na produtividade corporativa, evitando incursionar na vida pessoal dos usuários.
Modelo de Negócio Rentável e Independente
Diferenciando-se de muitas startups de IA, a Plaud não apenas gera receitas elevadas, mas também apresenta lucro consistente. Com o NotePin avaliando US$ 159,00 (R$ 866,00) e assinaturas anuais de transcrição a partir de US$ 99,00 (R$ 540,00), a projeção é atingir um faturamento anual de US$ 250 milhões (R$ 1,3 bilhão) em 2025. Nathan Xu destaca que suas margens são comparáveis às da Apple, que obtém 25% de lucro sobre cada iPhone vendido. Contrariando a prática comum no setor, a empresa cresceu sem financiamento de capital de risco, sendo financiada inicialmente pelo montante levantado em fundraising de US$ 1 milhão (R$ 5,4 milhões), além dos recursos dos fundadores. Apesar disso, o mercado aquecido apresenta grande competição, sobretudo por parte de empresas chinesas como Xiaomi e Huawei, e diversas fábricas locais prontas para replicar produtos rapidamente.
Trajetória e Inovação de Xu até a Plaud
Formado na Universidade de Wuhan, Nathan Xu iniciou sua carreira no setor bancário, mas decidiu investir no empreendedorismo após uma disciplina de inovação. Teve experiências fracassadas no desenvolvimento de plataformas para estudantes internacionais e outras startups, até se tornar um investidor de risco na China Growth Capital, onde aportou em companhias digitais importantes como o banco indonésio Akulaku. Em 2021, ao perceber em Shenzhen o potencial dos gravadores inteligentes e o sucesso de aplicativos de transcrição, Xu apostou que a junção de hardware apurado com inteligência artificial conquistaria consumidores globais. Junto com Charles Liu, já fabricante de wearables, eles criaram o Izyrec, um gravador controlado por aplicativo, que inicialmente teve popularidade em espionagem doméstica, mas que se transformou com o lançamento do Plaud Note, um gravador compacto, pensado para facilitar a rotina de profissionais em múltiplas reuniões.
Passagem para Software e Expansão de Receita
Apesar de ter preço três vezes maior que o Izyrec, o Plaud Note rendeu US$ 1 milhão (R$ 5,4 milhões) só em pré-venda, graças à sua integração com o ChatGPT, que viabiliza transcrição e resumo eficazes das chamadas. Isso alavancou a Plaud de um simples revendedor de gadgets para uma provedora de serviço premium de software. Atualmente, metade do faturamento da startup provém dessas assinaturas, e Xu planeja ampliar o portfólio para atender empresas. Seu objetivo é alcançar uma avaliação semelhante à da Abridge, startup avaliada em US$ 5,3 bilhões (R$ 28,8 bilhões). Entretanto, reconhece que gigantes como Apple e Google poderiam entrar no ramo a qualquer momento, com inovações próprias. Por ora, a Plaud mantém uma base dedicada de usuários que valorizam recursos como maior bateria e aprimoramento de microfones, enquanto Xu já pensa em lançar dispositivos em formatos inovadores, como anéis ou fones de ouvido, visando criar mais que um gravador, mas um verdadeiro assistente inteligente de trabalho.
Estratégia e Presença Global
Devido à intensa competição de fabricantes chineses e à facilidade de cópias, a Plaud optou por focar suas vendas no mercado internacional. Xu explica que no mercado chinês a competição é extremamente violenta e baseada em preços baixos. A empresa está desenvolvendo modelos de transcrição especializados em consultas médicas, reuniões comerciais e outros usos frequentes. Recentemente, adquiriu uma startup de São Francisco especializada em softwares para hospitais, reforçando sua atuação no setor de saúde, área de interesse também de empresas como Microsoft e startups bilionárias. A Plaud inaugurou um escritório em São Francisco em 2023, base hoje do CEO e cerca de 20 funcionários, entre os 200 colaboradores globais. Enquanto isso, a parte concentrada em hardware permanece em Shenzhen. Mesmo com essa integração sino-americana, Xu enfatiza que a Plaud é uma empresa americana, registrada em Delaware e que mantém seus dados em servidores da Amazon nos Estados Unidos.



