Produtividade No Home Office: Desafios Da Medição Nas Empresas

Produtividade No Home Office: Desafios Da Medição Nas Empresas

Especialistas apontam dificuldades das empresas para medir produtividade no home office

Após a recente demissão de cerca de mil colaboradores do Itaú Unibanco, realizada com base em avaliações de produtividade por meio de softwares instalados em computadores corporativos, o g1 procurou as maiores organizações do país que adotam regimes remotos ou híbridos para entender seus métodos de monitoramento. Nenhuma delas aceitou conceder entrevista sobre o tema.

É permitido por lei o uso de programas que monitoram atividades digitais, como tempo de uso, cliques e aplicativos acessados. Avaliar o desempenho dos funcionários fora do ambiente físico do escritório sem utilizar métricas injustas continua sendo um dos principais desafios desde a experiência do home office na pandemia.

Especialistas ressaltam que, embora a tecnologia de monitoramento possa trazer ganhos imediatos, a dependência exclusiva desses métodos pode comprometer a produtividade e os resultados no médio e longo prazo.

Itaú demite funcionários após avaliar produtividade no home office

Nesta semana, o Itaú Unibanco dispensou cerca de mil funcionários que atuavam em regime remoto ou híbrido após análise de dados colhidos por softwares especializados. A avaliação considerou indicadores de atividade digital dos colaboradores em computadores corporativos, além de cruzar informações como a jornada formal e horas extras registradas.

Entre os programas mais utilizados no mercado estão XOne, Time Doctor e Teramind, que recolhem dados variados, como movimentação do mouse e uso de aplicativos. Essas ferramentas, apesar de permitidas pela legislação, provocam um debate entre especialistas quanto à eficácia e justiça na mensuração da produtividade.

O Itaú esclarece que não utiliza métricas simplistas baseadas apenas em movimentos do mouse ou teclado, tampouco faz captura de telas, áudios ou vídeos. O banco avalia indicadores robustos que englobam diversas ferramentas digitais, incluindo chamadas por vídeo, mensagens e sistemas de produtividade como pacote Office.

A tarefa de medir o desempenho no home office sem recorrer a avaliações injustas permanece um grande dilema desde o período mais intenso da pandemia. Procurando aprofundar a questão, o g1 buscou respostas junto às maiores companhias brasileiras com regimes remotos ou híbridos, porém recebeu apenas notas informativas ou nenhuma resposta detalhada sobre critérios e métricas utilizadas.

Por isso, o g1 consultou profissionais e estudiosos do setor para compreender os maiores obstáculos enfrentados na mensuração da produtividade no ambiente corporativo atual, destacando aspectos como:

  • Produtividade no home office;
  • Foco em entregas versus horas trabalhadas;
  • Diferenças entre áreas e funções;
  • Consequências para carreira e mercado de trabalho.

Produtividade no home office

Conforme explica o professor Marcelo Graglia, coordenador do Observatório do Futuro do Trabalho da PUC-SP, antes da popularização do trabalho remoto, medir produtividade era uma tarefa relativamente simples, ligada diretamente à produção versus recursos empregados, como exemplificado pela fabricação de automóveis por hora trabalhada.

Durante a pandemia, o home office se tornou predominante, e diversos softwares foram criados para acompanhar o desempenho dos funcionários fora do escritório físico, utilizando inteligência artificial para monitorar em larga escala.

Graglia alerta, entretanto, que esses algoritmos analisam dados principalmente quantitativos e probabilísticos, enquanto a avaliação humana envolve também aspectos qualitativos e subjetivos. Por isso, confiar exclusivamente nessas tecnologias pode levar a decisões erradas e injustas.

O Itaú afirma que examinou os dados de atividades digitais durante quatro meses, verificando uma média geral de 75% de atividade diária considerada aceitável. Identificou casos recorrentes de funcionários com apenas 20% de atividade digital, mesmo registrando horas extras, o que motivou as demissões.

Alguns ex-colaboradores afirmaram que cumpriam as jornadas de trabalho e que não receberam feedbacks prévios sobre seu desempenho antes do desligamento, indicando uma possível falta de comunicação.

Entregas ou horas trabalhadas?

Thatiana Cappellano, mestre em ciências sociais e consultora trabalhista, destaca a limitação de avaliar produtividade apenas pelo tempo de uso do computador, termo que considera ultrapassado. Segundo ela, o fundamental é analisar o que é produzido e a qualidade das entregas, priorizando resultados concretos.

Marcelo Graglia reforça que o uso excessivo de monitoramento tecnológico pode trazer ganhos no curto prazo, mas prejudica a eficácia a médio e longo prazos. Ele alerta para a diferença entre eficiência — realizar tarefas rapidamente e com baixo custo — e eficácia — atingir efetivamente bons resultados.

Confiar unicamente em dados quantitativos pode gerar quebra da confiança entre empregados e empregadores, elevar sintomas de ansiedade, aumentar casos de burnout e causar perda de talentos, além de rotatividade.

