Nova York: A espera de 16 horas para assistir a uma peça de Shakespeare faz sentido
Em Nova York, enfrentar uma fila para prestigiar um espetáculo não é novidade, mas a disposição de aguardar desde as 2h30 da manhã surpreende.
A tradicional fila para o evento gratuito Shakespeare in the Park, apresentado ao ar livre, tornou-se tão emblemática quanto a própria peça. Este verão, o desafio aumentou significativamente.
Isso se deve à reforma de US$ 85 milhões do Teatro Delacorte, no Central Park, que acarretou uma pausa de um ano no evento. Além disso, a produção atual traz um elenco estelar com nomes como Sandra Oh, Peter Dinklage e a ganhadora do Oscar Lupita Nyong’o. O conselho é claro: chegue cedo para garantir seu ingresso.
A estudante de pós-graduação Kelly Gregor e seu marido chegaram à fila às 2h30 da manhã em um dia útil recente, preocupados com a dificuldade para conseguir entradas. Eles se instalaram na extremidade oeste do parque, que só é aberto às 6h. Aos poucos, centenas de pessoas se acomodaram próximas deles, usando cobertores e cadeiras.
Com chocolate e pipoca à mão, Kelly pretendia descansar um pouco, mas o frio do fim de verão impediu seu sono. Seu marido teve que voltar para buscar roupas extras enquanto alguns participantes da fila pediam sopa quente de restaurantes próximos.
Quando o parque finalmente abriu e as pessoas entraram, a fila já era ainda maior. “Para os padrões de Nova York, isso é surpreendentemente organizado”, comentou Timm Ryan-Young, morador do Brooklyn, que recordou situações de outras filas onde pessoas guardavam lugar para ir correr por 45 minutos.
Para Ryan-Young, o espetáculo tornou-se uma tradição. No entanto, a procura este ano exigiu resistência redobrada: suas duas primeiras tentativas para conseguir ingressos falharam por ele ter chegado tarde. Na terceira, ele e sua filha universitária estiveram na fila desde 1h30 da manhã e finalmente foram bem-sucedidos.
Outro espectador, Michael Mahoney, chegou por volta das 5h45 com a esposa e acreditava ter boas chances por estarem próximos a um local que alguns fãs apelidaram de “Rocha Sem Esperança”. Mesmo assim, não conseguiram ingressos.
O desafio de conseguir ingressos
Alguns nova-iorquinos buscam alternativas para escapar das longas filas, mas o desafio de obter ingresso para o evento persiste.
A Same Ole Line Dudes, que se autodenomina “a principal equipe especializada em filas de Nova York”, recebeu este ano o dobro das solicitações para a peça no parque. Robert Samuel, fundador da empresa, explica que cobram US$ 25 por hora, com mínimo de duas horas, além de uma taxa extra de US$ 15 para quem ficar na fila antes das 7h.
Por exemplo, um grupo de turistas mexicanos pagou US$ 795 por seis ingressos entregues diretamente em seu hotel.
Porém, mesmo profissionais às vezes não conseguem, pois a procura surpreende e há pessoas dispostas a aguardar até 16 horas para garantir as entradas. Samuel relata que, somente neste verão, a espera de 16 horas ocorreu três vezes, comparado a uma vez nos onze anos anteriores.
A última semana do evento, que tem início previsto para 9 de setembro, promete ser ainda mais concorrida. “Não sei se teremos que começar a montar fila às 23h da noite anterior como alguns já fizeram, mas manteremos o monitoramento”, afirmou Samuel.
Outras tentativas para conseguir ingressos também ficaram aquém do esperado, como a participação em loterias presenciais ou online, e a procura em locais secundários de distribuição, que antes costumavam ter filas menores.
June Joseph, moradora de Yonkers, inicialmente planejava chegar ao local no Bronx por volta das 7h, mas uma colega avisou que isso seria muito tarde. Ela ajustou seus planos e apareceu às 4h40, encontrando várias pessoas já na fila. Suas experiências anteriores em espera extensa no Walt Disney World a prepararam para esse tipo de situação.
Para o elenco da peça, que inclui o irmão da atriz Lupita Nyong’o, Junior Nyong’o, as filas extensas geram responsabilidade. “Tem pessoas esperando desde as 2h ou 3h da manhã”, disse Junior. “Isso nos faz querer começar o espetáculo à altura.”
Doações como alternativa às filas
Quem prefere evitar a longa espera pode optar por se tornar doador da Public, organização sem fins lucrativos que distribui ingressos para o Teatro Delacorte aos seus colaboradores.
Contudo, segundo o diretor executivo Patrick Willingham, essa alternativa se tornou mais custosa: a doação mínima aumentou para US$ 3.000 em troca de quatro ingressos. Anteriormente, a contribuição mínima para garantir uma única entrada era de US$ 300. “Não há atalhos para conseguir ingresso sem aderir ao sistema”, ressaltou Willingham.
No caso de Kelly Gregor, a estratégia de chegar muito cedo deu frutos, apesar do desgaste da falta de sono. No dia da apresentação, ao chegarem, ela e seu marido perceberam que haviam esquecido os ingressos em casa. Após uma corrida para recuperá-los, conseguiram retornar a tempo para o espetáculo das 20h.
Gregor afirmou ter gostado muito da produção, mas não tem certeza se seu marido aproveitou tanto, pois “ele dormiu duas vezes” durante a espera.



