Guerra Do Ticket: Novas Regras Elevam Competição No Mercado De Benefícios

Guerra Do Ticket: Novas Regras Elevam Competição No Mercado De Benefícios

Novas normas intensificam competição no setor de benefícios

O segmento de benefícios corporativos está passando por uma mudança significativa. A recente implementação de novas normas regulamentares pretende incentivar a concorrência entre as empresas do ramo, promovendo uma abertura semelhante ao processo que o setor bancário experimentou nos últimos dez anos.

Em novembro, o presidente Lula assinou o decreto 12.712/2025, que estabelece um limite de 3,6% para as taxas cobradas pelas operadoras de benefícios de restaurantes, supermercados e outros estabelecimentos. Atualmente, conforme levantamento da LCA Consultores, essa taxa média é de 7%. Além disso, há a tarifa de intercâmbio cobrada pelas bandeiras como Mastercard e Visa às operadoras, que terá seu teto fixado em 2%.

O governo visa, com essas medidas, combater o que define como “oligopólio” no mercado. Hoje, quatro grandes empresas dominam esse segmento, detendo cerca de 80% da receita anual que ultrapassa R$ 150 bilhões. São elas: Alelo, VR, Ticket e Pluxee (antiga Sodexo). Essas companhias, denominadas “incumbentes” pelos concorrentes, operam sob um sistema de pagamentos chamado arranjo fechado, o que significa que seus cartões possuem aceitação restrita, semelhante a cartões de crédito vinculados a lojas específicas.

O decreto altera esse cenário ao impor a adoção do arranjo aberto, permitindo que os vouchers de vale-refeição sejam aceitos em qualquer terminal de estabelecimentos cadastrados, como padarias, restaurantes ou supermercados.

Com a taxa média atualmente muito acima do novo limite estabelecido, cerca de 74% dos estabelecimentos no Brasil não aceitam os vouchers, segundo a LCA Consultores. O Ministério da Fazenda projeta que a nova legislação ampliará a aceitação dos cartões de aproximadamente 743 mil para 1,82 milhão de estabelecimentos, além de gerar uma economia anual estimada em R$ 7,9 bilhões para os consumidores, pois a redução das taxas tende a diminuir o custo dos estabelecimentos, o que pode resultar em queda dos preços dos alimentos.

Competição ganha força

As novas regras foram bem recebidas pelas empresas de menor porte no mercado, que já atuam com o arranjo aberto em parceria com bandeiras como Mastercard e Visa, destacando-se nomes como Caju, Flash e Swile. Outro participante relevante é o iFood, que apesar da liderança no segmento de delivery, enfrenta dificuldades para expandir seu negócio de benefícios.

Há especulações sobre o iFood Benefícios estar em negociações para uma possível fusão ou aquisição com Alelo ou Ticket, duas das líderes do setor. Uma fonte próxima ao iFood confirmou ao InvestNews, sob anonimato, que a companhia está explorando todas as opções, mantendo conversas com empresas interessadas para ampliar sua presença nesse mercado.

A Swile, prestes a atingir a marca de 1 milhão de usuários no Brasil, enxerga o decreto como uma oportunidade para investir com maior segurança jurídica e em melhorias para os clientes. Júlio Brito, CEO da empresa no país, destaca que as novas regras abrem caminho para o surgimento de novas companhias no segmento.

Segundo Brito, a regulamentação também combate a prática do rebate, um desconto negociado diretamente com o departamento de recursos humanos das empresas, que vinha sendo utilizado com vendas casadas, envolvendo serviços como planos de bem-estar e academias. Apesar de proibida por lei em 2022, essa prática persistia entre as empresas líderes, gerando uma investigação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) após denúncias de Flash e Swile. A nova normativa deverá restringir essa conduta ao eliminar verbas promocionais que permitiam essas vantagens.

“Empresas que estavam amarradas a contratos tradicionais com as dominantes, devido ao rebate, agora poderão buscar alternativas de produtos e serviços focados em facilidades para os colaboradores”, afirma Brito. Ele destaca que as três principais empresas do setor investem perto de R$ 1,5 bilhão anualmente em rebates.

A startup Flash relata que perdeu negócios devido a essa prática e agora vislumbra competir em igualdade com as líderes. Pedro Lane, cofundador da Flash, enxerga o decreto como uma evolução das mudanças iniciadas em 2021, que promovem benefícios para os trabalhadores e estimulam a concorrência, corrigindo ilegalidades do mercado.

Eduardo Del Giglio, CEO e cofundador da Caju Benefícios, destaca que o decreto traz maior clareza e equiparação econômica para todos, aumentando a confiança para investimentos futuros. A Caju já conta com mais de 1,2 milhão de cartões emitidos para 55 mil empresas.

Desafios para as líderes do setor

A Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), que representa as maiores operadoras do segmento, acredita que a abertura beneficiará empresas como Mastercard e Visa, que fornecem a bandeira dos cartões. A entidade também questiona o sistema de fiscalização, já que têm ocorrido fraudes, por exemplo, em estabelecimentos registrados como restaurantes que vendem outros produtos, e critica o prazo de 90 dias para adequação às novas normas.

“Sem uma fiscalização rigorosa, é possível que ocorram desvios de uso, com registros de cadastros inadequados como restaurantes que atuam como tabacarias ou vendem bebidas alcoólicas”, alerta Lúcio Capelletto, diretor-presidente da ABBT.

Impactos financeiros e perspectivas

Um relatório do Morgan Stanley prevê que essas mudanças podem afetar significativamente a geração de caixa de empresas como Edenred, dona da Ticket, e Pluxee, antiga Sodexo. Ambas são empresas francesas com ações negociadas na Europa, e possuem exposições relevantes ao mercado brasileiro (10% e 25%, respectivamente). A análise estima um impacto médio de até 13% no Ebitda da Edenred em 2026, podendo chegar a 30% de redução para a Pluxee.

Durante teleconferência, a Edenred considerou as medidas diferentes das expectativas e estuda uma ação judicial. Destacou ainda que, apesar do cenário adverso, a nova regulamentação oferece clareza e que investidores devem focar nos fundamentos sólidos dessas companhias, especialmente em seus níveis atuais de preços das ações.

Limitações e críticas

Uma proposta que poderia fortalecer o poder de escolha dos trabalhadores, a portabilidade dos benefícios, permitindo ao consumidor eleger sua operadora preferida, não foi incluída nas novas normas. Enquanto 81% dos trabalhadores gostariam de poder escolher a bandeira do cartão, o setor acredita que essa mudança seria complexa para a gestão de recursos humanos das empresas.

Thiago Alvarez, administrador e fundador do GuiaBolso, transmite uma visão cautelosa quanto ao tabelamento das taxas, que pode prejudicar a competitividade a longo prazo e desestimular a entrada de novas empresas, uma vez que as menores enfrentam custos mais elevados.

Quanto ao principal objetivo do governo, que é reduzir os custos da alimentação, representantes do setor de restaurantes se mostram céticos. Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), aponta que o segmento opera com margens muito apertadas e não recuperou integralmente as perdas da pandemia da Covid-19. Ele afirma que a chance de redução de preços é nula, pois menos de 40% dos estabelecimentos atualmente apresentam lucro, e qualquer margem será utilizada para equilibrar as finanças.

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