A Longa Jornada Do Planejamento Financeiro No Brasil

A Longa Jornada Do Planejamento Financeiro No Brasil

A longa jornada do planejamento financeiro no Brasil

O Brasil apresenta uma quantidade menor de planejadores financeiros certificados por habitante em comparação a países como Estados Unidos, Canadá e Hong Kong.

Por Ana Leoni, Valor Investe — São Paulo

13/10/2025 06h44 Atualizado agora

corrida — Foto: Getty Images

Na última semana, vivi uma imersão profunda no universo do planejamento financeiro durante minha estadia em Chicago, EUA. Além de sediar a 47ª maratona da cidade, Chicago também foi o local do Congresso Anual do CFP Board — a entidade americana que define os padrões de excelência para planejamento financeiro e certifica profissionais com o título CFP® nos Estados Unidos — e da reunião anual do FPSB (Financial Planning Standards Board), que exerce papel similar em nível global. Ao longo de vários dias, houve uma intensa troca de experiências, práticas, desafios e oportunidades vinculadas à atividade, com a presença de mais de 20 delegações internacionais.

Um dos dados que chamou atenção durante esses cinco dias de trabalho foi um levantamento apresentado pelo FPSB que revela a proporção média entre a população adulta (entre 25 e 69 anos) e o número de planejadores financeiros certificados CFP® em diferentes países.

Entre os países participantes do estudo, os líderes no ranking são Canadá (1.343 adultos por profissional), Hong Kong (1.385) e Estados Unidos (1.916). Em contrapartida, França (58.541), Tailândia (64.057) e Índia (236.694) têm as maiores proporções, ou seja, menos planejadores certificados em relação à população adulta. No Brasil, essa relação é de 11.644 adultos para cada planejador financeiro certificado dentro da faixa etária considerada na pesquisa.

O que esses números indicam?

Enxergando a situação pelo lado pessimista, esses índices mostram o quanto o Brasil ainda está distante de formar uma sociedade que compreenda o planejamento financeiro como um serviço fundamental. A proporção elevada de brasileiros por profissional evidencia o enorme desafio educacional para o setor. Em nosso país, tal como em muitos outros, ainda existe uma associação equivocada que restringe a utilização desse serviço às pessoas com altos patrimônios, algo que precisa mudar urgentemente.

Por outro lado, analisando com otimismo, esses dados configuram uma avenida enorme para o crescimento do segmento. Tanto no Brasil quanto em diversas outras nações, a demanda reprimida é evidente e vem aumentando. Cada vez que o conhecimento é transformado em prática, abre-se espaço para consolidar uma nova cultura financeira. Com o contexto econômico cada vez mais complexo, os brasileiros certamente irão buscar apoio profissional para tomar decisões mais seguras e estruturadas, iniciando e dando sustentabilidade a uma vida financeira organizada e saudável.

Nos países em que há uma menor proporção de adultos por planejadores certificados CFP®, o planejamento financeiro é uma prática mais incorporada ao cotidiano. A contratação desses profissionais é vista como algo natural e quase indispensável para manter o equilíbrio das finanças pessoais, equiparando-se à importância de ter um médico de confiança ou um advogado de referência. Nesses locais, entende-se que o dinheiro não é apenas um meio para consumo imediato, mas sim um recurso que deve ser diagnosticado, monitorado e usado para viabilizar projetos de vida.

No Brasil, por sua vez, convivemos com uma relação ambígua em relação ao dinheiro. De um lado, há uma crescente sofisticação nos produtos financeiros, o acesso digital a investimentos e a necessidade premente de decisões estruturadas. Por outro lado, ainda prevalece a prática de enfrentar desafios financeiros de forma improvisada, baseada em orientações familiares, dicas de amigos ou informações dispersas retiradas da internet. Dentro desse contexto, o planejamento profissional ainda é encarado por muitos como um privilégio, quando, na verdade, deveria ser visto como uma ferramenta essencial para organização e tranquilidade financeira.

Enquanto países com mercados mais maduros já consolidaram o hábito de procurar auxílio especializado, o Brasil passa atualmente por uma fase de conscientização quanto à importância dessa necessidade. O potencial de expansão é enorme. Cada brasileiro que ainda não recorreu a um planejador financeiro representa um futuro cliente em potencial, pois inevitavelmente surgirão momentos em que será preciso organizar aposentadoria, planejar a educação dos filhos ou estruturar questões sucessórias. Cabe a nós transformar essa conscientização em atitude e esta em hábito cultural.

O levantamento elaborado pelo FPSB vai além de um simples ranking comparativo: ele reflete a nossa relação com o dinheiro e serve de alerta para a longa caminhada que ainda temos pela frente até que o planejamento financeiro seja considerado um pilar essencial na vida das pessoas.

A escolha do local do encontro não poderia ter sido mais simbólica. Chicago, uma cidade vibrante, foi o palco perfeito. Foi inspirador observar suas ruas repletas de pessoas de diversos países, todas unidas pelo objetivo comum de cruzar a linha de chegada após os 42 quilômetros de prova. De modo semelhante, nos corredores do congresso, vimos profissionais dedicados e motivados a transformar a realidade financeira de milhões de pessoas pelo mundo. Dois movimentos diferentes, mas com a mesma certeza: cada passo dessa jornada vale a pena.

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