Incerteza E Risco: O Termômetro E A Febre Atual

Incerteza E Risco: O Termômetro E A Febre Atual

O termômetro e a febre em um mundo cada vez mais incerto

Os conceitos de incerteza e risco estão intimamente ligados. Por sua natureza, o futuro é incerto, e essa sensação aumenta na medida em que possuímos menos informações sobre ele. Nesse contexto, surge a noção de risco, que consiste em tentar traduzir essa incerteza em possíveis desdobramentos das nossas ações, atribuindo probabilidades a cada cenário.

O risco é, portanto, uma forma de quantificar a incerteza, criando um mapa que nos permite avançar mesmo diante do desconhecido. Para isso, recorremos a dados históricos, identificamos tendências, aplicamos diversos modelos que sintetizam essas informações e tentam projetar o que virá a seguir.

Porém, apesar do esforço técnico envolvido, permanecemos dependentes das informações passadas e das crenças construídas na prática diária. Nossa aprendizagem é baseada na observação direta, que determina como interpretamos o mundo.

Considerando que o mundo passou por transformações rápidas e profundas, alguns especialistas defendem que não estamos diante de um aumento do risco, mas sim de uma ampliação da incerteza. Afinal, qual seria a utilidade dos modelos preditivos se o futuro se distanciar do passado e nossa interpretação continuar ancorada em paradigmas ultrapassados?

Neste início do século, já ocorreram dois grandes estouros de bolhas financeiras. Na virada do milênio, as empresas de internet, após valorização extraordinária, tiveram suas ações desmoronadas, levando cerca de seis anos para recuperar os níveis anteriores.

Logo depois, em 2008, o colapso da bolha imobiliária nos Estados Unidos gerou uma crise financeira global que remeteu a comparações à crise de 1929. Em resposta, governos e bancos centrais adotaram medidas rápidas e intensas, expandindo a oferta monetária e ampliando os déficits públicos.

Mais de uma década depois, a pandemia da covid-19 paralisou a economia mundial, que só não colapsou graças à atuação coordenada, mais uma vez, de governantes e autoridades monetárias, ainda digerindo os impactos da expansão orçamentária e de liquidez recentes.

Entretanto, as crises não pararam por aí. Quase logo após o período da pandemia, eclodiu o conflito provocado pela invasão russa à Ucrânia, reacendendo um clima de tensão semelhante ao da Guerra Fria, que opôs Estados Unidos e Europa à antiga União Soviética. Além disso, a surpresa causada pelo ataque do Hamas a Israel desencadeou um novo conflito no Oriente Médio, região geopoliticamente complexa.

Embora a postura expansionista da Rússia e o equilíbrio instável no Oriente Médio tenham sido preocupações constantes, anteriormente os Estados Unidos atuavam como líderes do Ocidente, mediando conflitos e promovendo consensos. Sua vontade e capacidade de coordenação, além de orçamento robusto e poder militar, ajudavam o país a ser essa liderança natural e o emissor da moeda de reserva global.

Além disso, os EUA se beneficiavam de um fator intangível que sustentava essa posição: a estabilidade e previsibilidade das regras, baseadas em economia de livre mercado, competição e democracia.

Diante do aumento da frequência de guerras, da recorrência de bolhas econômicas e da ocorrência constante de eventos extremos como a covid-19 e desastres climáticos, um papel de liderança mais atuante seria essencial em um mundo marcado por tamanha incerteza. Porém, esse cenário não se confirma.

No período posterior à gestão de Donald Trump, iniciou-se uma era marcada por intervencionismo, desrespeito às regras e instituições, além do chamado capitalismo de compadrio, em que o mérito foi gradativamente suplantado pela proximidade e alinhamento entre empresas e os centros de poder.

Surge, então, a questão: quem assumirá a coordenação do Ocidente em uma eventual crise futura?

Outro aspecto importante a considerar é a política externa dos EUA, que retomou a Doutrina Monroe (“América para os americanos”), com reiteradas ameaças de deixar a Europa à própria sorte diante das investidas expansionistas russas.

Por fim, a China se destaca como motor do crescimento econômico global e rival direto dos EUA na expansão da influência mundial. Ao mesmo tempo, o fortalecimento do extremismo social e político tem dificultado a construção de consensos, gerando tensões tanto internas quanto entre nações.

Além dessas transformações, a evolução da inteligência artificial promete transformar profundamente a economia, os negócios e os comportamentos, de forma até mais impactante e rápida que a revolução da internet, alterando as formas de trabalhar, consumir e investir.

Com tantos eventos ocorrendo simultaneamente e em curto espaço de tempo, alguns estudiosos argumentam que os padrões tradicionais de análise e os modelos preditivos perderam sua precisão. Nesse contexto, as medidas usuais de risco tornam-se insuficientes para captar a intensidade das mudanças. Em outras palavras, o “termômetro” que utilizamos já não consegue medir adequadamente o grau da “febre”.

Encerrando, informo que estarei em férias por duas semanas e retorno em 7 de janeiro.

Desejo a todos um Feliz Natal e um próspero Ano Novo!

Hudson Bessa
Economista, sócio da HB Escola de Negócios e da Spot Capital Consultoria de Investimentos
E-mail: hudson@hbescoladenegocios.com
Site: www.hbescoladenegocios.com

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