Como os Países Quebram: Entenda O Ciclo Econômico Em 9 Passos

Como os Países Quebram: Entenda O Ciclo Econômico Em 9 Passos

Como os países enfrentam a falência? Novo livro de Ray Dalio explica ciclo em 9 etapas; confira trecho

O recente lançamento no Brasil aborda os exemplos de crises econômicas em diversos países nas últimas décadas

O investidor Ray Dalio, durante participação no Fórum Econômico Mundial

Observar a falência econômica de uma nação é uma ocorrência que se repete periodicamente no cenário mundial, com várias nações permanecendo anos à beira do colapso. Países vizinhos ao Brasil, como a Argentina e a Venezuela, por exemplo, têm enfrentado elevado endividamento por longos períodos e chegaram diversas vezes perto do ponto crítico em que não conseguem mais captar recursos para honrar seus compromissos financeiros.

No seu novo livro, “Como os Países Quebram – O Grande Ciclo”, o investidor Ray Dalio, fundador da gestora Bridgewater, reconhecida como o maior fundo hedge global, explora profundamente os mecanismos que envolvem a dívida dos países.

Ciclos de expansão e contração do crédito

Dalio destaca que os ciclos de crescimento e retração do crédito ocorrem ao longo de alguns anos. Embora esses ciclos possam ser normais, eles podem acabar desencadeando crises severas quando os governos cometem equívocos.

Um dos erros é a desvalorização real da moeda, ou seja, perder as garantias de que ela poderá ser convertida em algo de valor sólido, como ouro, dólar ou títulos confiáveis, passando a depender exclusivamente da confiança pública na moeda.

O livro foi lançado em junho nos Estados Unidos e chegou às livrarias brasileiras em setembro, pela editora Intrínseca. A seguir, apresentamos um trecho da obra:

“Minha experiência nos mercados financeiro, junto a uma análise de 35 grandes crises de endividamento ocorridas nos últimos cem anos, nas quais governos centrais e bancos centrais falharam, me permitiu compreender detalhadamente como funcionam os Grandes Ciclos de Endividamento.”

“O que segue é um processo típico que amplia a compreensão do que gera a falência tanto de governos centrais quanto de bancos centrais, e as consequências daí resultantes. Há um aspecto fundamental que merece ser explicado: a distinção entre casos de moeda forte e moeda fiduciária.”

Diferença entre moeda forte e fiduciária

Os casos analisados dividem-se em dois grandes grupos que se comportam de maneira distinta: moedas fortes e moedas fiduciárias. Moedas fortes funcionam quando os governos entregam valores que não podem ser impressos, como ouro, prata ou outra moeda considerada sólida, por exemplo, o dólar.

Historicamente, quando os governos enfrentam dificuldades para obter essas moedas sólidas para pagar suas dívidas, normalmente não cumprem a promessa de pagamento na moeda que não pode ser criada. O valor do dinheiro e das dívidas denominadas nessa moeda despenca ao se romper essa promessa.

Após esse descumprimento, passa-se a operar em um “sistema monetário fiduciário”, onde o valor da moeda depende da confiança e dos incentivos dados pelos bancos centrais.

Essa transição ocorreu recentemente para muitas moedas a partir de 15 de agosto de 1971. Dalio recorda que, na época, trabalhava no pregão da Bolsa de Valores de Nova York e ficou surpreso ao perceber essa mudança, que, segundo ele, já havia ocorrido antes em abril de 1933.

Nos sistemas fiduciários, os bancos centrais controlam as taxas de juros, a monetização da dívida e a oferta de dinheiro para estimular credores a emprestar e manter ativos de dívida.

Ao longo da história, tanto governos com moedas fortes quanto fiduciárias geraram grandes volumes de dívidas. Os governos induzem seus setores privados a aumentar o endividamento, que depois é quitado mediante a impressão de dinheiro, provocando desvalorização cambial e elevação dos preços.

No caso das moedas fiduciárias, a desvalorização ocorre de forma gradativa, diferentemente do que ocorre com moedas fortes, em que a queda é abrupta quando a promessa de convertibilidade de moeda forte é quebrada.

