Marcos Mendes alerta para “busca predatória por receitas” do governo
O economista Marcos Mendes, pesquisador associado ao Insper e um dos idealizadores do teto de gastos, fez um alerta sobre o risco do Brasil entrar em uma “busca predatória por receitas” para tentar equilibrar as contas públicas nos próximos anos.
Segundo Mendes, o esforço fiscal projetado pelo governo até 2026 pode resultar em medidas que antecipam receitas e oferecem descontos em dívidas tributárias, o que comprometeria a sustentabilidade financeira futura do país.
Ele ressalta que o cenário fiscal brasileiro já é preocupante. Em julho, o déficit primário atingiu R$ 59 bilhões, sendo o segundo maior registrado para o mês, atrás apenas do recorde durante a pandemia, em 2020.
Apesar do recorde na arrecadação e dos frequentes aumentos de impostos, as despesas do governo aumentaram 28% em comparação ao mesmo período de 2024.
“Chegamos ao pico do ciclo econômico sem conseguir resultado positivo. Quando a atividade econômica desacelerar, o rombo nas contas vai aparecer”, afirmou Mendes.
Ele destacou ainda que a deterioração fiscal fica evidente ao compararmos a dívida bruta esperada pelo governo: em agosto de 2022, a projeção era de 87,5% do PIB; atualmente, esse percentual está seis pontos percentuais maior.
“Isso mostra o enfraquecimento da política fiscal”, complementou o economista, que estimou que para alcançar a meta mínima de resultado primário em 2026, será necessário contingenciar cerca de R$ 40 bilhões em despesas.
Pressões dos gastos sociais sobre as contas públicas
Mendes chamou atenção para o fato de que mais da metade das despesas primárias da União estão vinculadas à Previdência Social e benefícios sociais, que são atrelados ao salário mínimo. O governo concedeu reajuste real no salário mínimo, o que acelerou o crescimento desses gastos.
“Se esse modelo permanecer por cinco ou seis anos, o endividamento se tornará explosivo”, alertou ele.
O pesquisador ainda mencionou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que tem crescido acima de dois dígitos nos últimos três anos. Mendes atribui o problema ao design inadequado do programa, que abre espaço para judicializações e fraudes.
“Existe uma verdadeira indústria dedicada a explorar brechas legais e obter benefícios indevidos”, ressalta.
Além disso, decisões recentes do Judiciário, como a extensão do direito ao salário-maternidade para trabalhadoras informais que contribuem como microempreendedoras individuais, trazem um impacto adicional estimado em até R$ 30 bilhões ao BPC, o que agrava ainda mais a situação fiscal.
Gastos com servidores, supersalários e precatórios no radar
Indagado sobre despesas com servidores públicos, sobretudo supersalários, Mendes explicou que a proporção da folha de pagamento federal vem diminuindo, mas ainda apresenta distorções importantes.
“O maior problema está nos estados e municípios. No âmbito federal, os altos salários e adicionais, principalmente no Judiciário, somam cerca de R$ 11 bilhões ao ano”, afirmou.
Sobre os precatórios, ele destacou os riscos da recente aprovação da PEC que limita os pagamentos. Segundo Mendes, essa iniciativa fará o estoque de precatórios subir de R$ 200 bilhões para R$ 370 bilhões até 2030.
“Estados e municípios conseguirão liberar espaço para gastos adicionais, provavelmente com pessoal, enquanto empurram o ônus para seus credores”, explicou.
Além disso, a medida também refinanciou dívidas previdenciárias dos entes subnacionais, gerando um custo estimado de R$ 85 bilhões para o governo federal.
“Na prática, as administrações locais aumentam seus gastos e transferem a responsabilidade financeira para a União”, resumiu Mendes.
O legado da pandemia e os desafios para 2026
Mendes afirmou que a pandemia deixou um legado de permissividade fiscal no Brasil. “Ficamos acostumados a elevar os gastos públicos, como se fosse uma autorização para gastar livremente”, afirmou.
Ele lembrou que, mesmo antes da pandemia, o Brasil era um dos países emergentes com mais dívida, mas durante a crise sanitária terminou como o terceiro que mais gastou.
Para ilustrar a fragilidade fiscal nacional, Mendes comparou com economias desenvolvidas. Enquanto Estados Unidos e França conseguem manter dívidas acima de 100% do PIB com juros baixos, o Brasil convive com taxas reais entre 6% e 7%, o que gera um custo anual de quase R$ 900 bilhões somente com o serviço da dívida.
“Ninguém no mundo quer ter real, o que limita a capacidade do país de se endividar”, comentou.
O economista ressaltou que diante do desafio de obter até R$ 80 bilhões em receitas para atingir a meta fiscal de 2026, o governo provavelmente recorrerá a receitas extraordinárias, renegociações tributárias e outras manobras contábeis.
“Se essas alternativas não forem suficientes, o mais provável será a alteração da meta fiscal, o que em ano eleitoral acarretaria uma forte perda de credibilidade”, finalizou.



