Após os carros elétricos, surge nova onda chinesa: celulares premium
Huawei, Jovi e Oppo entram em competição em um mercado dominado até então apenas pela Apple e Samsung, disputando os celulares que também são considerados itens de desejo.
Atualmente, o smartphone mais caro disponível no Brasil não é da Apple nem da Samsung. Desde junho, a Huawei retomou a venda de seus smartphones no país, apresentando os modelos Mate X6 e Mate XT, posicionados em um segmento exclusivo. O Mate X6 custa cerca de 40% a mais que o iPhone 16 Pro Max de 1 Terabyte, sendo comercializado por R$ 22 mil, enquanto o Mate XT ultrapassa o dobro desse valor, chegando a R$ 33 mil.
Essa estratégia revela um panorama mais amplo: as marcas chinesas ampliam sua presença no Brasil adotando um novo caminho. Se anteriormente o objetivo era competir por volume entre os aparelhos mais acessíveis, agora elas buscam se destacar como produtos desejados e aspiracionais.
Os celulares de luxo da Huawei se diferenciam por serem “expansíveis”. O modelo X6 possui três telas: uma principal e duas que ficam dobradas para dentro, que ao serem abertas transformam-se em um único display amplo. Já o Mate XT traz um conceito ainda mais inovador, permitindo desdobrar as três telas em um painel de 10,2 polegadas, semelhante ao tamanho de um iPad, configurando-se como um verdadeiro tablet dobrável — algo que a Apple jamais lançou.
Essa movimentação lembra a estratégia adotada pelas montadoras chinesas no setor automotivo. Inicialmente, elas competiam em veículos populares, mas mudaram o rumo ao transformar seus SUVs híbridos em produtos desejados, competindo com marcas tradicionais de luxo como BMW, Mercedes e Porsche — esta última inspirando uma das novas fabricantes chinesas, a Zeekr, a enfrentar essas concorrentes.
A BYD, a principal marca chinesa de carros no Brasil e no mundo, destacou-se com marketing agressivo, chegando a ser o veículo da personagem Solange Duprat na novela “Vale Tudo”, o que reforça sua presença na cultura popular.
Embora marcas chinesas de smartphones ainda não tenham aparição em novelas, isso é algo que pode ocorrer em breve. Para obter relevância e reputação, é preciso construir uma marca, explica Diego Marcel, gerente de relações públicas da Huawei no Brasil. A oferta de celulares premium é parte da estratégia para posicionar a empresa como aspiracional, com a expectativa de depois ampliar participação no mercado com modelos mais acessíveis.
Além de smartphones, a Huawei é uma gigante de tecnologia, atuando em telecomunicações, serviços de nuvem e inteligência artificial para a indústria automotiva. No entanto, a marca havia saído do mercado brasileiro de celulares em 2019, após restrições impostas pelo governo americano liderado por Donald Trump, que acusava a empresa de atuar em espionagem para o governo chinês. Por essa razão, a Huawei não pode usar o sistema Android e desenvolveu seu próprio sistema, o HarmonyOS.
A retomada das operações no Brasil começou com uma loja pop-up no Shopping Cidade São Paulo e ainda este ano deve inaugurar uma loja conceito. No meio digital, os smartphones são vendidos tanto no site oficial quanto em plataformas como Amazon, Shopee, Mercado Livre e TikTok Shop.
O plano da Huawei é lançar também modelos com preços próximos aos do iPhone e Galaxy S para alinhar o Brasil ao ritmo global de lançamentos, garantindo que todos os aparelhos venham da China, com produção nacional só sendo considerada se as vendas atingirem um volume importante.
Lentes de prestígio
Outra marca chinesa que desembarcou em 2025 no Brasil foi a Jovi, criada pela Vivo para distinguir-se da operadora local. Embora seus preços não sejam tão elevados quanto os da Huawei, a empresa mira um público com maior poder aquisitivo e que busca alternativas aos principais modelos disponíveis.
