Por que os brasileiros estão consumindo menos álcool enquanto a indústria segue lucrando
A pesquisa do Datafolha indica que 53% dos brasileiros que bebem alcoólicos reduziram seu consumo no último ano, sinalizando uma transformação no mercado de bebidas. Entre os jovens da geração Z, entre 18 e 26 anos, apenas 45% afirmam consumir bebidas alcoólicas, número este inferior ao de gerações anteriores. Nos dados da Euromonitor, o consumo de cervejas sem álcool no Brasil aumentou mais de 200% entre 2020 e 2023, passando de 197,8 milhões para 649,9 milhões de litros.
De acordo com a World Brewing Alliance (WBA), o Brasil ocupa a segunda colocação mundial no mercado de cervejas zero álcool. Estes dados sugerem um público mais aberto à moderação e disposto a experimentar novas opções. Mesmo aqueles que permanecem consumidores buscam agora uma experiência mais criteriosa, favorecendo marcas premium.
A jovem Gabrielle Ribeiro, de 23 anos, decidiu parar de beber e compartilha sua trajetória ao abandonar as festas e ressacas para investir em saúde e uma rotina ativa, economizando até R$ 300 por semana. Sua decisão representa um movimento crescente de pessoas que reavaliam a relação com o álcool, seja por obtenção de bem-estar, controle emocional ou finanças.
Por outro lado, há quem nunca se identificou com a bebida, como Rayane Moreira, que cresceu em ambiente familiar marcado por conflitos causados pelo álcool e prefere bebidas sem álcool, como mocktails ou vinhos. Essas histórias são um retrato da mudança de comportamento que principalmente os jovens da geração Z apresentam.
Motivações para o menor consumo entre os jovens
Os jovens da geração Z demonstram claramente um distanciamento do álcool, que perdeu seu status simbólico social. Entre os que não bebem, 58% afirmam falta de interesse, 34% não apreciam o sabor e 30% evitam os efeitos físicos e emocionais da bebida. Outros aspectos citados incluem a busca por qualidade de vida (19%) e motivos religiosos (17%).
Ademais, fatores financeiros impactam bastante esse cenário. Muitos jovens reconhecem que gastam muito dinheiro com álcool, fato que, somado à menor renda disponível, leva à diminuição da frequência e quantidade consumidas. A classe C, por exemplo, apresenta menor conhecimento e consumo de cervejas sem álcool por conta do preço, o que reduz o acesso a esse segmento.
Desafios e oportunidades para o mercado de bebidas
Apesar da queda no consumo tradicional de álcool, o setor observa uma reconfiguração do mercado, impulsionada por consumidores mais seletivos e interessados em experimentar. A Nielsen destaca que as cervejas sem álcool apresentam crescimento anual três vezes superior às tradicionais.
Além disso, 41% dos entrevistados afirmam que alteraram seu padrão de consumo de álcool no último ano, e 43% planejam reduzir ainda mais, motivados por saúde e economia.
Um fenômeno conhecido como “zebra stripe”, onde consumidores alternam bebidas alcoólicas e não alcoólicas, tem ganhado espaço, especialmente entre jovens, permitindo um consumo prolongado com maior controle, indicando a valorização do equilíbrio e moderação consciente.
A valorização da qualidade também se destaca: há disposição para pagar mais por rótulos premium que trazem experiências sensoriais diferenciadas, como o aumento de 10% na procura por uísques single malt nos últimos três anos.
Como as empresas estão reagindo a essa transformação
As empresas do setor têm enxergado a moderação como uma grande oportunidade. A Ambev, líder no mercado nacional, vem ampliando seu portfólio com bebidas de teor alcoólico reduzido. Em 2025, o segmento de cervejas sem álcool da companhia cresceu 15% no segundo trimestre em relação ao ano anterior, e a previsão é de crescimento cinco vezes mais rápido que o das cervejas tradicionais até 2028.
Marcas como Bud Zero, Corona Cero, Stella Pure Gold e Brahma Zero são estratégicas nesse novo cenário. A Corona Cero, lançada em 2022, por exemplo, é a primeira cerveja no mundo com infusão de vitamina D e baixo teor calórico, unindo sabor à tendência de produtos saudáveis.
A Diageo, gigante global em destilados, também está diversificando com a compra da Ritual Zero Proof e lançamentos no Brasil de versões 0.0 de marcas conhecidas como Tanqueray. A empresa observa que os consumidores brasileiros preferem experimentar versões sem álcool de bebidas já familiares em vez de marcas inéditas.
Além do desenvolvimento de produtos, há investimento na capacitação profissional e parcerias com bares para inovar e criar novas experiências em coquetelaria.
A revolução dos coquetéis sem álcool
O bar Caledonia, inicialmente focado em uísques, adaptou-se à demanda crescente por coquetéis não alcoólicos — os mocktails — que hoje são preparados com técnicas sofisticadas, como infusão de especiarias e clarificação, para garantir características complexas e equilibradas, semelhantes às bebidas tradicionais.
O proprietário Maurício Porto aponta que o objetivo não é simplesmente imitar o sabor do álcool, mas criar drinks que sejam saborosos e sofisticados por si mesmos, evitando o estigma de que bebidas sem álcool possuem paladar infantil ou excessivamente doce. A carta do Caledonia oferece cinco opções de mocktails que têm tido grande aceitação, chegando a ter estoques esgotados em alguns dias.
Essas mudanças indicam que o ato de beber está se tornando um hobby relacionado ao prazer da descoberta sensorial, e não apenas uma busca pela embriaguez.



