Desafios Da Soberania Monetária Do Brasil Frente As Sanções Dos EUA

Desafios Da Soberania Monetária Do Brasil Frente As Sanções Dos EUA

Especialista alerta que Brasil não possui soberania monetária para enfrentar sanções impostas por Trump

A jurista Camila Villard, referência em direito econômico e regulação do mercado financeiro, destacou que, apesar do robusto aparato do sistema bancário brasileiro para lidar com sanções americanas, a dependência do dólar limita a autonomia monetária do país.

Em meio à delicada situação diplomática entre Brasil e Estados Unidos, grandes bancos brasileiros como Itaú, Bradesco, Santander, BTG Pactual e Banco do Brasil enfrentam um dilema jurídico e político. De um lado, precisam atender às sanções impostas pelo governo Donald Trump contra o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. De outro, devem respeitar a decisão do ministro Flávio Dino que impede a aplicação automática de legislações estrangeiras sem validação pela Justiça nacional ou acordos internacionais.

No início de setembro, esses bancos receberam uma notificação do Departamento do Tesouro dos EUA solicitando informações sobre as ações adotadas para cumprir a Lei Magnitsky, que sanciona o ministro Moraes. Esta lei americana possui aplicação extraterritorial devido à centralidade do dólar e ao uso da infraestrutura financeira dos EUA, afetando instituições que realizam transações em dólares, como os bancos brasileiros.

Camila Villard explica que, embora o real seja plenamente operante dentro do Brasil, externamente o país está subordinado às regras do sistema financeiro global influenciado pelo dólar, reduzindo a soberania monetária nacional.

Segundo a especialista, o desafio é construir políticas e estratégias para diminuir essa vulnerabilidade, com investimento em recursos humanos e financeiros para desenvolver alternativas ao domínio da moeda americana. O Brasil deu avanços importantes, como a criação do Pix, um sistema de pagamentos instantâneos que confere certa autonomia ao sistema financeiro nacional.

A comparação é feita com a Europa, cujo Banco Central iniciou debates sobre o euro digital visando assegurar soberania monetária semelhante ao que o Brasil já conseguiu com o Pix, oferecendo assim uma proteção parcial contra eventuais sanções externas.

Camila Villard ressalta a necessidade de cooperação internacional para enfrentar crises financeiras globais de maneira menos dependente dos EUA e evitar riscos sistêmicos.

Entrevista exclusiva: mecanismos da lei Magnitsky e desafios para bancos brasileiros

Sobre a aplicação da Lei Magnitsky, Villard esclarece que se trata de uma legislação americana que impõe sanções a pessoas e países incluídos numa lista denominada Specially Designated List. Apesar de ser uma medida unilateral, o governo dos EUA tenta mostrar um aspecto multilateral na definição dos nomes listados.

A lei alcança bancos estrangeiros que usam o sistema financeiro e a moeda americana para suas operações internacionais, como ocorre com instituições brasileiras que dependem desses canais financeiros para captar recursos e realizar transações.

Por isso, as instituições financeiras brasileiras estão obrigadas a cumprir a legislação americana, mesmo sem processo formal de internalização no Brasil, devido ao poder que os EUA exercem sobre o mercado financeiro global.

O uso do dólar como moeda central permite essa aplicação extraterritorial, uma vez que bancos no Brasil mantêm relações com correspondentes ou subsidiárias nos Estados Unidos, que precisam obedecer às normas americanas. É um cenário complexo que mistura aspectos jurídicos, econômicos e políticos.

O sistema Swift, utilizado para enviar mensagens financeiras entre bancos, é um elemento chave nesse contexto, funcionando como um canal essencial para transações internacionais que frequentemente envolvem o dólar. A exclusão de bancos russos desse sistema serviu como exemplo de sanções, e o Brasil pode enfrentar situação semelhante, com riscos para pagamentos internacionais, crédito e captação de recursos.

Acerca da decisão do ministro Flávio Dino, Villard afirma que a medida foi usada para sinalizar aos bancos que normas estrangeiras só devem ser aplicadas se incorporadas ao sistema jurídico brasileiro, o que gera risco para as instituições financeiras que estejam entre a necessidade de cumprir a lei americana e as orientações do Supremo Tribunal Federal.

Este dilema, segundo Villard, demonstra a complexidade e o entrelaçamento de interesses legais, políticos e econômicos, sugerindo que o STF poderá considerar os impactos sociais e econômicos ao julgar a situação.

A longo prazo, ela destaca a importância de o Brasil planejar e executar políticas que reduzam a dependência da infraestrutura financeira dominada pelo dólar, incluindo a prospecção de parcerias regionais e internacionais para lançar sistemas alternativos de pagamentos e moedas digitais.

Sanções e impactos para os bancos e população

Ao receberem notificações do Ofac, órgão do Tesouro americano responsável por monitorar o cumprimento da Lei Magnitsky, os bancos precisam comprovar os procedimentos adotados para impedir transações com pessoas sancionadas, como o ministro Alexandre de Moraes. Caso estejam insatisfeitos, os americanos podem aplicar multas ou, na hipótese mais extrema, restringir o acesso das instituições brasileiras ao sistema financeiro americano, o que seria catastrófico para o país.

Apesar da complexidade e dos riscos, especialistas e executivos dos bancos adotam uma postura pragmática, alegando que sanções não são novidade e que há mecanismos internos para lidar com elas. Entretanto, Villard alerta que o contexto político atual torna o risco maior, exigindo esforços conjuntos jurídicos e diplomáticos para mitigar efeitos adversos sem prejudicar a economia nacional.

Uma das propostas para lidar com a situação judicial e financeira é criar alternativas, como contas em cooperativas de crédito que não estejam vinculadas ao sistema financeiro tradicional, para proteger pessoas afetadas por sanções.

Quanto ao impacto no cidadão comum, Villard tranquiliza afirmando que o Banco Central do Brasil dispõe de instituições reguladoras sólidas e mecanismos de garantia, como seguro depósito e Fundo Garantidor de Crédito, que asseguram a estabilidade do sistema bancário e protegem os correntistas de crises ou quebras financeiras.

Soberania monetária do Brasil e desafios para o futuro

Camilia Villard explica que soberania monetária consiste no poder estatal de emitir, gerir e regular a moeda nacional. No entanto, no mundo globalizado, esse conceito tem sido limitado pela dependência de infraestruturas e moedas internacionais, especialmente o dólar, que restringem a autonomia financeira dos países, incluindo o Brasil, que depende amplamente do dólar para transações internacionais.

As tentativas de criar sistemas financeiros alternativos e moedas digitais, como o yuan digital da China e o projeto Drex no Brasil, indicam uma busca por autonomia maior. O Banco Central brasileiro expressou liderança ao implementar o Pix e participar de iniciativas globais que visam integração de sistemas pagos internacionais sem recorrer às redes privadas americanas tradicionais.

Apesar dos avanços, o país ainda está na periferia do sistema financeiro globalizado, o que limita sua soberania real e expõe o Brasil a vulnerabilidades diante de sanções externas e pressões políticas.

Considerações finais e perspectivas

Villard enfatiza que, embora o Brasil possua instrumentos internos para garantir a estabilidade do seu sistema financeiro, a dependência do dólar e do sistema americano permanece um desafio. Cooperar internacionalmente e investir em alternativas tecnológicas e institucionais são medidas essenciais para fortalecer a autonomia monetária e proteger a economia nacional.

Ela conclui que a atual conjuntura política e econômica torna imperativa a elaboração de políticas robustas que possam evitar efeitos severos de possíveis sanções e assegurar a soberania monetária do Brasil no futuro.

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