A Jovi montou suas linhas de produção na Zona Franca de Manaus, em parceria com a GBR, e lançou quatro modelos divididos em dois segmentos. Seu modelo V50, que custa cerca de R$ 4,5 mil, oferece características premium como design ultrafino, bateria com longa duração e principalmente uma câmera equipada com lentes Zeiss, renomada fabricante alemã referência em fotografia.
Além dos modelos mais sofisticados, a Jovi também aposta em aparelhos mais acessíveis da linha Y, com preços entre R$ 1,4 mil e R$ 1,8 mil. Ainda assim, esses dispositivos oferecem diferenciais notáveis.
Primeiramente, sua bateria é de 6.500 mAh, 40% superior à do iPhone 16 Pro Max. Por isso, a linha Y é vendida sob o slogan “Rei da bateria”. Em segundo lugar, os celulares possuem certificação militar que garante resistência contra quedas e trincos, conferindo durabilidade comparável a capas protetoras robustas.
Essa escolha não foi casual. A Jovi dedicou um ano para estudar o comportamento dos consumidores brasileiros, identificando que, apesar de não reclamarem de bateria, muitos usuários viviam dependentes de tomadas ou power banks, e que era comum encontrar aparelhos com telas danificadas, explica André Varga, diretor de produto da Jovi e ex-executivo da Samsung, líder do mercado nacional. Assim foram definidos os modelos e adaptações necessárias para o mercado local.
Mais do que vender celulares, a Jovi pretende comercializar segurança e confiança. Cada aparelho inclui o pacote “Benefícios 5 Estrelas”: um ano de proteção contra quebra de tela, dois anos de garantia contra defeitos, quatro anos de cobertura para a bateria e cinco anos de revisões anuais gratuitas.
“Ao montar uma fábrica no Brasil e oferecer esse nível de serviço, mostramos intenção de disputar o mercado de maneira consistente”, afirma Varga. A meta da empresa é integrar o grupo das cinco maiores marcas de celulares no país a médio prazo.
Na mesma linha, a Oppo, que chegou ao Brasil em 2024 e também produz em Manaus em parceria com a Multi (antiga Multilaser), oferece aparelhos intermediários e um modelo premium, o Reno 13F. Equipado com a inteligência artificial Gemini do Google e câmera de 50 megapixels, o aparelho custa por volta de R$ 3 mil nas principais lojas e já conquistou uma participação significativa — fontes do mercado apontam que a Oppo representa uma fatia de dois dígitos no volume de vendas em uma das maiores redes varejistas do país.
A expansão generalizada
Esses movimentos individuais refletem uma tendência mais ampla de crescimento das marcas chinesas no setor de eletroeletrônicos no Brasil. De acordo com dados da NielsenIQ, em volume, as marcas chinesas representam 14% das vendas, mas em faturamento alcançam 21%, indicando uma migração para produtos mais caros.
“O crescimento é consistente. Em 2019, a participação em faturamento era de 16%. Atualmente ultrapassa 21%, e a tendência é de alta”, comenta Érica Andrade, gerente de categorias de Áudio e Vídeo da NielsenIQ.
O avanço do domínio chinês não é exclusivo do Brasil. “Em países como Chile e Peru, a participação das marcas chinesas chega a superar 25% em algumas categorias”, ressalta Matheus Rabelo, gerente sênior para Tech&Durables da NielsenIQ.
Com uma base de 138 milhões de usuários de smartphones e projeção de 178 milhões até 2029 segundo a Statista, o Brasil oferece terreno promissor para as fabricantes chinesas, embora romper a barreira dos 80% atual, divididos entre Samsung, Apple e Motorola, seja um desafio. Mesmo assim, o progresso chinês mostra-se sólido, com investimentos, fábricas e estratégias definidas. “Isso não parece passageiro. A tendência aponta para consolidação e não para retrocesso”, conclui Rabelo, relembrando o que ocorreu anteriormente com os carros chineses. E a pergunta que fica é: qual será o próximo setor a sofrer esse tsunami?