Por exemplo, o Banco do Japão adotou políticas para monetizar dívidas e manter taxas de juros baixas por um longo período, o que resultou em expressiva desvalorização do iene em relação ao ouro, à dívida americana e até ao poder de compra interno, de maneira lenta, mas constante.

Dalio também enfatiza que os Grandes Ciclos de Endividamento geralmente incluem regimes cambiais oscilantes entre moedas fortes e fiduciárias, cada um com consequências extremas e que requerem ações divergentes. Moedas fortes entram em crise devido às limitações para manter o crescimento da dívida, enquanto moedas fiduciárias quebram quando a confiança no dinheiro e na dívida se perde.

Os nove estágios da crise final

A última fase do Grande Ciclo de Endividamento, quando governos centrais e bancos centrais entram em colapso, ocorre em nove etapas típicas. Embora a sequência possa variar e não se concretize de forma exata, a presença desses elementos não saudáveis eleva os riscos de falência.

Existem várias razões para um país quebrar: despesas elevadas acumuladas, envolvimento em guerras dispendiosas, impactos graves de desastres naturais, pandemias, entre outros. Quanto maior o número de fatores adversos, maior a probabilidade de crise.

A sequência das fases problemáticas e as medidas típicas para superar a crise são:

  • O setor privado e o governo assumem altos níveis de dívida.
  • O setor privado enfrenta uma crise de endividamento, enquanto o governo aumenta o endividamento para socorrer o sistema privado.
  • O governo passa por aperto da dívida, com a demanda por seus títulos ficando abaixo da oferta, provocando problemas financeiros e gerando:

a) mudanças na política monetária e fiscal para equilibrar oferta e demanda por dinheiro e crédito; ou

b) uma venda massiva e acelerada dos títulos, deflagrando uma grave crise de liquidez que reduz o tamanho e o serviço da dívida relativamente às receitas. Essa venda intensa é o principal sinal de alerta.

  • A venda de títulos desencadeia simultaneamente:

a) aperto de crédito e monetário impulsionado pelo mercado livre,

b) desaceleração econômica,

c) queda das reservas internacionais,

d) pressão negativa sobre a moeda nacional.

Devido ao impacto econômico, o banco central geralmente tenta facilitar o crédito e aceita a desvalorização cambial. Esses efeitos são observáveis pelo aumento dos juros, especialmente quando os títulos de longo prazo sobem mais rápido que os de curto prazo, acompanhados da perda de valor da moeda.

  • Quando ocorre uma crise e as taxas de juros alcançam o limite inferior (exemplo: 0%), o banco central recorre à criação de dinheiro e compra de títulos para manter os juros longos baixos e facilitar o pagamento das dívidas. Tecnicamente, o banco central “empresta” reservas de bancos comerciais, remuneradas com juros de curtíssimo prazo.
  • Se a venda dos títulos e a alta dos juros persistem, o banco central pode ter prejuízo se o custo dos juros dos passivos superar o retorno dos ativos. Isso é preocupante, mas se torna crítico quando o banco central fica com patrimônio líquido negativo considerável, tendo que emitir mais dinheiro para cobrir o fluxo de caixa negativo. Essa situação é um sinal grave da deterioração do banco central.
  • O passo seguinte é a reestruturação e desvalorização das dívidas. Quando feita de forma eficaz, a chamada “maravilhosa desalavancagem” combina métodos deflacionários (reestruturação de dívidas) e inflacionários (monetização) para reduzir a dívida sem provocar inflação ou deflação excessivas.
  • Nesses momentos, costumam ser implementadas medidas extraordinárias, como impostos adicionais e controle de capitais.
  • Finalmente, a desalavancagem restaura o equilíbrio, alinhando os níveis de endividamento e o serviço da dívida com a capacidade de pagamento. Em muitos casos, ocorre uma depressão inflacionária, desvalorizando a dívida, elevando reservas governamentais pela venda de ativos e, simultaneamente, o banco central promove uma transição forçada de uma moeda em queda para outra mais estável, geralmente atrelada a uma moeda forte ou a um ativo sólido, como o ouro, tornando novamente sustentável as finanças públicas e privadas.

Capa do livro 'Como os Países Quebram' de Ray Dalio

Fonte

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