Previ encerra fase de investidor majoritário e busca maior diversificação
A Previ, maior fundo de pensão do Brasil, está concluindo uma importante etapa em sua atuação no mercado de ações. No passado, chegou a deter participações significativas em empresas como 25% da Vale e 30% da Neoenergia. Atualmente, a estratégia é reduzir a concentração acionária para diversificar melhor os investimentos.
Conforme Cláudio Gonçalves, diretor de investimentos da Previ, “não veremos mais a Previ com grandes blocos de controle”. Porém, o presidente João Fukunaga ressalta que isso não significa abrir mão da influência. O fundo continuará presente nos conselhos de empresas estratégicas para proteger os ativos dos seus quase 200 mil cotistas.
Foco no Plano 1 e estratégia conservadora
O reposicionamento do fundo está associado principalmente ao Plano 1 (PB1), que atende funcionários admitidos até 1997 no Banco do Brasil. Esse é o maior plano da Previ, com aproximadamente R$ 230 bilhões em ativos e responsável pela maior parte da folha de pagamento de benefícios. Atualmente, quase 98% dos 106 mil participantes do PB1 já estão aposentados ou beneficiários, configurando um plano maduro que exige liquidez constante.
Por essa razão, a política de investimento do PB1 é conservadora. Desde 2012, o fundo implementa uma estratégia interna chamada “imunização de passivo”, que tem como objetivo alinhar o fluxo dos ativos com as obrigações futuras. A meta é reduzir gradualmente a alocação em renda variável para 24% até 2030, reforçando o investimento em títulos públicos de longo prazo. Hoje, cerca de 25% dos recursos do Plano 1 estão alocados em ações, especialmente da Vale, Tupy e Vibra.
O cenário atual de juros elevados acelerou essa transição. Em 2025, foram realocados R$ 7 bilhões em NTN-Bs, títulos públicos indexados ao IPCA, com taxa média próxima a IPCA +7,35% ao ano, desempenho muito superior à meta mínima do fundo, que é de inflação +4,75%. Isso proporciona maior segurança e previsibilidade para o pagamento futuro dos benefícios.
Venda de ações e girada de carteira
As mudanças já são evidentes na carteira da Previ. No primeiro semestre deste ano, o fundo vendeu cerca de R$ 7 bilhões em ações. Dados compilados pelo InvestNews indicam que, entre julho de 2024 e julho de 2025, foram totalmente desfeitas posições em companhias como Bradesco, Eletrobras, Ultrapar, BB Seguridade, B3, Raia Drogasil e Copel, somando aproximadamente R$ 5,5 bilhões em vendas. Destaca-se também a liquidação do investimento na BRF, que durou quase 30 anos, gerando R$ 1,9 bilhão.
O diretor Cláudio Gonçalves explica que as decisões são ajustadas diariamente, considerando dados econômicos e taxas de juros, sem tentar prever a dinâmica do mercado de ações. O planejamento é flexível e revisto constantemente.
Mais recentemente, a Previ também vendeu a totalidade das ações da Neoenergia por R$ 12 bilhões, superando a avaliação no portfólio de cerca de R$ 10 bilhões, com ganho acumulado de 145%. O montante captado foi reinvestido em NTN-Bs com taxa média de IPCA +7,4%.
Segundo o presidente João Fukunaga, o momento foi oportuno para a venda, pois a Neoenergia era a última empresa com acordo de acionistas e restrições. A operação aumentou a liquidez do plano e permitiu alocar em renda fixa com boa rentabilidade, alinhada às obrigações de pagamento aos beneficiários.
Recuperação financeira do Plano 1
Após fechar 2024 com déficit acumulado de R$ 7,6 bilhões, o Plano 1 voltou a apresentar superávit em 2025. Em agosto, registrou R$ 4,2 bilhões de resultado positivo, revertendo a situação do ano anterior e encerrando o mês com saldo positivo de R$ 1,48 bilhão. A rentabilidade acumulada no ano chegou a 9,25%, resultado da política de imunização e da valorização da renda variável, que subiu 14,1% até agosto.
Nova postura como investidor ativo
Historicamente, a Previ foi reconhecida pelo forte protagonismo em decisões societárias e na gestão de importantes empresas, chegando a ser considerada um “banco dentro do Banco do Brasil” por sua influência em assembleias e conselhos. No entanto, essa postura está mudando.
