Pacote de ajuda à Argentina representa risco estratégico para governo Trump
A Argentina enfrenta uma crise profunda de credibilidade econômica marcada por problemas persistentes com a desvalorização do peso e a inflação elevada. Um colapso financeiro poderia minar as reformas fiscais que o presidente Javier Milei prometeu implementar em sua gestão, antes mesmo de assumir o cargo.
A Casa Branca planeja destinar um pacote de US$ 40 bilhões para auxiliar Milei na estabilização econômica do país, especialmente antes das eleições de meio de mandato marcadas para 26 de outubro. O objetivo é conter a queda da confiança no peso argentino e a inflação em ascensão, ambos fatores que ameaçam o avanço das reformulações propostas por Milei. Contudo, essa estratégia apresenta caminhadas arriscadas e pode acabar sendo contraproducente.
Desde sua posse em 2023, Milei tem buscado aplicar medidas rígidas para restaurar a disciplina fiscal e revigorar a economia argentina. Surpreendendo muitos, ele conseguiu reduzir gastos públicos excessivos e cessou a emissão monetária para o financiamento do déficit, provocando queda significativa na inflação. No entanto, ele não conseguiu enfrentar de maneira efetiva a fragilidade histórica da moeda nacional.
Durante sua campanha, Milei propôs a eliminação total do peso e a adoção completa do dólar americano como moeda oficial, dado que a economia argentina já estava parcialmente dolarizada. Essa proposta mostrou-se inviável na prática; como alternativa, o governo optou por vincular o peso ao dólar, evitando a flutuação cambial livre. Essa decisão, apesar de bem intencionada, conduziu à atual instabilidade monetária no país.
O desafio de manter uma paridade cambial sólida frente a um colapso de confiança é amplamente conhecido. Scott Bessent, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, possui experiência relevante no tema, tendo participado em 1992 da equipe que apostou contra a paridade da libra esterlina em relação ao euro, resultando na crise do Banco da Inglaterra. Atualmente, ele lidera o grupo que propõe o uso de dólares para sustentar a moeda argentina, país que já enfrentou quase vinte resgates financeiros desde 1958.
Além da compra direta da moeda, o Tesouro americano firmou um acordo de swap no valor de US$ 20 bilhões por meio do Fundo de Estabilização Cambial, permitindo que a Argentina troque dólares por pesos para sustentar a paridade. Bessent também indicou a possibilidade de disponibilizar até US$ 20 bilhões adicionais em financiamentos privados para ajudar o país a quitar dívidas, embora os detalhes e condições para esses recursos ainda não estejam definidos, especialmente quanto a quem assumirá os custos caso o plano não seja bem-sucedido.
Intervenções desse tipo, patrocinadas pelos EUA, já ocorreram anteriormente e nem sempre fracassaram. Um exemplo notável foi o apoio oferecido ao México durante a crise do peso em 1995, vista como válida porque aconteceu após o país desistir da defesa cambial e pela demonstração clara do compromisso de Washington em estabilizar a economia do vizinho.
Contudo, diferentemente do caso mexicano, a Argentina continua tentando segurar a paridade do peso, visto que uma grande desvalorização e o aumento da inflação poderiam prejudicar Milei pouco antes das eleições. Além disso, a promessa de ajuda dos EUA é hoje muito menos firme, o que ficou evidenciado quando o peso valorizou logo após o anúncio do swap, mas rapidamente voltou a enfrentar pressão cambial, especialmente depois que a Casa Branca sugeriu que o suporte estaria condicionado à vitória do partido governista nas eleições.
Essa situação levanta suspeitas entre investidores, aumentando a impressão de que a ajuda americana está mais vinculada a interesses políticos imediatos do que a um compromisso genuíno com a recuperação econômica de longo prazo da Argentina.
Uma alternativa melhor poderia ter sido a coordenação dos EUA com parceiros internacionais para que o Fundo Monetário Internacional (FMI) reformulasse seu programa vigente na Argentina, ampliando o apoio financeiro sob a condição de que o governo, independente de quem estivesse no comando, seguisse com monitoramento rigoroso, implementasse reformas econômicas sólidas e permitisse a livre flutuação cambial.
Essa abordagem teria potencial para aumentar as chances de êxito e reduzir custos ao final. No entanto, essa estratégia demandaria uma cooperação internacional proficiente sob a liderança norte-americana — um caminho que o atual governo dos EUA tem evitado seguir.
Ainda há tempo para reverter essa escolha. Caso contrário, a Argentina poderá mergulhar novamente em um fracasso econômico, deixando os EUA em uma posição delicada.
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