Dez perguntas para entender a máfia que cobrava até R$ 500 mil por cargo público
Uma investigação da Polícia Federal desvendou um esquema de fraude em concursos públicos que operava com uma estrutura familiar e altamente organizada. O grupo, com base na região do sertão paraibano, utilizava tecnologias avançadas, acesso antecipado aos gabaritos e recursos sofisticados para burlar os sistemas de segurança das bancas organizadoras. Os pagamentos pelas vagas fraudulentas chegavam a R$ 500 mil. A eficácia do esquema era atestada pelos próprios líderes que participavam dos concursos e eram aprovados, comprovando o método.
1. O que era a ‘máfia dos concursos’?
Este grupo criminoso, chamado pela Polícia Federal de “máfia dos concursos”, atuava principalmente a partir da cidade de Patos, no sertão da Paraíba, com conexões espalhadas por vários estados. O grupo comercializava aprovações em concursos públicos usando recursos tecnológicos de ponta junto a estratégias ilícitas para assegurar a inserção dos candidatos que pagavam por isso. Os valores cobrados podiam alcançar até R$ 500 mil por vaga. A organização desafiava mecanismos de segurança das bancas por meio de técnicas complexas. O núcleo principal dessa quadrilha é formado pela família Limeira, cujo líder era Wanderlan Limeira de Sousa, ex-policial militar expulso em 2021, responsável por coordenar as fraudes e as negociações, além de distribuir antecipadamente os gabaritos.
2. Quem são os suspeitos e quais papéis desempenhavam?
Além de Wanderlan Limeira, seus irmãos Valmir Limeira de Sousa e Antônio Limeira das Neves, sua cunhada Geórgia de Oliveira Neves e a sobrinha Larissa de Oliveira Neves integravam o grupo, cada um com funções específicas que reforçam o caráter familiar da organização. Wanderson Gabriel Limeira de Sousa, filho de Wanderlan, era suspeito de ser o executor técnico das fraudes. Valmir foi aprovado em concurso com o mesmo gabarito de Wanderlan, levantando suspeitas de envolvimento direto. Antônio se beneficiou de um empréstimo de R$ 400 mil de Thyago José de Andrade, conhecido como “Negão”, para financiar a aprovação da filha Larissa, que servia como vitrine para atrair clientes. Geórgia apresentou movimentações financeiras incompatíveis, depositando grandes quantias em dinheiro vivo, apesar de não possuir vínculo empregatício. Outros investigados importantes incluem Ariosvaldo Lucena de Sousa Júnior, Thyago José de Andrade, Laís Giselly Nunes de Araújo e Luiz Paulo Silva dos Santos, este último com histórico de envolvimento em dezenas de concursos fraudulentos.
3. Quais técnicas de fraude eram utilizadas?
O grupo usava recursos tecnológicos sofisticados, como pontos eletrônicos implantados cirurgicamente no ouvido dos candidatos com a ajuda de profissionais de saúde para comunicação em tempo real durante as provas, evitando a detecção dos fiscais. Também eram usadas mensagens codificadas, sistemas externos para transmitir os gabaritos e substituição dos candidatos por dublês treinados para garantir o alto desempenho. Essas estratégias geravam resultados semelhantes, inclusive com respostas idênticas e repetição de erros, mesmo quando os candidatos realizavam provas de modelos diferentes.
4. Quais valores eram cobrados e como o dinheiro era movimentado?
Os preços variavam conforme o certame e o cargo, chegando até R$ 500 mil por vaga. Os pagamentos não eram feitos apenas em dinheiro; o grupo aceitava ouro, veículos e até procedimentos odontológicos como forma de pagamento. Em um dos casos, a compra de uma motocicleta como pagamento por uma vaga da Caixa Econômica Federal foi feita em nome de terceiros poucos dias após a prova. Para lavar o dinheiro, a quadrilha usava depósitos em espécie, compras e vendas simuladas de imóveis, utilização de laranjas e negociação de veículos. A clínica odontológica ligada a Ariosvaldo Lucena também está sob suspeita de servir como fachada para essas movimentações ilegais.
