Pressão de Trump sobre Powell assombra bancos centrais globais diante da instabilidade do Fed
Durante um encontro de autoridades monetárias internacionais em um resort nas montanhas dos Estados Unidos no fim de semana, cresceu a preocupação de que a turbulência política envolvendo o Federal Reserve (Fed) possa também afetar outros bancos centrais ao redor do mundo.
O presidente americano Donald Trump tem tentado remodelar o Fed segundo seus interesses, pressionando para cortes nos juros, o que gerou dúvidas sobre a capacidade do banco central dos EUA de manter sua autonomia e credibilidade na luta contra a inflação.
Descontente com as proteções legais que asseguram mandatos longos aos dirigentes do Fed — feitos para garantir independência em relação a governos transitórios — Trump atua intensamente para forçar a saída do presidente Jerome Powell e busca ainda destituir a governadora Lisa Cook.
Se o banco central mais influente do mundo sucumbir a essas pressões, ou se Trump encontrar meios de controlar diretamente sua nomeação, isso criaria um precedente perigoso, incitando pressões similares a bancos centrais em outras regiões, como Europa e Japão, onde a independência monetária pode ser atacada por governos locais.
Olli Rehn, integrante do Banco Central Europeu (BCE) da Finlândia, expressou sua inquietação com os ataques ao Fed, afirmando que tais episódios impactam a governança monetária global. Ele e outros membros demonstraram forte apoio a Powell para que permaneça em seu cargo, mesmo com sinais de possível redução dos juros já em setembro. Powell foi ovacionado em evento na conferência anual de Jackson Hole, Wyoming.
Riscos à autonomia dos bancos centrais
Discussões reservadas com diversos governadores de bancos centrais no retiro do Fed evidenciaram que, caso a independência do Fed seja comprometida, haveria efeitos diretos para a estabilidade econômica global e para a atuação das demais autoridades monetárias. Todos concordam que tal cenário poderia desestabilizar os mercados financeiros internacionais.
Investidores passariam a exigir maiores retornos para adquirir títulos americanos, e a hegemonia desses papéis como base do sistema financeiro global seria desafiada. Em resposta, bancos centrais pelo mundo já orientaram instituições sob sua tutela a acompanharem atentamente sua exposição ao dólar.
Além do mais, uma rendição do Fed à pressão política colocaria fim a um regime que mantém a estabilidade dos preços há pelo menos quatro décadas, desde o trabalho do ex-presidente do banco central americano, Paul Volcker, contra a inflação alta.
Desde então, várias autoridades monetárias adotaram o modelo do Fed, priorizando a independência política e um foco exclusivo no controle da inflação — geralmente com metas na casa dos 2%.
Joachim Nagel, presidente do Bundesbank e membro do conselho do BCE, ressaltou que a independência dos bancos centrais não pode ser tida como garantida e que sua manutenção é condição essencial para a estabilidade dos preços.
Conflitos políticos globais e seus reflexos
Até o momento, os mercados americanos não manifestaram preocupações significativas sobre a autonomia do Fed: as bolsas subiram e não houve alta relevante dos rendimentos dos títulos públicos ou das expectativas inflacionárias que indicassem dúvidas sobre a credibilidade da instituição.
Apesar disso, Trump, que poderá indicar um novo presidente do Fed após o término do mandato de Powell em maio, precisa de mais vagas no conselho do banco central para obter maioria e ter controle. O sistema do Fed conta ainda com uma rede de 12 bancos regionais, cujos presidentes votam rotativamente e são nomeados por conselhos locais, o que limita a influência direta de Washington.
Mesmo assim, a postura hostil de Trump perante o Fed, em um país com sólidas tradições jurídicas e institucionais, serviu como alerta para governadores de bancos centrais sobre quão delicada é sua independência.
O Banco Central Europeu, por exemplo, embora tenha autonomia assegurada por tratados da União Europeia, enfrentou acusações de financiar governos ao implementar programas massivos de compra de títulos para evitar deflação. Também resistiu a ações judiciais que tentaram barrar esses programas.
Além disso, partidos políticos em países europeus como Itália, Alemanha e França ocasionalmente criticaram o BCE. Em outras nações, a nomeação de líderes do banco central tornou-se objeto de disputas políticas. Na Letônia, por exemplo, o presidente do banco central Martins Kazaks enfrentou oposição de políticos por não seguir as orientações do governo. Já a Eslovênia permanece sem presidente do banco central desde janeiro por falta de consenso político.
No Japão, o então primeiro-ministro Shinzo Abe pressionou o Banco Central a adotar medidas mais agressivas contra a deflação, indicando pessoalmente Haruhiko Kuroda para suceder o presidente anterior, pouco antes do mandato dele terminar. Kuroda implantou um vasto programa de compra de ativos que ajudou a enfraquecer o iene e impulsionar o crescimento, embora essa prática tenha gerado críticas entre banqueiros por tornar o Banco do Japão o maior credor do governo.
Impactos e consequências globais
Trump declarou que aguarda ansiosamente o fim do mandato de Powell e já iniciou o processo público para escolher seu substituto. Uma fonte ligada ao Banco do Japão comparou essa postura com estratégias de Abe, mostrando como líderes podem politizar bancos centrais para seus interesses.
As atitudes de Trump podem incentivar governos em outros países, especialmente aqueles com tendências populistas, a tentar controlar suas autoridades monetárias, aumentando o risco de inflação mais elevada e volatilidade nos mercados internacionais.
Maury Obstfeld, pesquisador sênior do Peterson Institute for International Economics e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, alertou que a tentativa de controlar o Fed seria um mau exemplo para todo o mundo. Ele questionou como países, mesmo os Estados Unidos—visto como bastião do equilíbrio institucional e do Estado de direito—poderiam evitar que outras nações fiquem ainda mais vulneráveis a esse tipo de influência política.