Crescimento da J&F: De Carne à Energia Nuclear no Brasil

Crescimento da J&F: De Carne à Energia Nuclear no Brasil

Como a J&F, dos irmãos Batista, se tornou o maior conglomerado do Brasil

O grupo liderado por Joesley e Wesley Batista, que gera uma receita anual superior a R$ 400 bilhões, se destacou no mercado brasileiro graças a um modelo próprio de gestão: decisões ágeis, controle rigoroso dos gastos e expansão escalonada.

Quando alguma grande companhia no Brasil está à venda, a primeira ligação costuma ser para a J&F. Isso acontece porque os Batista contam com forte caixa, acesso a crédito e conexões estratégicas, além de agirem rapidamente nas negociações.

Ao contrário da devassa detalhada que muitas empresas realizam antes de uma aquisição, a J&F prioriza avaliar os aspectos essenciais, como custo fixo, margem operacional e estrutura de capital, confiando na experiência para ajustar o restante ao longo do tempo.

Por essa razão, o grupo quase nunca perde uma oportunidade que considere estratégica. Ao decidir pela compra, os Batista sabem exatamente como fazer o negócio crescer, aplicando práticas já testadas em suas outras oito empresas, sem reinventar processos.

A estratégia costuma começar com investimentos modestos para entender a dinâmica do setor e escalar somente após ganhar confiança. “Eles preferem entrar de forma pequena, sentir o funcionamento e depois investir pesado”, explica uma fonte próxima ao grupo.

Esse método prático, repetido há décadas, explica a transformação do grupo, que nasceu de um pequeno açougue em Goiás, em um dos maiores conglomerados privados do país, composto hoje por oito empresas, mais de 300 mil funcionários e um faturamento de R$ 434 bilhões, com presença em 23 países.

Originalmente conhecido pela produção de carne com a JBS, o grupo ampliou sua atuação para a produção de celulose pela Eldorado, bancos e fintechs com o Original e o PicPay, mídia pelo Canal Rural, energia com a Âmbar, mineração via Lhg Mining e produtos de higiene e cosméticos pela Flora.

Uma aposta recente que chama atenção é o setor de energia nuclear. Por R$ 535 milhões, a Âmbar Energia adquiriu a participação da Eletrobras na Eletronuclear, tornando-se parceira do governo na administração das usinas de Angra dos Reis.

Origem e crescimento da J&F

A trajetória do grupo teve início em 1953, quando José Batista Sobrinho, conhecido como “Zé Mineiro”, inaugurou um pequeno açougue em Anápolis (GO) chamado Casa de Carnes Mineira. Na década de 1970, o negócio evoluiu para o frigorífico Friboi, que cresceu alinhado à expansão da pecuária no Centro-Oeste.

Nos anos 1980, seus três filhos homens — Júnior, Wesley e Joesley — assumiram os negócios, reforçando uma cultura familiar baseada em eficiência rigorosa e foco nos resultados financeiros: nada podia ser desperdiçado e cada centavo tinha que ser otimizado.

Dessa filosofia nasceu a primeira diversificação: o reaproveitamento do sebo bovino gerou a Flora, empresa de cosméticos e higiene pessoal liderada por Joesley. Esse movimento simbolizava o diferencial dos Batista — aproveitar integralmente os recursos e evitar desperdícios.

Ao longo dos anos, o Friboi seguiu expandindo ao adquirir frigoríficos em dificuldades, aplicando um modelo de baixo custo e controle estrito. “Frigorífico é um negócio de margens apertadas; descuido leva a prejuízo”, comenta uma fonte do grupo.

A virada significativa veio na década de 2000, quando o frigorífico consolidou sua posição nacional e iniciou sua internacionalização. Em 2005, adquiriu as operações da Swift Armour na América do Sul. Dois anos depois, alterou sua marca para JBS, uma homenagem ao fundador da família.

O IPO da JBS, em março de 2007, foi até então o maior do Brasil, levantando R$ 1,6 bilhão e marcando sua entrada na bolsa de valores. Paralelamente, foi criada a holding J&F Investimentos para abrigar as participações da família e estruturar a expansão internacional que vinha. Ainda naquele ano, adquiriu a Swift & Company por US$ 1,4 bilhão, incorporando operações nos EUA, Austrália e Europa.

O crescimento tornou-se constante: em 2009 a compra da Bertin ampliou a liderança no Brasil e agregou negócios como a Vigor e novas marcas de cosméticos à Flora. Em 2013, aproveitando a crise da Marfrig, adquiriu a Seara, diversificando para suínos, frangos e alimentos processados, enquanto no exterior adicionou a Pilgrim’s Pride (EUA) e a Moy Park (Europa).

Para suprir suas próprias necessidades, o grupo fundou a Eldorado Brasil a partir do aproveitamento de carvão de eucalipto para caldeiras, transformando esse excedente em negócios de celulose — um setor mais lucrativo e complexo.

