Mineradoras chinesas respondem por 30% da extração de nióbio e estanho no Brasil
As companhias chinesas também estão próximas de controlar metade da produção nacional de níquel, além de ampliaram seu domínio sobre o lítio e o minério de ferro. O Brasil, líder mundial em vários desses minérios, tem visto o avanço significativo dessas empresas estatais do país asiático em seu território.
Em 2024, as empresas chinesas investiram cerca de US$ 4,2 bilhões em projetos no Brasil, um aumento expressivo de 113% em relação ao ano anterior, representando o maior volume investido desde 2021. Diferentemente de investimentos pontuais, esses aportes concentram-se em setores estratégicos para infraestrutura, como energia elétrica, petróleo, mineração e infraestrutura em geral.
Este conteúdo é a primeira parte de uma série de reportagens que detalham a extensão da presença chinesa no Brasil, iniciando pelo segmento de mineração, campo em que o país brasileiro ocupa posição decisiva nas exportações globais.
Níquel
Um dos investimentos mais emblemáticos neste ano foi a compra da mina de Barro Alto, localizada em Goiás, adquirida da gigante britânica Anglo American pela MMG, que é uma subsidiária da China Minmetals, estatal chinesa. Essa transação ainda depende de aprovação pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Se confirmada, a operação fará com que a China controle 50% da produção nacional de níquel, equivalente a cerca de 1% da produção mundial desse metal. O acordo também envolveu a aquisição da Codemin, uma siderúrgica especializada em processamento de níquel localizada em Niquelândia (GO), por US$ 500 milhões.
O níquel tem múltiplas aplicações, com destaque para a fabricação de aço inoxidável, em que a Codemin produz ferroníquel – uma liga de ferro e níquel usada na confecção desse tipo de aço resistente à corrosão. Além disso, o níquel é componente essencial em baterias de íons de lítio usadas em carros elétricos e dispositivos eletrônicos, aumentando a capacidade de armazenamento de energia.
Como a China domina cerca de 75% da produção mundial de baterias de lítio, o interesse chinês pelo níquel do Brasil é natural, estendendo-se a outras regiões mineradoras no mundo, como Indonésia e África, onde companhias chinesas também têm elevado controle sobre esses recursos.
Rafael Marchi, diretor para infraestrutura da Alvarez & Marsal, ressalta que essa estratégia é parte de um programa estatal chinês que existe há mais de uma década, inicialmente focado em alcançar autossuficiência em insumos, mas que hoje evolui para um modelo mais alinhado ao capitalismo tradicional, com foco em eficiência e lucro, como exemplificado pela compra de refinarias por empresas aéreas globais para garantir oferta e preços estáveis de combustível.
Lítio
A BYD, maior montadora chinesa especializada em veículos elétricos, possui joint ventures para extração de lítio na China e busca expandir suas operações internacionalmente, incluindo no Brasil. Em 2023, a empresa adquiriu direitos de mineração no Vale do Jequitinhonha (MG), também denominado “Vale do Lítio”, por meio da criação da subsidiária BYD Exploração Mineral do Brasil. O projeto ainda está em fase de pesquisa, e a informação só foi revelada neste ano pela Reuters após consulta a documentos públicos.
Além disso, em 2024 a BYD manteve conversas para formar parceria com a Sigma Lithium, principal produtora nacional de lítio, conforme reportado pelo Financial Times. Assim, o lítio desponta como uma das últimas frentes de interesse da presença chinesa no setor mineral brasileiro.
Nióbio
O nióbio é um mineral fundamental para a indústria mundial e praticamente exclusivo do Brasil, que detém 90% da produção global. Este metal é valorizado por sua capacidade de manter resistência a altas temperaturas, o que o torna indispensável para a fabricação de turbinas de aviões e foguetes, além de melhorar a resistência do aço para aplicações em veículos, construções e oleodutos.
A produção nacional de nióbio está centralizada na CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), que é responsável por 85% da extração, principalmente em sua mina localizada em Araxá (MG). Até 2011, a CBMM era controlada pela família Moreira Salles, mas naquele ano 15% da companhia foram vendidos para um consórcio de empresas japonesas e outros 15% para um grupo chinês.
A China importa cerca de um terço da produção mundial de nióbio, o que justifica o interesse no metal. Em 2016, a estatal chinesa CMOC adquiriu da britânica Anglo American a mina de nióbio localizada no complexo de Catalão (GO). Em 2024, a Taboca, outra produtora brasileira de nióbio em escala menor que opera na Amazônia, foi comprada pela estatal chinesa CNMC.
Assim, todos os 15% da produção nacional de nióbio que não saem da CBMM estão controlados por empresas chinesas, somando-se ainda aos 15% da CBMM detidos por grupos chineses, o que significa que quase um terço da produção brasileira do metal está sob controle chinês.
Estanho e cobre
A maior vantagem adquirida com a compra da Taboca não está apenas no nióbio, mas também no estanho. O Brasil responde por 8% da produção mundial de estanho, e a mineradora em questão é responsável por 30% da extração nacional, sobretudo devido à mina de Pitinga, localizada no Amazonas.
O estanho tem importância crucial na indústria eletrônica, pois é utilizado nas soldas de circuitos devido ao seu baixo ponto de fusão (232º C), garantindo as conexões em dispositivos como controles remotos e diversos aparelhos eletrônicos.
Quanto ao cobre, o Brasil produz 360 mil toneladas por ano, cerca de 2% da produção mundial. Mesmo não sendo um dos maiores produtores, a China demonstrou interesse e adquiriu a Mineração Vale Verde, responsável pela mina de Serrote (AL), por intermédio da estatal Baiyin, que agora responde por 5% da produção nacional de cobre.
Minério de ferro
Existem particularidades na relação entre o Brasil e a China quando o assunto é minério de ferro. O país brasileiro é o segundo maior exportador mundial, enquanto a China é o maior importador, absorvendo 70% das nossas exportações totais dessa commodity.
Apesar desse grande volume comercial, até o momento a China não possui operações próprias de mineração de ferro no Brasil, mas isso pode mudar em breve. A empresa chinesa Geely, proprietária da Volvo e que lançou carros com sua própria marca no país recentemente, deverá iniciar a produção de minério de ferro por aqui.
Este projeto é conduzido pela Sul Americana de Metais, subsidiária da mineradora chinesa Honbridge Holdings, companhia essa controlada majoritariamente pela Geely, que detém 53% das ações.
O empreendimento, denominado Bloco-8, fica no norte de Minas Gerais e ainda está na fase de obtenção de licenças ambientais para operar. A capacidade estimada é de 27 milhões de toneladas anuais após um investimento de US$ 2,1 bilhões, o que representaria cerca de 6% da produção atual do Brasil.
Além disso, o Bloco-8 deve produzir minério de alta qualidade, com 65% de teor de ferro, superior ao padrão convencional de 62%, igualando-se ao material extraído na mina de Carajás, a mais valiosa da Vale. Pelas estimativas, essa parte premium da produção responderia por 13% da produção nacional, reforçando ainda mais a presença chinesa.
Essa estratégia faz parte de um movimento de verticalização, em que a própria montadora chinesa opera a extração da matéria-prima essencial para a fabricação do aço necessário à sua produção automotiva.
Diante do crescimento do interesse chinês, não há sinais de que essa expansão se detenha tão cedo.