A revolução digital e os novos horizontes do franchising
Mais do que focar apenas em padronização e crescimento em escala, o franchising está entrando em um novo período marcado pelo digital, pela sustentabilidade e por um direcionamento claro em torno de propósitos. Nesta nova fase, a tecnologia, a confiança mútua e a colaboração são os elementos que determinam o êxito das redes de franquias.
Originado nos Estados Unidos, o franchising é reconhecido há décadas como uma das estratégias mais eficientes para expansão comercial. Sua lógica de replicabilidade e escalabilidade possibilitou a transformação de marcas locais em redes de alcance global. No Brasil, esse modelo se consolidou como parte fundamental da economia, atuando fortemente em segmentos como alimentação, educação, saúde, beleza e serviços. Além disso, setores como tecnologia, agronegócio e infraestrutura, tradicionalmente menos ligados ao franchising, também têm aproveitado esse sistema para crescer de maneira estruturada e estratégica.
Embora tenha começado como uma metodologia focada em padronização e crescimento de unidades, o franchising está se adaptando à era digital, que traz mudanças no comportamento do consumidor e uma economia cada vez mais conectada e pautada por valores. O foco atual ultrapassa a simples multiplicação de franquias, buscando também ampliar experiências, fortalecer relacionamentos e disseminar valores.
O livro “Franchising – A Revolução das Estratégias de Expansão dos Negócios no Mundo Digital”, lançado recentemente por Claudia Bittencourt, sócia-fundadora e presidente do conselho consultivo do Grupo BITTENCOURT, aprofundou justamente esse tema. A obra, de mais de 420 páginas, que resultou de quatro anos de pesquisa e 40 anos de prática em mais de 3 mil projetos nacionais e internacionais, explora como o franchising pode ser compreendido e utilizado de forma inovadora, sustentável e consciente no século XXI.
Um modelo de expansão bem estabelecido
Fundamentalmente, o franchising é um sistema em rede que demanda que a marca possua um modelo de negócio testado, documentado e replicável, facilitando que empreendedores operem sob sua bandeira. Ao seguir essas premissas, a probabilidade de sucesso do empreendimento aumenta consideravelmente.
Os franqueados recebem mais que a licença para uso da marca: contam com suporte contínuo, treinamento especializado, processos estruturados e estratégias alinhadas de marketing e inovação. Esses elementos atuam na mitigação de riscos, oferecem maior segurança e ampliam as chances de prosperidade.
No país, o franchising cresceu rapidamente devido à junção de empreendedores em busca de menor risco com marcas dispostas a crescer pagando por capital de terceiros. Atualmente, redes de franquias estão presentes em todos os estados, gerando milhões de empregos diretos e indiretos.
Por ser um modelo que potencializa os resultados, boas práticas fortalecem toda a rede, enquanto erros e desrespeito a princípios podem comprometer rapidamente a reputação e o desempenho do sistema. Portanto, a rede pode ser uma vantagem ou uma vulnerabilidade, conforme sua gestão.
Como consequência, o franqueador precisa de cuidados redobrados ao expandir. É fundamental não apenas conhecer a fundo o negócio original, mas também avaliar a maturidade organizacional, a saúde financeira, a clareza da proposta de valor e as estruturas necessárias para o sucesso da rede. Decidir franquear é semelhante a fazer um check-up minucioso: somente empresas saudáveis e preparadas devem aventurar-se na expansão.
Digitalização e transformação do franchising
Mesmo antes da era digital, o franchising já era um método importante para expansão, porém ganhou ainda mais relevância com surgimento da internet, redes sociais, e-commerce e plataformas de gestão que revolucionaram as interações entre marcas, franqueados e clientes.
As redes de franquias há tempos ultrapassaram o modelo restrito a lojas físicas. Hoje, o cliente pode conhecer uma marca pelo Instagram, adquirir produtos via aplicativo, optar por retirada física ou entrega domiciliar. Essa integração do físico com o digital, chamada phygital, redesenha a experiência do consumidor e redefine os papéis dentro da rede. Desafios comuns incluem a integração dos canais de venda, o equilíbrio entre marketing nacional e local e a utilização estratégica de dados para toda a rede.
Mais do que apenas técnica, o digital potencializa o fator humano. Tecnologia ajuda a organizar processos, ampliar escalabilidade e fornecer insights, mas o sucesso está na construção de relações de confiança entre franqueador, franqueado e a conexão genuína com o público.
Fundamentos do relacionamento de valor
O franchising transcende uma simples transação comercial, configurando-se como uma parceria de longo prazo entre franqueador e franqueado, que, embora juridicamente independentes, se tornam sócios de fato. A confiança é o alicerce dessa relação.