No setor financeiro, criou o Banco Original a partir da compra do Banco Matone em 2011 e investimento na fintech capixaba PicPay, que hoje figura como uma das maiores do país.

Essa diversificação foi vista estrategicamente como proteção diante da alta volatilidade e margem reduzida da carne bovina. “Ir para celulose e energia trouxe estabilidade financeira e margens melhores”, afirma uma fonte que acompanha o grupo.

Em 2015, a família adquiriu a Alpargatas, dona da Havaianas, mas vendeu a empresa dois anos depois diante da crise do grupo e da delação premiada dos irmãos Batista. Também se desfizeram da Vigor para o grupo mexicano Lala e da fatia da Eldorado Brasil para a Paper Excellence — uma negociação que resultou em longa disputa judicial finalizada apenas recentemente.

A nova fase: energia, mineração e petróleo

Após superar os desafios da Operação Lava Jato, a J&F retomou sua expansão com foco em infraestrutura, investindo em energia, mineração e petróleo.

A Âmbar Energia, criada em 2015, simboliza essa nova etapa. A empresa começou ao adquirir uma termelétrica ociosa em Cuiabá (MT), legado da americana Enron, desconectada por falta de gás e problemas contratuais entre governo e Petrobras. Os Batista identificaram o ativo subvalorizado e investiram para operá-lo.

Esse episódio também envolveu questões políticas relevantes, pois o fornecimento de gás boliviano à usina foi tema em grampos surgidos na delação premiada dos Batista, incluindo negociações com o então presidente Michel Temer.

Após o acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões e o período de prisão domiciliar de Joesley, a Âmbar começou a ampliar seus ativos a partir de 2021, aproveitando a crise hídrica, o aumento do preço do gás natural e a pressão por políticas ESG que levaram muitas empresas a vender usinas térmicas e a biomassa. A privatização da Eletrobras em 2022 acelerou esse movimento, abrindo oportunidades para adquirir usinas licenciadas e conectadas à rede elétrica a preços atrativos.

A companhia pulou de 27 para quase 50 usinas em pouco tempo, incluindo térmicas, hidrelétricas e pequenas centrais, adquirindo ativos estratégicos independentemente de sua fonte energética — o critério é custo-benefício.

Recentemente, a compra da Eletronuclear e a entrada na gestão das usinas de Angra do Reis marcou o passo mais ousado da J&F, demonstrando sua capacidade financeira e influência política.

Simultaneamente, o grupo expandiu sua atuação na mineração ao adquirir de US$ 1,2 bilhão minas da Vale em Corumbá (MS), formando a Lhg Mining, e ingressou no setor de petróleo com a compra da Fluxus, empresa que explora petróleo e gás na Argentina e Bolívia.

Além disso, conseguiram listar a JBS na Bolsa de Nova York após uma espera de mais de dez anos. Um gesto simbólico foi também a recompra da parte da Eldorado Brasil que estava com a Paper Excellence, encerrando um longo litígio e sinalizando a retomada mais seletiva da expansão.

Pessoas e liderança

Os irmãos Joesley e Wesley dividem a liderança desde a saída do irmão Júnior em 2010, que seguiu carreira política e hoje controla a JBJ, fornecedora de gado da JBS.

Joesley é reconhecido como o articulador e vendedor do grupo, dotado de uma habilidade singular para entender pessoas e contextos, facilitando o diálogo com banqueiros e políticos e abrindo portas que outros não conseguem. Um exemplo recente foi sua audiência com o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante a crise tarifária contra o Brasil.

Wesley é o executor, focado em custos, processos e margens. Com profundo conhecimento da operação, desde a desossa do boi até o gerenciamento da produção, aplica sua expertise em todos os negócios do grupo, da carne à energia.

Entre eles, existe um pacto tácito: decisões são tomadas internamente e respeitadas externamente, sem discórdia pública, mesmo quando há divergências.

Na sucessão, quatro primos despontam como futuros líderes. Wesley Batista Filho lidera a JBS nos EUA; José Antônio Batista Costa cuida do Banco Original e PicPay; Aguinaldo Ramos Filho comanda a holding J&F e negócios paralelos; e Murilo Moita Batista ocupa posições importantes em várias empresas do grupo.

A contratação de executivos também segue padrão próprio. Muitos dirigentes são profissionais estrangeiros de alto calibre, enquanto presidentes de negócios são pessoas próximas à família, com histórico no setor. Exemplos incluem Gilberto Tomazoni, CEO global da JBS, que veio da Sadia e foi alçado à alta liderança após comandar operações menores, e Marcelo Zanatta na Âmbar, ex da J&F de origem familiar.

A abordagem consistente dos Batista envolve decisões velozes, aversão ao desperdício e confiança no próprio julgamento.

A J&F, procurada para esta reportagem, não se pronunciou.

Fonte

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