Reforma Do Código Civil E Herança De Cônjuges: Proteja-se Já

Reforma Do Código Civil E Herança De Cônjuges: Proteja-se Já

Proposta de reforma no Código Civil pode prejudicar herança de cônjuges; donas de casa são as mais afetadas

Está em tramitação no Congresso uma reforma que poderá representar uma mudança significativa no planejamento sucessório no Brasil: a ideia de eliminar o cônjuge do rol de herdeiros necessários. Atualmente, o cônjuge tem direito à legítima, que corresponde a metade do patrimônio do falecido, garantida por lei.

Além dos cônjuges, também são considerados herdeiros necessários os ascendentes (pais, avós, bisavós) e descendentes (filhos, netos, bisnetos).

O Projeto de Lei 4/2025 sugere revisar essa estrutura, fazendo parte de um pacote maior de reformas que ainda necessita passar por debate e votação no Congresso. Para entender as principais mudanças propostas nas regras de herança, especialistas recomendam que os brasileiros fiquem atentos à tramitação do projeto.

Segundo Roberta Capistrano, advogada do escritório Fabio Kadi Advogados, a intenção do projeto é evitar disputas familiares, já que muitas famílias são recompostas, o que gera desconforto quando o cônjuge em nova união compete com os filhos por bens nos quais ele não contribuiu para a formação. Ela exemplifica com pessoas em casamentos posteriores, nas quais o atual parceiro, mesmo sem ter contribuído para a aquisição dos bens, é considerado herdeiro necessário atualmente, inclusive em regime de separação total de bens.

Para alguns advogados, a reforma pode garantir mais liberdade para o planejamento sucessório, respeitando o princípio da autonomia da vontade, que assegura a cada cidadão o direito de determinar como deseja distribuir seu patrimônio.

Por outro lado, a proposta gera riscos para aqueles que não fazem um planejamento cuidadoso e dependem financeiramente do cônjuge. Conforme explica Márcia Cunha, consultora do Veirano Advogados, famílias com menos recursos e acesso à informação podem acabar desprotegidas, principalmente em casos de dependência econômica e patrimonial entre parceiros.

Esse cenário traz insegurança, especialmente para mulheres donas de casa que dedicaram seu tempo ao cuidado do lar e da família e não construíram patrimônio próprio durante o casamento. Caso a esposa deixe de ser herdeira necessária, ela pode perder o direito automático à herança do marido, ficando financeiramente vulnerável.

A advogada Miriane Ferreira, que tem 1,9 milhão de seguidores no Instagram e compartilha conteúdos jurídicos, chegou a organizar um abaixo-assinado contra a proposta. Ela afirma que o projeto prejudica as mulheres ao ignorar o trabalho invisível realizado no cuidado com a casa e os filhos.

Impactos práticos das mudanças conforme regime de casamento

Os efeitos do PL 4/2025 variam de acordo com o regime de bens adotado no casamento, já que a meação — metade dos bens que pertence igualmente aos cônjuges — não será alterada. A meação está prevista nos regimes de comunhão parcial e comunhão total de bens.

No regime de separação total de bens, em que cada cônjuge mantém o seu patrimônio individual, as alterações tendem a ser mais profundas, pois não há meação.

Especificamente, a reforma terá o seguinte efeito em cada situação:

  • Comunhão total: o cônjuge continuará tendo direito à metade dos bens adquiridos antes ou durante o casamento;
  • Comunhão parcial: o cônjuge manterá direito à metade dos bens adquiridos durante a união, mas deixará de ser herdeiro necessário dos bens particulares (adquiridos antes do casamento);
  • Separação total de bens: o cônjuge deixará de ser herdeiro necessário tanto dos bens adquiridos antes quanto durante o casamento;
  • União estável: a regra será equivalente à da comunhão parcial.

Importante destacar que, caso a reforma seja aprovada, valerá apenas para falecimentos posteriores à sua aprovação. Mortes ocorridas antes da aprovação seguirão as regras vigentes até então, independentemente do andamento do inventário.

Orientações para o momento atual

Marcos Fioravanti, sócio do Vieira Rezende Advogados, aconselha cautela para casais e evita mudanças precipitadas no regime de bens ou elaboração de testamentos, pois o projeto ainda está sujeito a alterações no Congresso e pode haver uma fase de transição na aplicação das novas normas.

Já Daniela Poli Vlavianos, advogada da Arman Advocacia, reforça a importância de começar desde já o planejamento sucessório preventivo, para que o desejo do casal esteja formalizado legalmente, evitando desamparo financeiro ou conflitos familiares decorrentes da ausência de herança obrigatória.

Recomenda-se acompanhar a tramitação do PL 4/2025 para identificar se a alteração será confirmada e, se sim, preparar o planejamento sucessório adequeado para evitar surpresas na hora da sucessão patrimonial. A votação está prevista para ocorrer até a primeira semana de julho de 2026, e o relatório final será entregue em 11 de março do próximo ano.

Ferramentas recomendadas para garantir a proteção do cônjuge

O testamento é apontado como o instrumento mais flexível para proteger parceiros, já que permite personalizar a sucessão, designando bens específicos ao cônjuge ou assegurando seu direito à moradia, por exemplo. Além disso, é possível nomear tutores para filhos menores e definir responsabilidades pela administração do patrimônio herdado.

Outra alternativa é a doação em vida, que oferece segurança imediata ao parceiro através da transferência de bens, podendo incluir reserva de usufruto, garantindo uso do bem ao doador enquanto estiver vivo.

Para casais com patrimônio imobiliário e empresarial, a constituição de holding familiar facilita a proteção e organização da sucessão, permitindo acordos societários, definição de cotas e forma de geração de renda ao cônjuge sobrevivente.

Em relacionamentos que ainda serão formalizados, o pacto antenupcial se mostra útil para estabelecer regras patrimoniais e sucessórias durante o casamento ou união estável.

Previdência e seguros no planejamento sucessório

Advogados alertam que não existe uma solução única para o planejamento. Juliana Joppert Lopes, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados, lembra que a melhor estratégia varia conforme o patrimônio, composição familiar, idade e expectativas do casal, devendo ser feita de forma personalizada.

Com as possíveis modificações no Código Civil, cresce o interesse em produtos financeiros como seguros de vida e planos de previdência privada, que permitem nomear beneficiários diretamente e não passam por inventário, evitando custos, prazos e disputas judiciais.

Gustavo Filippi, especialista em família e sucessões, ressalta que tais instrumentos oferecem liquidez imediata e blindagem contra conflitos, sendo alternativas eficazes para proteção do cônjuge com as novas regras de herança.

Fonte

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