Crise no agronegócio do Banco do Brasil abre espaço para bancos privados?
A carteira de crédito rural do Banco do Brasil (BBAS3) está enfrentando aumento na inadimplência e crescimento nos pedidos de recuperação judicial, situação que especialistas classificam como um ponto crítico para a instituição neste ano. Com o índice de inadimplência superior a 90 dias chegando a 3,49% no segundo trimestre de 2025, quase três vezes mais que o registrado um ano antes (1,32%), o setor agro passou a ser a maior preocupação para o banco estatal.
Esse cenário negativo tem aberto oportunidades para que bancos privados, como Itaú, Bradesco e Santander, que vêm monitorando o setor, avancem na concessão de crédito agrícola e busquem conquistar parte do mercado que tradicionalmente era dominado pelo Banco do Brasil.
Desafios enfrentados pelo Banco do Brasil no crédito rural
Atualmente, o Banco do Brasil conta com 808 clientes em processo de recuperação judicial, com dívidas que totalizam R$ 5,4 bilhões, na maioria produtores de alta renda localizados principalmente no Centro-Oeste e Sul do Brasil, regiões impactadas por eventos climáticos como seca e enchentes, especialmente no Rio Grande do Sul. Além disso, existem cerca de 20 mil inadimplentes na carteira agro dentre aproximadamente um milhão de clientes ativos no setor.
O aumento das recuperações judiciais está relacionado à atualização da Lei de Falências em 2020, que passou a permitir que produtores rurais pessoas físicas recorressem a esse mecanismo para reestruturação das dívidas. Só no primeiro trimestre de 2025, 389 produtores solicitaram recuperação judicial, um crescimento de 21,5% comparado ao final de 2024.
Segundo analistas ouvidos, esse aumento foi parcialmente estimulado por escritórios regionais de advocacia, o que pode ter gerado um problema de risco moral, onde produtores com capacidade de pagamento preferem renegociar ou buscar recuperação judicial por conta da facilidade oferecida.
Fatores que agravaram a crise no agronegócio
A combinação da queda nos preços das commodities agrícolas, os custos elevados com insumos e as condições climáticas adversas têm reduzido a capacidade de pagamento dos produtores nos últimos anos. Além disso, a alta significativa da taxa básica de juros (Selic), que saltou de 2% para 15% ao ano desde 2020, corroeu o poder financeiro dos agricultores e os levou a atrasar pagamentos.
Especialistas destacam que muitos produtores se endividaram excessivamente durante a pandemia da Covid-19 graças à oferta ampla de crédito pelo governo e bancos, o que evitou falências generalizadas naquele período, mas resultou em uma carga elevada de dívidas para o setor.
Possibilidade de avanço dos bancos privados no crédito rural
Leonardo Roesler, gestor e sócio do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), aponta que a crise enfrentada pelo Banco do Brasil evidencia fragilidades que podem ser exploradas pelos bancos privados, abrindo espaço para que instituições como Itaú, Bradesco e Santander ampliem sua atuação no crédito rural.
Esses bancos apresentam estabilidade financeira maior, acesso a mecanismos modernos de captação de recursos e capacidade para desenvolver produtos competitivos. Entretanto, o avanço depende do apetite ao risco, da disposição para enfrentar a complexidade no atendimento ao produtor rural e da habilidade em criar linhas de financiamento adequadas a um setor extremamente sensível a fatores externos.
Robson Casagrande, especialista em investimentos e sócio da GT Capital, considera que a entrada dos bancos privados será seletiva e gradual, focando em grandes produtores com bom histórico de crédito e garantias sólidas, uma vez que a presença e a capilaridade do Banco do Brasil são difíceis de substituir a curto prazo. Para ele, a confiança dos produtores no relacionamento longo com o BB ainda é um obstáculo para os concorrentes.
No mercado financeiro, segundo o analista Felipe Sant’Anna da Axia Investing, oportunidades dificilmente permanecem abertas por muito tempo, o que pode fazer com que qualquer fatia deixada pelo BB seja rapidamente tomada por outros bancos. Contudo, devido ao elevado índice de inadimplência no crédito rural, essas instituições tendem a exigir garantias mais rigorosas ou cobrar juros mais altos para assumir o risco.
Medidas que o Banco do Brasil pode adotar para reverter a inadimplência
Para Roesler, o Banco do Brasil deve ir além da mera renegociação de dívidas, ampliando o uso de seguros agrícolas, ajustando as condições de crédito conforme o perfil de cada produtor, e investindo em programas contínuos de educação financeira e gestão. O banco precisa desenvolver soluções que permitam integração entre risco e produção, oferecendo mais previsibilidade e suporte para os clientes, em vez de apenas prorrogar vencimentos.
Casagrande destaca que a instituição deve focar na revisão dos critérios para concessão de crédito, privilegiando qualidade em vez de volume, acelerar a execução das garantias para preservar os ativos, e estreitar o relacionamento com os produtores para evitar inadimplência. O uso de tecnologias como big data e inteligência artificial pode melhorar a avaliação de crédito e monitorar a saúde financeira dos clientes de maneira mais eficaz.
O Plano Safra, anunciado pelo governo, que oferece recursos bilionários até 2026, é visto como um instrumento que pode aliviar a pressão sobre o agronegócio. No entanto, seu sucesso dependerá da rapidez na liberação dos recursos e da adequação das linhas de crédito às necessidades reais dos produtores. Sem agilidade e foco, a inadimplência pode continuar em alta, especialmente com os custos de produção e juros elevados.
Gustavo Rabello, sócio de mercado de capitais no SouzaOkawa Advogados, reforça que o Plano Safra traz liquidez e juros competitivos, mas não elimina riscos climáticos ou de preços. Ele defende que o crédito subsidiado seja combinado com operações estruturadas no mercado de capitais, com garantias sólidas e serviços qualificados, para reduzir efetivamente o risco de inadimplência.