Calçadista gaúcha anuncia falência após enfrentar tarifaço, enchente e pandemia, acumulando dívidas de R$ 18,3 milhões
A empresa Mulher Sofisticada, localizada em Três Coroas, no Vale do Paranhana — importante polo calçadista do Rio Grande do Sul — encerrou suas operações na segunda-feira, dia 15, e planeja formalizar pedido de autofalência ainda nesta semana.
Fundada em 2012, a produtora dedicada a calçados femininos para grandes marcas nacionais chegou a fabricar até 3.700 pares por dia no auge de sua atividade. Atualmente, conta com aproximadamente 80 colaboradores e produz cerca de 1.500 pares diários.
No decorrer dos últimos anos, a fábrica acumulou uma dívida total de R$ 18,3 milhões, resultado de uma série de crises consecutivas que impactaram sua operação e fluxo financeiro.
Sequência de dificuldades leva empresa à falência
O primeiro problema significativo ocorreu em 2018, quando um dos principais clientes da fábrica deixou de pagar pelos produtos, prejudicando a receita. A seguir, em 2020, a pandemia de covid-19 forçou uma redução da produção pela metade, agravando a situação.
Mais tarde, em 2022, dois clientes importantes do segmento faliram, aumentando ainda mais as dívidas da empresa. Já em 2024, as enchentes históricas no Rio Grande do Sul comprometeram a cadeia produtiva local.
Por fim, em 2025, a imposição de uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras de calçados para os Estados Unidos tornou inviável vários contratos de fornecimento, afetando diretamente a capacidade de negociação da fábrica.
“É um momento muito triste para todos nós. Contudo, é essencial encerrar as atividades para garantirmos o pagamento dos direitos trabalhistas e quitar outras pendências”, declarou João Batista, diretor da Mulher Sofisticada.
Contexto da crise no setor calçadista brasileiro
Este cenário complicado para a Mulher Sofisticada ocorre em um momento de muita instabilidade no setor calçadista do país. O Brasil figura hoje como o terceiro maior produtor mundial de calçados, com uma produção anual em torno de 900 milhões de pares.
Após alguns anos de estabilidade nas exportações, o setor teve um crescimento na primeira metade de 2025. Em junho, a venda ao exterior teve um aumento de 24,5% em comparação ao mesmo mês do ano anterior.
Os Estados Unidos são o principal destino dos calçados brasileiros. Em junho, registraram um crescimento próximo a 40% nas compras, com o embarque de 1 milhão de pares e receita de US$ 20,76 milhões.
No entanto, a recente tarifação de 50% sobre os calçados nacionais para o mercado americano já vem freando esta recuperação. Em comparação, concorrentes chineses pagam uma sobretaxa menor, de apenas 30%.
Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados, afirmou que algumas empresas exportam a totalidade do que produzem, principalmente para os EUA. Essas companhias passaram a ter seus produtos muito mais caros que os importados da China, o que deve acarretar uma perda estimada inicial de cerca de 8 mil empregos diretos.
De janeiro a julho de 2025, as exportações brasileiras de calçados atingiram 59,88 milhões de pares, gerando US$ 574 milhões. Embora tenham apresentado um crescimento de 6,6% em volume e 0,7% em receita na comparação com o mesmo período no ano anterior, os dados indicam uma desaceleração do setor.
Para reduzir os impactos do tarifaço, a Abicalçados está negociando com o governo federal ações compensatórias, como a expansão dos programas de incentivo à exportação, como Reintegra e BEm, além da criação de novas linhas de crédito para as empresas do ramo.