Além disso, o excesso de vigilância pode transformar o ambiente corporativo em uma espécie de “reality show”, onde colaboradores simulam atividades apenas para aparentar produtividade. Essa tática resolve problemas imediatos, mas prejudica o desempenho real e o clima organizacional.

“Esse comportamento, que eu chamo de neurose organizacional, corrói a produtividade genuína e ignora modelos modernos de gestão baseados em autonomia e confiança, defendidos há décadas por teóricos como Peter Drucker.” — Marcelo Graglia

Drucker, considerado o pai da gestão, criticava o modelo de supervisão rígida e punitiva. Por isso, empresas investiram em ambientes com maior autonomia e autogestão. O uso desmedido de tecnologias de controle ameaça esses avanços.

Por que tantos profissionais preferem se demitir a deixar o home office?

Diversidade entre áreas e funções

A professora Luciana Morilas, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, aponta a falta de adequação dos sistemas de avaliação às particularidades de cada setor.

Ela observa que muitas instituições concentram a responsabilidade de controle no departamento de RH, que gerencia milhares de trabalhadores, resultando em soluções padronizadas que podem não atender necessidades específicas de certos grupos profissionais.

Morilas ressalta que o gestor direto deveria adotar uma liderança mais próxima e personalizada, mantendo políticas claras de comunicação e feedbacks para alinhar expectativas e evitar decisões extremas sem prévia orientação.

No entanto, questiona se os gestores têm tempo e preparo adequados, já que muitas vezes formam-se exclusivamente em gestão de tarefas, negligenciando o aspecto humano.

É importante considerar as particularidades de cada função: setores de Tecnologia da Informação, por exemplo, adaptam-se bem ao remoto, enquanto áreas como comercial e marketing mantêm maior necessidade de atividades externas.

Para Tatiana Iwai, professora de Comportamento Organizacional e Liderança no Insper, padronizar avaliações é complexo e pode ser ineficaz. Ela recomenda estratégias como avaliar entregas concretas e realizar check-ins regulares, diários ou semanais, para acompanhar progresso.

Segundo ela, no período mais intenso do home office, diversas equipes adotaram essas reuniões frequentes para distribuir tarefas, acompanhar andamento e apresentar resultados, melhorando a gestão do trabalho remoto.

Consequências para a carreira e o mercado

A demissão de mil funcionários pelo Itaú pode repercutir significativamente no mercado, influenciando outras empresas a rever seus modelos de trabalho remoto e, possivelmente, a restringir essa modalidade.

Um estudo do Insper indica que durante o auge da pandemia, trabalhadores atuavam em média mais de quatro dias por semana remotamente. Com o passar dos anos, essa frequência diminuiu, mas o home office segue presente, com diferentes intensidades dependendo do setor.

Em março de 2025, a média semanal era de 2,32 dias de trabalho remoto, e 71% dos profissionais declararam atuar remotamente pelo menos um dia na semana. A área de tecnologia mantém níveis elevados, enquanto a indústria voltou majoritariamente ao presencial.

Média de dias trabalhados remotamente entre 2019 e 2025

Tatiana Iwai observa que ações drásticas de grandes empresas podem incentivar dúvidas sobre a efetividade do trabalho remoto em outras organizações. Apesar disso, aponta que evidências indicam essa modalidade pode garantir produtividade satisfatória, se bem adaptada.

Ela alerta para o risco de controles excessivos prejudicarem a relação de confiança entre trabalhadores e empregadores, e que existem formas menos invasivas de acompanhar entregas e coordenar equipes.

Posicionamento do Itaú Unibanco

Desde 2022, o banco reformulou sua cultura organizacional, adotando a marca Cultura Itubers e um modelo de trabalho flexível, com aproximadamente 60% dos colaboradores em regimes híbrido ou remoto.

A base desse formato é conferir maior autonomia e responsabilidade aos funcionários, complementada por monitoramento do uso dos equipamentos corporativos, respeitando a legislação vigente e acordos sindicais. Essa supervisão visa garantir a efetividade do regime remoto.

Após quatro meses de análise detalhada comparando dados de softwares corporativos com jornadas formais e horas extras, foram identificados padrões baixos e inconsistentes de atividade digital em alguns funcionários, que motivaram as demissões.

O banco destaca que a média geral de atividade digital no home office é em torno de 75%, considerada adequada, e que as medidas buscam preservar a confiança e a cultura interna.

O Itaú reforça que o monitoramento não considera apenas atividade de mouse ou teclado, não realiza capturas de telas ou gravações, e se restringe a indicadores precisos sobre o uso real dos softwares licenciados.

Além disso, o processo considera pausas e situações pessoais, como saúde e eventos externos, e foi auditado pela diretoria responsável.

As demissões não têm caráter de redução de quadro; contratações continuam normalmente, e reposições serão avaliadas conforme a necessidade de cada área.

Por fim, o banco ressalta que o monitoramento está amparado por políticas internas assinadas pelos colaboradores e visa apoiar o modelo híbrido e flexível com autonomia responsável.

Fonte

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