Juros mais baixos a curto prazo: entenda os impactos para empresas e oportunidades na Bolsa
A redução da taxa básica de juros pode diminuir os custos das dívidas para companhias com alto endividamento e aumentar o potencial de valorização das ações, especialmente quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central flexibilizar a política monetária.
Embora o Copom tenha decidido, em sua última reunião, manter a taxa Selic em 15% ao ano, especialistas consultados indicam que uma possível queda da taxa básica ainda em 2025 poderia aliviar o custo do endividamento de empresas mais alavancadas, contribuindo para a recuperação da saúde financeira dessas organizações. Isso, por sua vez, tornaria os papéis dessas empresas mais atrativos no Ibovespa, devido ao fortalecimento dos balanços e maior possibilidade de valorização.
No entanto, o comunicado do Copom recente sinaliza cautela, reafirmando que a política monetária permanecerá restritiva enquanto for necessário para garantir que a inflação se aproxime da meta, e não descartando a retomada do aperto caso seja preciso.
Esse tom mais firme na mensagem do Copom faz o mercado apostar em poucas possibilidades de cortes nos juros ainda em 2025. Segundo Lucas Constantino, estrategista chefe na GCB Investimentos, a manutenção dos juros elevados visa preservar a credibilidade do Banco Central e assegurar a estabilização dos preços, mesmo com o diferencial relevante de juros em relação às economias desenvolvidas, o que tende a atrair capital estrangeiro e fortalecer o real.
Por outro lado, relatórios recentes, como o do Bank of America, indicam que o ciclo de redução da Selic poderia começar já em dezembro de 2025, com uma primeira baixa de 0,5 ponto percentual, reduzindo a taxa para 14,5% ao ano, e com uma tendência de queda até alcançar cerca de 11,25% até o fim de 2026. Já o Goldman Sachs apresenta uma perspectiva mais conservadora, prevendo o encerramento de 2025 com a Selic em 15% e um processo de reduções gradativas ao longo dos anos seguintes.
Empresas que podem se beneficiar da queda da Selic
Empresas com alto endividamento que deverão ganhar com uma eventual diminuição da taxa básica incluem MRV, Braskem, Casas Bahia e IRB. A MRV, por exemplo, possui uma dívida líquida expressiva, em torno de R$ 6 bilhões, majoritariamente atrelada ao CDI, o que torna suas despesas sensíveis às variações dos juros domésticos. A Braskem, com uma dívida de US$ 8,5 bilhões em dólar, também se beneficiaria, uma vez que juros menores em reais reduzem o custo de capital e facilitam o acesso ao mercado interno.
Para a Casas Bahia, a redução da Selic teria um impacto imediato no fluxo de caixa, já que somente em um trimestre a companhia registrou resultado financeiro negativo superior a R$ 1 bilhão devido às altas taxas de juros. No caso do IRB, que ainda está em processo de normalização dos resultados, a expectativa é de que despesas financeiras menores promovam maior conversão de lucros em caixa.
Além disso, firmas com elevado lucro operacional recorrente e fluxo de caixa forte em relação ao valor de mercado, geralmente líderes setoriais com boa escala e margens superiores a 20%, também estariam em posição vantajosa nesses cenários. Isso inclui companhias como Simpar, Vamos, JSL, Armac, Movida, Ânima, Ecorodovias, Pague Menos e Panvel/Dimed.
Menores juros, menos dívidas e maior capacidade de investimento
Com a redução da Selic, as empresas têm mais disponibilidade de caixa para reinvestir no negócio e impulsionar o crescimento, já que diminui o peso dos juros no resultado operacional e amplia a capacidade de captação no mercado financeiro. Dessa forma, as companhias podem alongar seus prazos de dívida, reduzir saídas de recursos para pagamentos financeiros e liberar capital para expansão e novos projetos.
O cálculo que traduz esse impacto acompanha a geração de fluxo de caixa livre ao acionista, que é influenciada pelo fluxo de caixa operacional, captação e amortização de dívidas e juros pagos. Como explica Ângelo Belitardo Neto, da Hike Capital, uma Selic menor permite aumentar a geração líquida de caixa para o acionista ao reduzir os custos financeiros e alongar os compromissos de dívida, aumentando o rendimento desse fluxo.
Leonardo Roesler destaca exemplos práticos: no setor de construção, a MRV se beneficia ao acelerar lançamentos e transformar estoques em faturamento; no varejo, a Casas Bahia ganha capacidade para recompor o capital de giro e estimular vendas; já a Braskem se torna mais atrativa para investimentos nacionais e o IRB reforça sua condição financeira para converter lucro em caixa.
Além do alívio financeiro direto, a queda dos juros torna mais viáveis projetos antes considerados inviáveis, baixando o custo de oportunidade do capital.
Riscos que podem limitar os ganhos com a queda da Selic
Apesar dos potenciais benefícios, alguns fatores podem reduzir o impacto positivo de uma diminuição dos juros. A inflação persistente nos serviços, por exemplo, pode atrasar o ritmo de queda da Selic, mantendo os juros elevados por mais tempo. Além disso, os spreads bancários, que representam a diferença entre o custo de captação dos bancos e o preço cobrado para as empresas, podem não diminuir rapidamente, especialmente para empresas com rating mais pressionado, limitando assim o alívio nos custos financeiros.
Questões específicas de cada companhia, como reestruturações em andamento, oscilações de preços internacionais, disputas judiciais e regulações também podem consumir parte dos ganhos que surgiriam com juros menores.
Sidney Lima, analista da Outo Preto Investimentos, exemplifica como a exposição cambial da Braskem pode diminuir os benefícios de uma Selic mais baixa e lembra que a MRV ainda sofre com questões operacionais no exterior, enquanto a Casas Bahia enfrenta ainda uma despesa financeira elevada devido ao processo de reorganização. Empresas vinculadas a commodities também dependem da recuperação dos preços para melhorar seus resultados.
No âmbito macroeconômico, a proximidade das eleições tende a intensificar a volatilidade dos juros, pressionar o câmbio e causar oscilações nas ações de empresas altamente endividadas. Por isso, a capacidade de execução dos planos de reestruturação e o cumprimento de cláusulas contratuais continuam sendo fundamentais, mesmo com o afrouxamento monetário.
Segundo Roesler, o verdadeiro desafio será transformar esse alívio proporcionado pela queda da Selic em resultados sólidos e duradouros, o que dependerá da disciplina na execução e da recuperação das margens operacionais nos setores.



