Novas Regras De Herança E O Cônjuge Fora Do Testamento

Novas regras sobre herança e o papel do cônjuge fora do testamento em debate no Congresso

Apesar de ser o principal meio para expressar a vontade do falecido e definir a distribuição dos bens, o testamento ainda é pouco utilizado no Brasil em comparação a outros países como os Estados Unidos. Entre os motivos que afastam os brasileiros estão o tabu em torno da morte, a renda mais baixa, a burocracia e as normas atuais que limitam o instrumento.

Contudo, a proposta de atualização do Código Civil, que está sendo avaliada no Congresso Nacional, sugere flexibilizar o uso do testamento, incluindo mudanças como a possibilidade de excluir cônjuges e companheiros do grupo dos herdeiros necessários. Com isso, viúvos e viúvas teriam que constar expressamente no testamento para ter direito à herança junto com filhos e netos.

Além disso, o projeto prevê a reserva de parte dos bens para um herdeiro vulnerável e possibilita a retirada de herdeiros, por exemplo, em casos de abandono ou agressões físicas ou psicológicas. Especialistas e advogados ouvidos indicam que essas alterações podem aumentar a importância do testamento como ferramenta de planejamento patrimonial no país.

Mesmo atualmente, a elaboração do testamento é recomendada para evitar disputas familiares e a complexidade burocrática que pode atrasar o inventário e a partilha dos bens, processo este que pode durar anos.

Entre 2007 e setembro de 2024, foram registrados pouco mais de 527 mil testamentos públicos no Brasil, segundo a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR). Porém, dados indicam que o número vem crescendo, sendo cerca de 40 mil registros anuais atualmente, ante 20 mil há 18 anos, embora essa procura ainda seja modesta.

Proposta para o novo Código Civil e o impacto nas regras de herança

O projeto de lei 4/2025, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), protocolado em janeiro, visa substituir o Código Civil de 2002, abrangendo cerca de 900 alterações e 300 inclusões. Essas mudanças incluem a oficialização de uniões homoafetivas e modificações nas regras de testamentos e heranças.

O texto ainda passará por comissões no Congresso e enfrenta resistências. Um manifesto assinado por 17 entidades jurídicas pediu maior envolvimento da sociedade e especialistas nas discussões.

Paralelamente, a discussão da reforma tributária, que inclui a taxação progressiva do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), deve impulsionar a formalização de testamentos, reforçando a importância do planejamento sucessório.

Complexidade atual do testamento e o que deve mudar

Atualmente, metade dos bens do falecido deve ser obrigatoriamente partilhada entre os chamados herdeiros necessários — filhos, netos, ascendentes e cônjuges ou companheiros —, enquanto a outra metade pode ser distribuída livremente pelo testamento. O testador não pode alterar a parte devida aos herdeiros legítimos.

A inclusão do cônjuge na divisão da herança pode surpreender em alguns casos, especialmente dependendo do regime de casamento. Por exemplo, no regime de comunhão parcial, o cônjuge tem direito à metade dos bens adquiridos durante a união, enquanto no regime de separação total, o sobrevivente pode herdar uma parte mesmo não havendo comunhão de bens.

Essa situação gera insegurança, especialmente em empresas familiares, quando o falecido era sócio. A entrada inesperada do cônjuge como herdeiro pode causar disputas societárias. O novo Código Civil pretende retirar o cônjuge da lista de herdeiros necessários, o que traria mais clareza e segurança para os negócios e planejamento patrimonial.

Deserdação e novas possibilidades de exclusão de herdeiros

Atualmente, a legislação prevê deserdação em casos de ofensa física grave, injúria grave, relacionamento ilícito com padrasto ou madrasta e abandono em casos de doença grave ou alienação mental, mediante decisão judicial. A proposta da reforma amplia essas hipóteses para incluir ofensa à integridade física e psicológica e abandono material ou emocional injustificado.

Essa flexibilização amplia as possibilidades de exclusão de herdeiros, como filhos ou netos que tenham abandonado o falecido. A mudança é vista positivamente por alguns especialistas, que ressaltam a importância do afeto e do cuidado como critérios para a partilha.

Para cônjuges financeiramente dependentes, o novo Código exigirá planejamento detalhado, como conceder usufruto de bens, garantindo o direito de habitação, mesmo que o imóvel passe aos filhos.

Formas de fazer um testamento no Brasil

Existem três tipos principais de testamento reconhecidos atualmente. O mais comum e seguro é o testamento público, realizado em cartório na presença de duas testemunhas e do tabelião, que registra o documento de forma oficial. O custo varia conforme o estado e a complexidade.

Outra modalidade é o testamento cerrado, entregue ao tabelião com duas testemunhas, porém escrito antecipadamente pelo testador ou por alguém de sua confiança. Esse tipo precisa ser aberto e homologado por um juiz após a morte.

Há ainda o testamento particular, feito pelo testador com três testemunhas não parentes ou herdeiros, que pode ser guardado em casa e necessita de validação judicial após o falecimento.

Testamentos especiais e propostas para o futuro

A legislação atual contempla também os testamentos aeronáutico, marítimo e de guerra, que permitem registros em situações emergenciais específicas, como viagens ou combates militares. A proposta de reforma acaba com essas modalidades, substituindo-as por um testamento emergencial, válido por 90 dias e sem necessidade de testemunhas.

Outra inovação prevista é o testamento conjuntivo, onde cônjuges sob regime de separação de bens podem, em documentos separados, dispor da sua parte da herança de maneira recíproca, instrumento hoje vedado pelo Código atual.

Também está prevista a possibilidade de reservar até 25% da parte obrigatória dos bens a um herdeiro vulnerável, flexibilizando a regra dos legítimos, embora haja dúvidas sobre a praticidade devido à subjetividade dos critérios para essa vulnerabilidade.

O projeto amplia a possibilidade de incluir herdeiros ainda não concebidos, alcançando embriões ou material genético congelado.

Digitalização e modernização dos testamentos

O novo Código visa possibilitar a realização de testamentos por vídeos ou outros meios digitais, com assinatura eletrônica, tornando o processo mais acessível e moderno. Também permite incluir no testamento a destinação de bens digitais, como criptomoedas, senhas e arquivos digitais do falecido.

Apesar das inovações, alguns especialistas acreditam que o custo e a falta de patrimônio entre a maior parte da população impedirão um aumento significativo da utilização dos testamentos no país.

Quando é recomendável fazer um testamento?

Após a morte, o testamento deve ser executado por um testamenteiro, que assegura a distribuição dos bens conforme as últimas vontades do falecido. Esse profissional pode ser indicado no documento ou nomeado pelo juiz, e receberá uma remuneração paga pela própria herança.

É comum que pessoas tentem contestar a validade do testamento, alegando incapacidade mental do testador, tornando a função do testamenteiro essencial para proteger o documento.

O testamento permite ajustar a sucessão de forma personalizada, definindo bens específicos para cada beneficiário, aparelhos de habitação e quantidades individuais, em contraste com as regras gerais da lei.

Além do testamento, outros mecanismos de sucessão como seguro de vida, doações em vida e criação de pessoas jurídicas para administração dos bens também são opções de planejamento patrimonial.

Especialistas reforçam que fazer um testamento é positivo mesmo para patrimônios modestos, pois evita conflitos familiares, que podem se tornar desgastantes e demorados diante da sobrecarga do Judiciário.

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