5. Houve envolvimento de servidores ou intermediários?
Até o momento, não há evidências diretas de participação das bancas organizadoras, mas a investigação aponta a possível colaboração de servidores públicos, profissionais da saúde e intermediários locais que recrutavam candidatos, gerenciavam os pagamentos e auxiliavam na instalação dos dispositivos eletrônicos nos ouvidos. O suporte de profissionais da saúde foi fundamental para garantir a implantação segura e discreta dos equipamentos, evitando suspeitas durante as provas.
6. Em quais concursos o grupo atuou e quantas pessoas foram beneficiadas?
A máfia dos concursos teve atuação em dezenas de certames entre 2015 e 2025, envolvendo órgãos como Polícia Federal, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Polícias Civil e Militar e o Concurso Nacional Unificado (CNU). No CNU de 2024, pelo menos 10 pessoas foram diretamente beneficiadas, sendo aprovadas ou recebendo propinas ou participando do esquema. Entre elas estão nomes como Eduardo Henrique Paredes do Amaral e Mylanne Beatriz Neves de Queiroz Soares, entre outros.
7. Quem são os demais investigados e suas funções?
Além da família Limeira, Ariosvaldo Lucena de Sousa Júnior, policial militar do Rio Grande do Norte e proprietário de clínica odontológica, é suspeito de lavar dinheiro por meio do negócio. Thyago José de Andrade, apelidado “Negão”, era o responsável pelo controle financeiro e a comunicação com os candidatos, tendo financiado a aprovação de Larissa Neves. Laís Giselly Nunes de Araújo, parceira de Thyago, está ligada a pelo menos 14 fraudes, com aprovação recente no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), cuja nomeação foi suspensa. Luiz Paulo Silva dos Santos tem um histórico extenso, estando envolvido em mais de 67 concursos fraudulentos, ocupando posição central na organização criminosa.
8. Que evidências foram coletadas pela Polícia Federal?
A Polícia Federal recolheu numerosas provas indicando a articulação complexa e coordenada do grupo. Uma das evidências mais contundentes foi a análise dos gabaritos do CNU de 2024, em que quatro candidatos ligados ao grupo apresentaram respostas idênticas, inclusive nos mesmos erros, mesmo realizando provas diferentes. Especialistas compararam a coincidência à improbabilidade de ganhar 19 vezes consecutivas na Mega-Sena, praticamente descartando qualquer acaso. Também foram interceptados áudios comprometedores e mensagens codificadas, além de comprovantes de pagamento e movimentações financeiras incompatíveis com a renda dos envolvidos. A investigação envolve ainda fraudes anteriores como no concurso da Caixa Econômica Federal.
9. Quais medidas foram adotadas pelas autoridades e o que a operação revelou?
As investigações levaram à deflagração da Operação Última Fase pela Polícia Federal em 2 de outubro, resultando na prisão preventiva de três pessoas em Recife e Patos, além do cumprimento de mandados de busca e apreensão. Foi determinado judicialmente o impedimento da posse de candidatos aprovados por meio das fraudes e o afastamento cautelar de servidores suspeitos. O juiz Manuel Maia de Vasconcelos Neto ressaltou que o grupo contava com especialistas que realizavam as provas em nome dos contratantes, aumentando as chances de sucesso. O custo por vaga fraudada foi estimado em torno de R$ 300 mil.
10. Qual a posição dos investigados?
As defesas afirmam que os acusados são inocentes e negam envolvimento no esquema. O advogado de Ariosvaldo Lucena destacou que as acusações se baseiam em indícios e que provará sua inocência no processo. Os advogados de Antônio, Geórgia e Larissa disseram que os clientes estão colaborando com as investigações e ainda não foram denunciados formalmente. A defesa de Thyago José de Andrade declarou que comprovará a inocência quando oportuno. Laís Giselly, por sua vez, teve seu desempenho advocatício destacado por seus defensores, que pedem respeito à presunção de inocência. Wanderlan aguarda acesso aos autos para se manifestar, enquanto Valmir Limeira tem sua defesa sustentando falta de provas concretas, considerando apenas presunções baseadas em parentesco e coincidência de gabaritos. Os advogados de Wanderson Gabriel reclamaram do que classificaram como ‘linchamento público’, citando a importância do devido processo legal.



