Desafios da Expansão da Energia Solar Para o Sistema Elétrico Brasileiro

Desafios da Expansão da Energia Solar Para o Sistema Elétrico Brasileiro

A conta da luz do sol: o crescimento dos painéis solares e seus desafios para o sistema elétrico

Os painéis solares tornaram-se uma presença constante nas cidades brasileiras, mas ao mesmo tempo geram complicações para o setor elétrico do país. Atualmente, entre os 5.571 municípios brasileiros, apenas 11 ainda não possuem algum sistema solar instalado em telhados ou lajes. Hoje, já há quase quatro milhões de sistemas do tipo em operação, um crescimento expressivo se comparado com 2015, quando apenas 230 cidades contavam com energia solar.

Esse avanço acelerado foi estimulado por uma política constante de incentivos que viabilizou o investimento nesse tipo de energia para quem tinha condições financeiras. Aliado ao atrativo econômico, houve também o apelo da independência do sistema elétrico convencional, levando à formação de uma cadeia econômica bilionária baseada na chamada micro e minigeração distribuída (MMGD).

Embora a MMGD possa incluir outras fontes, a energia solar fotovoltaica representa aproximadamente 97% da capacidade instalada, motivo pelo qual as referências aqui serão equivalentes ao termo MMGD. Essa modalidade não contempla grandes usinas solares, que são consideradas geração centralizada.

Atualmente, os sistemas instalados correspondem a 18,1% da capacidade total de energia do país – o equivalente a 44,6 GW, que seriam o mesmo que três usinas de Itaipu. As projeções do Operador Nacional do Sistema (ONS) apontam que até 2029 esse valor alcançará o equivalente a quatro usinas e meia de Itaipu.

De acordo com a Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), o investimento acumulado para chegar a esse patamar ultrapassa R$ 180 bilhões. “Não houve dinheiro público, o investimento veio dos próprios consumidores que se tornaram produtores, os ‘prosumidores’”, explica Carlos Evangelista, presidente da ABGD. Essa mistura dos papéis de consumidor e produtor é essencial para entender o conceito da MMGD.

Apesar do êxito, esse crescimento traz consequências: primeiramente, porque os subsídios concedidos acabam sendo pagos pelos consumidores que não possuem painéis solares, o que estimula acalorados debates entre os agentes do setor elétrico. Em segundo lugar, a enorme injeção de energia na rede dificulta a atuação do ONS, que precisa “desligar” usinas centralizadas para garantir equilíbrio, impactando a rentabilidade de parques eólicos e solares.

A multiplicação dos sistemas solares gerou um intenso atrito político e econômico envolvendo especialistas, empresas e lobistas. Ainda que o tema pareça técnico e distante para muitos, a solução desse conflito será determinante para a segurança energética do Brasil.

O desenvolvimento da micro e minigeração distribuída

A política de incentivos teve início em 2012 com a Resolução 482 da Aneel, que instituiu o sistema de compensação de energia. Esse modelo funciona como uma balança: o consumidor que produz mais energia solar do que consome injeta o excedente na rede e recebe em créditos na fatura o direito de descontar esse volume em períodos em que não gera energia, como à noite.

Funciona como se o medidor de energia “andasse para trás”. Além disso, a distribuidora é obrigada a aceitar essa energia sem cobrar pelo uso da infraestrutura de transmissão, chamada Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). Essa isenção da taxa da rede foi o principal estímulo que tornou o investimento vantajoso.

Para os adeptos da MMGD, essa isenção é justa, pois o consumidor utiliza apenas a rede local de distribuição, e não as grandes linhas de transmissão. “Por que pagar pelo uso de toda a rede se consumo a geração próxima ao meu imóvel?”, questiona Carlos Evangelista.

A Resolução 687, aprovada em 2015, ampliou o acesso ao sistema, autorizando a formação de consórcios e cooperativas para instalação remota de sistemas solares, o que acelerou o crescimento do mercado – ainda que com distorções.