Gonçalves esclarece que atualmente a Previ não utiliza a ocupação de assentos em conselhos como critério principal para investimentos. O foco está em identificar empresas sólidas, que paguem dividendos e tenham governança robusta. O aporte recente na Vibra, de R$ 2,5 bilhões, é apontado como exemplo dessa nova fase.
Fukunaga reitera que a influência será mantida quando relevante, mas agora a abordagem é diferente: o objetivo é monitorar atentamente sem necessariamente controlar as empresas. Ele lembra o histórico do fundo, que já esteve no centro de conflitos e disputas acionárias, como aquelas contra Opportunity e CSN, reforçando que esses momentos fazem parte da trajetória da Previ.
A atuação no mercado acionário brasileira foi marcante, principalmente durante os anos 2000, com embates que culminaram na saída do Opportunity da Brasil Telecom, além de negociações para exigir maior disciplina financeira na CSN e defender a estrutura de governança da Vale. Na BRF, a Previ resistiu à proposta de fusão com a Marfrig sob determinadas condições, encerrando posteriormente o investimento com lucro.
Na área de infraestrutura, o fundo atua junto com outras entidades como Funcef e Petros para preservar valores durante a reestruturação da Invepar, concessionária que administra o aeroporto de Guarulhos e está em recuperação judicial.
Tendência global e futuro da gestão
Um gestor ouvido pela reportagem acredita que a mudança no perfil da Previ é um reflexo natural e está alinhada a tendências mundiais. Ele afirma que fundos de pensão não dispõem de tempo ou equipe para gerir diretamente as empresas e tendem a terceirizar parte da administração, acompanhando os gestores profissionais, como é costume em fundos europeus.
Esse gestor indica ainda que o protagonismo acionário deve migrar para o fundo Previ Futuro, que tem perfil mais recente, estrutura de contribuição definida e horizonte de longo prazo, permitindo maior exposição em renda variável.
Previ Futuro: uma abordagem diferente
Enquanto o Plano 1 segue em um processo de liquidação ordenada, o Previ Futuro atua como motor de crescimento da entidade. Criado em 1997 para novos funcionários do Banco do Brasil, ele opera no regime de contribuição variável, em que o benefício depende do saldo acumulado durante a carreira.
Neste modelo, o participante e o Banco depositam percentuais correspondentes do salário, formando uma poupança individual corrigida pela rentabilidade dos investimentos, que posteriormente é convertida em aposentadoria. Não há promessa de benefício definido; quem contribui mais e assume riscos adequados acumula mais recursos.
O Previ Futuro administra hoje cerca de R$ 40 bilhões para 87 mil participantes, sendo que 93,4% ainda estão ativos. Isso possibilita maior flexibilidade para alocar em ativos arriscados e de longo prazo, como ações, imóveis e infraestrutura. Atualmente, R$ 5,3 bilhões estão aplicados em renda variável, principalmente por meio de fundos de investimento. A rentabilidade do plano em 2025 é de 10,3%, superior à meta de 6,23%.
Por meio desse fundo, a Previ adquiriu participações na Fapes no BarraShopping (Rio) e no MorumbiShopping (São Paulo), ambos considerados empreendimentos de alto padrão. A fatia no BarraShopping pode alcançar 7,54% e está avaliada em até R$ 362,5 milhões, enquanto no MorumbiShopping envolve até 4% da área para lojas e 4,55% do estacionamento, por cerca de R$ 200 milhões.
Além dessas aquisições, o plano mantém imóveis corporativos e galpões logísticos de legado, que serão gradualmente vendidos para obter liquidez e realocar em ativos com maior potencial de retorno.
Nova fase da Previ
A diretoria da Previ expressa de modo claro que o fundo abandonou a postura de “superacionista” no Plano 1, com foco em proteger o passivo por meio de títulos públicos e exercer influência acionária somente quando necessário. O impulso no mercado de capitais deverá vir do Previ Futuro, que tem maior apetite a risco e busca diversificação.
Segundo Fukunaga, a Previ seguirá sendo um ator importante no mercado, porém com papéis distintos: “De um lado, somos porto seguro para os aposentados; de outro, queremos impulsionar o crescimento para os trabalhadores jovens.”