Para preservar os valores da marca, é crucial que os franqueados compartilhem o propósito do negócio. Portanto, a seleção deve ir além do capital disponível e da experiência prévia, incluindo também o alinhamento de valores, perfil de liderança e capacidade para seguir padrões sem perder a proatividade empreendedora.
Uma cultura organizacional bem estruturada é o pilar invisível que mantém a unidade da rede, assegurando consistência da marca em diversas localidades. Essa cultura deve ser baseada na integridade, maturidade e acordos firmes. Não cabe improvisação. Franquias criadas sem a estrutura adequada, apenas atraídas por investidores, enfrentam elevadíssimos riscos. O profissionalismo, desde o início, com processos claros, manuais completos, suporte constante, comunicação aberta e liderança eficaz, é indispensável.
Consumidores cada vez mais exigentes
Num ambiente onde os consumidores são mais críticos e conscientes, marcas que negligenciam seu impacto social e ambiental perdem espaço. Já aquelas que assumem compromissos sérios com diversidade, inclusão, sustentabilidade e transparência ganham não apenas clientes, mas também franqueados engajados e colaboradores motivados.
Assim, a expansão deve ser sustentável, evitando práticas predatórias. O franchising consciente requer mudança de mentalidade, alinhando-se a movimentos globais como capitalismo consciente e ESG (Environmental, Social and Governance). A ideia é que as redes não apenas alcancem lucratividade, mas atuem também como agentes de impacto positivo social e ambiental.
Essa relação de ganho mútuo precisa ser verdadeira, não apenas retórica. O crescimento deve respeitar os limites da marca, do mercado e da sociedade, gerando valor compartilhado e tornando cada unidade um ponto de influência positiva nas comunidades onde atua.
A importância da preparação para o sucesso
Expandir não é um processo simples ou linear. Existem riscos, desafios e decisões críticas em cada etapa. Um erro comum é a pressa em crescer rápido demais, associando quantidade de unidades a sucesso. Porém, crescimento desorganizado pode causar falta de suporte, falta de uniformidade da marca, insatisfação de franqueados e até colapso da rede.
Outro desafio é a gestão de diferentes perfis de franqueados, que divergem em maturidade, disciplina e visão de longo prazo. A habilidade do franqueador em treinar, acompanhar e engajar é essencial para evitar conflitos e rupturas. Portanto, conhecer o negócio a fundo é importante, mas não suficiente para uma expansão sustentável — planejamento estratégico, avaliação financeira, conformidade jurídica, pesquisa de mercado e flexibilidade são igualmente determinantes.
Liderança e confiança como pilares
No centro de qualquer rede de franquias está a liderança. O franqueador deve atuar como gestor e fonte de inspiração, oferecendo suporte técnico e estratégico e promovendo senso de comunidade. É preciso conciliar autoridade com abertura para escutar, disciplina com flexibilidade.
Greg Nathan, especialista em franchising e autor do prefácio do livro citado, ressalta que a psicologia das redes é tão relevante quanto as técnicas. Franqueados são empreendedores autônomos que precisam sentir-se parte de uma rede maior, preservando sua autonomia. O sucesso da rede depende do equilíbrio entre essas forças; se falhar, os conflitos surgem.
Tensões na relação franqueador-franqueado são naturais, principalmente em vínculos baseados na dependência, gerando expectativas e frustrações que precisam ser administradas.
No entanto, a mentalidade ideal é a da interdependência, marcada pela colaboração: franqueadores oferecem suporte constante, inovação e direcionamento, enquanto franqueados defendem a marca, empenham-se e participam ativamente das iniciativas da rede. Esse modelo colaborativo, com corresponsabilidade pelo crescimento, é crucial para redes saudáveis.
Perspectivas do franchising na economia global
O caminho para o franchising no futuro será guiado por três vetores principais: inovação tecnológica, alinhamento com propósitos claros e a capacidade de construir redes colaborativas.
A tecnologia seguirá sendo a força motriz das transformações, simplificando processos, ampliando operações, criando novos canais de venda e fortalecendo a gestão estratégica por meio de dados e insights para decisões mais rápidas e acertadas. Contudo, sozinha, a tecnologia não garante resultados positivos — é o propósito da marca, claro e genuíno, que direciona escolhas, conecta emocionalmente consumidores e equipes e dá significado às ações.
Além da tecnologia e do propósito, o êxito depende da colaboração e da criação de confiança. O consumidor também integra esse ecossistema, acreditando na marca e engajando-se com suas propostas, o que fortalece a sustentabilidade e agilidade do franchising.
Nesse contexto, o franchising brasileiro possui uma chance singular: usar sua diversidade cultural, criatividade e espírito empreendedor como diferenciais competitivos para se tornar referência global em modelos expansivos que combinam inovação, sustentabilidade e impacto social.