Algumas empresas passaram a criar “produtos” de energia solar compartilhada como investimentos ou assinaturas, vendendo energia gerada remotamente e subsidiada, prática proibida, já que a MMGD é criada para autoconsumo, não comércio. Elas instalavam usinas em regiões interiores e criavam cooperativas para vender energia a consumidores urbanos, causando desequilíbrio no mercado, pois os custos são majorados para quem não possui painéis.

Em 2022, a lei 14.300, chamada Marco Legal da Geração Distribuída, estabeleceu uma transição gradual para reduzir os incentivos à MMGD. Consumidores que instalaram sistemas até início de 2023 podem usar gratuitamente a rede até 2045, enquanto instalações posteriores pagam tarifas sobre o uso da rede que aumentarão progressivamente até atingir o valor integral em 2029.

No entanto, desde a implementação desse marco, os subsídios aumentaram significativamente. Em 2022, o total foi de R$ 2,8 bilhões, saltando para R$ 7,1 bilhões em 2023 e chegando a R$ 11,6 bilhões em 2024. Em 2025, até outubro, os subsídios atingiram R$ 10,2 bilhões, o que representa 33% de todos os subsídios tarifários pagos.

O desafio do excesso de energia para o ONS

Com a expansão dos painéis solares, o Operador Nacional do Sistema passou a lidar com um desafio inusitado: a sobreabundância de energia em determinados horários do dia, especialmente entre 10h e 14h, quando a geração solar atinge o auge e o consumo diminui.

Essa situação até pode parecer positiva, mas o excesso de eletricidade é problemático para um sistema que deve manter o equilíbrio entre oferta e demanda a todo instante. Enquanto grandes usinas hidrelétricas, térmicas e eólicas podem ser comandadas para ajustar sua produção, as pequenas fazendas e sistemas instalados nos telhados funcionam de forma autônoma, sem controle central, injetando energia no momento em que ela é gerada.

Além disso, como a eletricidade não pode ser armazenada em bateria convencionalmente, o sistema requer que o consumo coincida com a produção para evitar falhas. Caso entre mais energia do que o sistema pode absorver, a frequência da rede sobe, aumentando o risco de colapso; se houver falta, a frequência cai, podendo causar apagões.

Um exemplo claro ocorreu no último Dia dos Pais, quando a energia solar chegou a responder por 40% do consumo nacional durante o almoço. Para evitar um colapso, o ONS teve que reduzir 17,5 GW de geração de outras fontes, resultando no desligamento temporário de algumas hidrelétricas.

Esses cortes de geração, cada vez mais frequentes, têm causado insatisfação. Grandes geradores centralizados, que também recebem subsídios estimados em R$ 10 bilhões até outubro de 2025, fizeram investimentos vultosos em parques solares e eólicos, que agora ficam ociosos parte do tempo. O fenômeno é conhecido como curtailment, um tema que tem preocupado o setor elétrico.

Carlos Evangelista avalia que a problemática representa uma disputa de mercado disfarçada de dificuldade técnica. “Os maiores opositores da geração distribuída são as distribuidoras e grandes geradores, multinacionais que veem a GD como um problema pois perdemos a compra de energia deles”, argumenta. “Esse risco deveria ter sido considerado nos planos de negócios.”

Para tentar trazer estabilidade, a Aneel está implantando medidas como o leilão de capacidade, que remunera usinas capazes de garantir energia nos momentos críticos, incluindo megabaterias, hidrelétricas reversíveis e termelétricas rápidas. Essa abordagem valoriza a confiabilidade além do mero volume de megawatts-hora.

Outra alternativa em análise é permitir que pequenas centrais hidrelétricas e outros geradores controlados possam ser desligados em situações de sobra de energia, distribuindo o ajuste e flexibilizando a operação do sistema. Contudo, incluir os painéis solares nesse esquema exigiria tecnologias e estruturas adicionais nas distribuidoras, com custos provavelmente repassados ao consumidor.

Para Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, que representa grandes indústrias consumidoras, o problema reflete uma crise maior do setor elétrico. “O mercado está pulverizado e cada actor busca seu próprio benefício, e a conta acaba recaindo sobre todos”, destaca.

Fonte

Rolar para cima