Fim Do Dólar? Entenda Por Que A Moeda Perde Força Global

O declínio do dólar no cenário global e os interesses por trás dessa movimentação

Em 2025, o dólar americano enfrentou seu pior desempenho em mais de 50 anos, refletido em uma queda de 11% até junho no índice que mede sua força em relação a seis moedas principais. Esse índice, desenvolvido pelo Federal Reserve, compara o dólar ao euro, yen, libra esterlina, dólar canadense, krona sueco e franco suíço. Embora quedas semelhantes já tenham ocorrido anteriormente, o contexto atual acende alertas entre economistas, investidores e profissionais do setor financeiro sobre a estabilidade da moeda.

Participação do dólar nas reservas mundiais

Um estudo divulgado pelo J.P. Morgan em julho de 2025 destaca que a fatia do dólar nas reservas internacionais dos bancos centrais tem diminuído paulatinamente, passando de mais de 70% nos anos 2000 para pouco mais de 57% em março de 2025, segundo dados do FMI. Durante a última década, o uso do renminbi chinês dobrou, porém ainda representa apenas 2% das reservas globais, atrás de moedas tradicionais como o euro e a libra esterlina. Além disso, o ouro vem ganhando espaço nas reservas, chegando a 9% dos mercados emergentes, mais que o dobro da participação registrada há dez anos, evidenciando uma busca por alternativas às moedas convencionais.

Mudanças no comércio global e investimentos

Há também um movimento de diversificação nos pagamentos de commodities, com o dólar perdendo parte do seu hegemonia, especialmente no setor energético. Em razão das sanções aplicadas à Rússia, este país tem comercializado petróleo em moedas locais, beneficiando países como Índia, China, Brasil, Tailândia e Indonésia, que compram energia pagando em suas moedas nacionais a preços menores. Paralelamente, a presença estrangeira no mercado de títulos do Tesouro dos EUA vem diminuindo há 15 anos, variando de mais de 50% antes da crise de 2008 para cerca de 30% atualmente, o que reflete certa circulação de desconfiança no ativo americano.

Desvalorização do dólar e instabilidade nos mercados acionários

Além do declínio da moeda, as bolsas americanas sofreram fortes quedas no começo do ano, registrando a pior semana desde a pandemia de Covid-19. O índice S&P 500 caiu 10%, influenciando mercados globais, inclusive o brasileiro, onde o dólar oscilou negativamente mais de 12%. Essas oscilações ocorreram em meio a anúncios do governo de Donald Trump sobre a imposição de tarifas de importação sem precedentes, incluindo uma tarifa básica de 10% para todas as importações, com aplicação adiada e alíquotas específicas às vezes alteradas. O Brasil, por exemplo, sofreu a subida para 50% em algumas tarifas desde agosto, o que tem gerado apreensão entre investidores sobre os impactos na economia global e na força do dólar.

Fatores que minam a confiança no dólar

Mais do que as tarifas, o uso do dólar como instrumento de sanções econômicas a países, empresas e pessoas tem comprometido a confiança dos investidores. Ao excluir atores específicos do sistema financeiro internacional e do sistema global de pagamentos, como ocorreu com a Rússia após a invasão da Ucrânia, os Estados Unidos provocam uma reação de atores econômicos que buscam evitar a dependência da moeda americana. Esse cenário desafia a percepção tradicional do título do Tesouro dos EUA como o investimento seguro em tempos de crise. Além disso, o aumento da dívida pública americana, que em 2024 atingiu US$ 35,46 trilhões (equivalente a 123% do PIB), gera preocupações sobre a possibilidade futura de desvalorização da moeda para aliviar déficits comerciais.

Influência das políticas dos EUA e perspectivas para o dólar

Existe a expectativa de que o Federal Reserve reduza as taxas de juros nos próximos meses, o que tenderia a diminuir a atratividade do dólar para investidores, aumentando a oferta da moeda e pressionando seu valor para baixo. Entretanto, o governo americano é acusado de interferir no banco central, com ameaças diretas do presidente Trump à demissão de membros do Fed. A instabilidade política e econômica decorrente dessas atitudes influencia negativamente a confiança dos agentes financeiros.

O papel do BRICS na desdolarização

Movimentos por uma menor dependência do dólar ganharam força após a crise financeira de 2008, que evidenciou a vulnerabilidade global diante da economia americana. O bloco BRICS, que se ampliou para 15 membros em 2024, lidera esforços para promover o uso de moedas nacionais nas transações comerciais internas e investe em sistemas de pagamento digitais que buscam reduzir a influência da moeda americana. A criação de uma moeda própria para o grupo é discutida, embora sem definições oficiais, e é vista como uma ameaça pelos Estados Unidos.

Objetivos divergentes da administração Trump

Dentro do governo norte-americano, há posições contraditórias sobre a dominância do dólar. Embora se defenda seu papel como símbolo do nacionalismo americano e da política “America First”, as tarifas impostas por Trump parecem contrariar essa ideia, podendo enfraquecer a moeda. Alguns conselheiros do presidente defendem que a valorização excessiva do dólar prejudica a indústria doméstica e sugere que a desvalorização planejada poderia tornar as exportações dos EUA mais competitivas, ao baratear produtos americanos no exterior e encarecer importados. Essa estratégia, batizada informalmente como “Acordo Mar-a-Lago”, visa pressionar parceiros comerciais a desvalorizar o dólar, especialmente para afetar as reservas de moeda americana da China.

Restrições e ceticismo econômico

Economistas renomados contestam o plano de desvalorização e aplicabilidade de tarifas como solução para déficits comerciais, alertando para múltiplas causas desses desequilíbrios e os riscos de medidas simplistas. Destaca-se também que o controle direto do valor do dólar pelo presidente é limitado, pois o câmbio é determinado por um mercado global dinâmico. Ainda assim, as políticas governamentais influenciam expectativas e, consequentemente, o valor da moeda.

A persistência do dólar como moeda dominante

Apesar dos desafios mencionados, especialistas afirmam que a ideia de que o dólar está chegando ao fim ainda é precipitada. A moeda continua predominante nas transações comerciais internacionais e a ausência de alternativas que ofereçam a mesma liquidez e segurança limita mudanças rápidas no sistema financeiro global. Mesmo o renminbi chinês, embora em crescimento, não tem força suficiente para substituir a moeda americana. A dificuldade de países como Rússia e China em se desvincular totalmente do dólar reforça essa realidade, com o setor privado mantendo a preferência por ativos em dólar.

Assim, apesar de fragmentos que indicam uma gradual perda de força, o dólar ainda exerce papel central no cenário financeiro internacional, refletindo a complexidade e a resistência interna e externa a mudanças significativas na ordem monetária vigente.

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