Vale a pena se desconectar da rede elétrica? Os desafios da energia solar off-grid
O interesse pela geração própria de energia no Brasil vem crescendo rapidamente, transformando muitos consumidores em produtores através da geração distribuída (GD). Atualmente, a busca vai além: um número crescente de pessoas deseja total independência da rede elétrica, apostando em sistemas off-grid, que funcionam totalmente isolados do sistema público. Essa tendência, antes restrita a comunidades remotas ou discursos ideológicos, começa a conquistar consumidores urbanos, instaladores solares e investidores. Para alguns, isso representa um amadurecimento do setor; para outros, traz riscos de descontrole no modelo elétrico nacional.
O Brasil possui mais de 45 GW em capacidade de geração distribuída, principalmente por painéis solares instalados em residências e comércios, o que corresponde a 18,4% da capacidade total instalada do país. A previsão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é que esse número alcance 24% em 2029, chegando a 64,6 GW. Esse avanço é incentivado por regras que permitem a compensação da energia injetada na rede, fazendo o medidor “girar para trás”, além de descontos nas taxas pela utilização da infraestrutura distribuída.
Para quem já investiu em painéis solares e percebeu a redução na conta de luz, o passo seguinte muitas vezes parece ser a independência total do sistema público. Mas, na prática, a decisão é complexa e envolve aspectos técnicos, custos elevados e implicações mais amplas para o setor elétrico brasileiro.
Aumento da procura por independência energética
Os recentes apagões na Região Metropolitana de São Paulo elevaram a busca por soluções que garantam energia mesmo durante falhas no abastecimento. Consumidores residenciais passaram a desejar maior controle e autonomia, buscando reduzir a vulnerabilidade em relação às distribuidoras e ao Estado. Carlos Evangelista, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), explica que existe um público com capacidade financeira que quer ter previsibilidade e autonomia.
Por outro lado, Evangelista alerta que sair da rede elétrica não é algo simples: “O consumidor passa a ser o operador do seu próprio sistema”. Essa mudança demanda investimentos em baterias, monitoramento constante do consumo e planejamento rigoroso para períodos com baixa geração, como dias nublados.
Raphael Pintão, fundador da NeoSolar, uma empresa focada em sistemas fotovoltaicos, confirma o aumento na procura por sistemas off-grid, especialmente após os blecautes, mas ressalta que muitos desistem ao conhecer os custos e a complexidade. Ele destaca que sistemas totalmente autônomos fazem sentido apenas em situações muito específicas.
Em residências de alto padrão ou locais com equipamentos que exigem operação constante, como freezers para medicamentos ou estações de trabalho domiciliares, há maior disposição para adotar soluções híbridas. Para muitos, a motivação tem mais a ver com segurança emocional do que com economia direta.
Viabilidade e custos dos sistemas off-grid
A peça fundamental para um sistema off-grid funcionar de modo eficiente são as baterias, que permitem o armazenamento de energia para uso quando não há iluminação solar. Apesar da redução global nos preços das baterias, no Brasil elas ainda representam um investimento significativo. Dados da consultoria Greener indicam que, em 2025, apenas cerca de 2% dos sistemas solares instalados no país possuem armazenamento.
Segundo Pintão, do ponto de vista financeiro, sistemas off-grid residenciais praticamente não são rentáveis. O custo para uma casa pode ser até seis vezes maior do que um sistema conectado à rede. “Se o objetivo é economizar, o off-grid não se justifica. Ele atende necessidades ligadas à segurança ou ao valor subjetivo da independência, mas dificilmente traz retorno financeiro”, esclarece.
Cada projeto off-grid é personalizado, uma vez que o consumo varia muito entre famílias. Para exemplificar, enquanto um sistema tradicional pode custar em torno de R$ 15 mil, um sistema autônomo equivalente dificilmente fica abaixo de R$ 30 mil. Apesar do valor, muitos optam pelo off-grid pelo desejo de autonomia, mesmo que isso não represente economia.
Na prática, a desconexão total da rede é uma realidade apenas para um grupo restrito. Mesmo quem pode pagar deve ponderar os custos com manutenção constante, espaço para equipamentos e a necessidade de gerenciar ativamente o consumo. Para a maioria, a solução mais adequada ainda é um sistema híbrido, conectado à rede, com baterias como respaldo para situações emergenciais.
Impactos sociais e estruturais
Sair completamente da rede elétrica não é uma solução milagrosa e exige cuidados técnicos e financeiros. Além disso, pode provocar efeitos negativos para a sociedade e para o sistema como um todo.
Consumidores que se desligam ainda dependem da infraestrutura coletiva, apesar de estarem “isolados”. A regulação, a cadeia de suprimentos de equipamentos e a estabilidade do sistema elétrico influenciam todos os usuários, inclusive os off-grid.
O modelo brasileiro funciona com base no rateio dos custos fixos da rede entre todos os consumidores. Quando alguns deixam o sistema, os custos restantes recaem sobre quem permanece. Marco Delgado, especialista em regulação, alerta que os incentivos anteriores favoreciam consumidores com maior poder aquisitivo e negligenciavam soluções coletivas, criando um cenário complexo para a transição que vem se acelerando.
Essa situação reforça desigualdades: quem tem dinheiro garante sua autonomia, enquanto os que dependem da rede ficam frente a custos cada vez maiores e a um sistema energeticamente mais frágil. Esse é um dilema global: na Califórnia, o crescimento dos sistemas off-grid pressionou o sistema coletivo e levou a mudanças regulatórias; na África do Sul, consumidores ricos se desconectam, deixando os mais pobres vulneráveis a apagões; na Europa, modelos como geração compartilhada e baterias comunitárias surgem como alternativas para maior equilíbrio.
Possíveis soluções e caminhos futuros
Em 2025, a aprovação da lei nº 15.269 e a regulamentação da ANEEL passaram a reconhecer baterias como ativos regulatórios, permitindo que sejam contratadas como reserva de capacidade. O governo estima que isso pode atrair até R$ 77 bilhões em investimentos até 2034.
Para Raphael Pintão, o modelo híbrido é o caminho mais realista, especialmente para residências com maior consumo ou que exigem alta confiabilidade no fornecimento. “Não se trata de todo mundo sair da rede, e sim de utilizar a tecnologia para depender menos dela”, destaca.
Evangelista e Delgado defendem que o futuro da energia está nas soluções compartilhadas, com baterias comunitárias, projetos coletivos e regulamentações mais justas. O grande desafio é evitar que a busca pela autonomia se torne um privilégio exclusivo, enquanto o sistema coletivo se fragilize mais ainda.
Para quem já possui painéis solares, o off-grid pode parecer um próximo passo natural, mas ainda está fora do alcance da maioria devido ao custo e complexidade técnica. Felizmente, existem alternativas intermediárias que permitem aumentar a independência energética sem abrir mão das vantagens de um sistema coletivo bem estruturado.



